Revista Radis aborda queda de cobertura vacinal no Brasil

Nathállia Gameiro 7 de janeiro de 2019


Luiz Felipe Stevanim (Revista Radis)

 

Edição de janeiro de 2019 da publicação destaca como baixas coberturas alcançadas para as principais vacinas do Calendário Nacional de Vacinação representam uma ameaça real de retorno de doenças comuns no passado, como o sarampo e a poliomielite
 
 

Pela primeira vez, o Zé Gotinha não sorri. A personagem — conhecida pelo sorriso simpático que a torna cativante para as crianças, desde que foi criada, em 1986 — aparece com a expressão triste e preocupada nas peças publicitárias da campanha divulgada pelo Ministério da Saúde em outubro de 2018. O motivo: as baixas coberturas alcançadas para as principais vacinas do Calendário Nacional de Vacinação representam uma ameaça real de retorno de doenças comuns no passado, como o sarampo e a poliomielite (paralisia infantil). As feições descontentes da personagem traduzem uma inquietação que também incomoda profissionais e estudiosos da saúde: por que o Brasil — que tem um Programa Nacional de Imunizações (PNI) reconhecido internacionalmente — vive um contexto em que aumenta a parcela da população sem vacinação adequada?

 

O retorno do sarampo em 2018 — com o registro de 10.163 casos no país, até o fim de novembro — coloca em risco o título recebido pelas Américas, em 2016, de área livre da doença, por um Comitê Internacional de Especialistas da Organização Pan-americana da Saúde (Opas). A vacina que previne a doença encontra-se disponível gratuitamente nas unidades básicas do Sistema Único de Saúde (SUS), em duas doses — é a tríplice viral, que também combate a caxumba e a rubéola, ofertada no calendário desde 1995. Porém, em 2017, a cobertura da primeira dose ficou abaixo da meta de 95% (90,1%, de acordo com o último levantamento), enquanto a da segunda ficou em 74,9%, segundo dados do PNI encaminhados à Radis. “Se nós mantivermos baixas coberturas vacinais, basta uma pessoa doente entrar no nosso país para ocorrer a transmissão. Por isso temos que voltar a ter elevadas coberturas, porque somente dessa forma estaremos com nossa população protegida”, explica a coordenadora do PNI, Carla Domingues.

 

Temida no passado pelas sequelas permanentes causadas em crianças, como a paralisia, a poliomielite foi eliminada do país depois do último caso, em 1989, graças às ações de vacinação nos postos de saúde e nas campanhas nacionais. O combate à pólio rendeu a tradicional imagem da gotinha aplicada na boca das crianças (atualmente utilizada nas doses de reforço, a partir de 1 ano) — assim como a pergunta dos filhos aos pais nas filas da vacinação: “É gotinha ou injeção?”. Mas, tanto em 2016 quanto em 2017, a cobertura da vacina contra a pólio ficou, pela primeira vez, mais de 10 pontos percentuais abaixo da meta, que também é de 95%: 84,4%, em 2016; e 83,4%, em 2017. Para a primeira dose de reforço, dada a partir dos 15 meses de vida, a cobertura foi de pouco mais de 77% em 2017 — isso significa que cerca de 23% das crianças que completaram um ano de idade naquele ano não fizeram o esquema vacinal adequado e não estão corretamente imunizadas contra a doença.

 

Outras vacinas seguem o mesmo caminho: a pentavalente, que protege contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e infecções causadas pela bactéria Haemophilus influenzae B, alcançou apenas 82,2% da população indicada; a do rotavírus ficou em 83,3%; e a da hepatite B em crianças com menos de 1 mês, 84,1%. A curva de queda nas principais vacinas ofertadas gratuitamente à população começou em 2016 e repetiu-se nos dois anos seguintes, em descompasso com os anos anteriores. Tal cenário faz com que o PNI tenha tido, em 2017, as piores coberturas desde 2000 para as principais vacinas do calendário.

 

Os dados são ainda mais alarmantes se levarmos em conta a distribuição desigual pelo país: segundo o Ministério da Saúde, mais da metade das cidades brasileiras não têm cobertura adequada para a maioria das vacinas do calendário nacional. Apenas 44,6% dos municípios alcançaram a meta estipulada para a pólio, algo semelhante ocorrendo com hepatite A, BCG (que previne contra formas graves da tuberculose), rotavírus, meningocócica C e pentavalente. Em junho de 2018, o órgão fez um alerta de que 312 municípios haviam vacinado menos de 50% das crianças na faixa etária recomendada contra a pólio. A queda na cobertura também é percebida nos estados: o Rio Grande do Norte, por exemplo, vacinou apenas cerca de 68% da população pretendida contra a doença, em 2017 — enquanto antes de 2015, o estado sempre havia alcançado cobertura acima de 90%.

 

O que explica essa diminuição na parcela da população que se vacinou corretamente — se o país oferece 19 vacinas gratuitamente no calendário nacional, com imunizantes para crianças, adolescentes, adultos, idosos e povos indígenas? Diante da circulação crescente de notícias falsas sobre vacinas, nas redes sociais, este fator teria algum peso para que as pessoas deixem de procurar os postos de saúde para se prevenir contra doenças que podem matar? Mesmo com as evidências científicas de que as vacinas são seguras, por que alguns pais e responsáveis não vacinam seus filhos? Radis buscou respostas para essas perguntas, em conversa com profissionais e estudiosos da epidemiologia e da saúde pública, e encontrou razões que vão desde a falsa sensação de segurança contra doenças que diminuíram sua incidência até as falhas de comunicação dos órgãos de saúde com a população. A crise do SUS também pode pesar nessa conta.

 

Continue a leitura no site da revista Radis.  

 

Confira também outras reportagens na edição de janeiro de 2019