Resultado de pesquisa da Fiocruz apresenta perfil mais vulnerável à hanseníase no Brasil

Nathállia Gameiro 20 de agosto de 2019


No Brasil, segundo país em registros de hanseníase no mundo após a Índia, 200 mil novos casos são descobertos a cada ano

 

Karina Costa Ascom Cidacs/Fiocruz

 

Do sexo masculino, morador das regiões centro-oeste, norte ou nordeste, renda média mensal de até 170 reais por pessoa, baixa escolaridade, habitante de casa superlotada e da raça cor preta/parda. Este é o perfil geral do indivíduo mais vulnerável à hanseníase no Brasil. As informações foram divulgadas no Seminário de Entrega Hanseníase, realizado no dia 16 de agosto, no Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em Salvador (BA). O evento, promovido pelo Cidacs e pela Fiocruz Brasília, promoveu um diálogo entre gestores e tomadores de decisão, apontando com mais precisão a população mais vulnerável e as variáveis que devem ser mais observadas na construção de políticas públicas para esse problema de saúde.

 

Sob o tema “Avaliação de Efeito dos Determinantes sociais e impacto de programas sociais na incidência, percentual de incapacidades físicas e desfechos em uma coorte de 100 milhões de brasileiros”, foram apresentados os métodos, achados e alguns encaminhamentos dos 11 artigos científicos produzidos pelo grupo de pesquisa.

 

Ciência fora dos muros

 “A ciência só é ética se ela muda a vida das pessoas para a melhor”, comentou o pesquisador da Fiocruz Brasília e professor da Universidade de Brasília (UnB), Gerson Penna, um dos líderes do projeto. “E só tem uma forma de as pessoas exigirem de seus governantes as mudanças: se o conhecimento sair dos artigos científicos e for compartilhado com a sociedade”.

 

Marcado por uma forte preocupação em trazer o conhecimento acadêmico como instrumento de mudança, o evento contou com a participação de pessoas envolvidas com a causa. O coordenador Nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas com Hanseníase (Morhan), Artur Custódio, diz que as informações fornecidas no evento servem para brigar por ações específicas. “Algumas dessas informações a gente já tinha noção, mas não com tanto detalhamento e a gente vai usar isso para o advocacy. São coisas que a gente discute a há 30 anos e que pensávamos como vamos incluir as questões sociais nas políticas de hanseníase?”. Custódio também lembrou que embora se tenha chegado a esse perfil da população vulnerável, a hanseníase pode atingir pessoas de diferentes classes sociais.

 

Patrícia Soares, pessoa atingida pela Hanseníase, como se designa, tem 33 anos e há dois concluiu o tratamento da doença. Ela integra o Conselho Estadual de Saúde e também já tinha uma noção das populações vulneráveis, “mas não com essa magnitude”, como ponderou. Ela comentou sobre o desconhecimento da doença, a falsa ideia de que a hanseníase foi eliminada e o silenciamento midiático, o que colabora para um diagnóstico tardio, possibilitando que haja um quadro incapacitante.

 

Os estudos

Os artigos em discussão utilizaram a Coorte de 100 Milhões de Brasileiros – plataforma do Cidacs que vincula informações dos programas sociais a outras bases de dados de sistemas de informação em saúde – e é resultado de uma colaboração entre os pesquisadores do Cidacs/Fiocruz Bahia, Ufba, UnB, Fiocruz Brasília, London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM) e Universidade Federal Fluminense (UFF). “Os estudos longitudinais são muito poderosos para responder essas questões”, comentou o coordenador do Cidacs, Mauricio Barreto, também professor da Ufba e pesquisador sênior da Fiocruz Bahia.

 

No Brasil, segundo país em registros de hanseníase no mundo após a Índia, a cada ano, 200 mil novos casos são descobertos. Os estudos investigaram os fatores para ser atingido pela doença, as determinações para a descoberta tardia, o que leva à incapacidade física, o abandono do tratamento e os aspectos para um desfecho favorável. Com a Coorte foi possível fazer uma análise ao longo do tempo “linkando” os dados do Cadastro Único com as informações disponíveis, individualmente, no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan). Para esses estudos, foram utilizados 34 milhões de pessoas e, entre elas, 23.911 pessoas foram diagnosticadas com hanseníase, no período de 2007 a 2014.

 

A professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Joilda Nery, mostrou quatro trabalhos que está desenvolvendo. Ela focou na investigação dos fatores relacionados à detecção e ao abandono do tratamento – o processo dura entre 6 a 12 meses. A pesquisadora apontou para uma revisão sistemática de 39 estudos identificando o sexo masculino, contatos domiciliares, domicílios superlotados, escassez e insegurança alimentar, pessoas idosas, precariedade das condições sanitárias como favoráveis à doença. “Percebemos que, assim como os homens adultos, os meninos de 10 a 14 anos foram apontados como vulneráveis. A gente aponta uma priorização da criança”.

 

Estas informações foram publicadas na Plos Negleted Tropical Disease em um estudo liderado pela pós-doutoranda do Cidacs Júlia Pescarini. A epidemiologista enfatizou a necessidade do enfrentamento das desigualdades sociais como principal ação de combate à hanseníase. “As famílias beneficiárias do Bolsa Família tiveram uma redução de 14% do risco de adoecer por hanseníase e, quando esse indivíduo adquire a doença e possui bolsa família, percebeu-se uma redução de 25% das incapacidades físicas”.

 

O professor Mauro Sanchez, da UnB, também integrante do projeto, apresentou o artigo liderado pela doutoranda Camila Teixeira e mostrou que, quanto maior a escolaridade do indivíduo, mais chances de ser diagnosticado no início do tratamento e, por consequência, receber o tratamento em tempo de evitar uma incapacidade física – uma vez que a evolução da hanseníase leva a perda de sensibilidade de membros periféricos. Um achado importante é que locais com maior incidência de hanseníase também são os locais em que a evolução para incapacidade é menor. “A hipótese é que como o profissional vê menos a doença ele leva mais tempo para identificar a doença”, explicou Sanchez.

 

Políticas para negligência

A diretora do Hospital Couto Maia, Ceuci Nunes, comentou que o diagnóstico é muito difícil entre pacientes de rede particular porque os profissionais não veem a doença, há pouca inserção de hanseníase nas escolas de Medicina. “Esses dias recebi uma paciente com diagnóstico de neoplasia e era hanseníase”, comentou Nunes, que é infectologista. A gestora lembrou que o hospital foi construído onde ficava o Leprosário e hoje “é um milagre do SUS”. Um ambulatório de 1.500 pacientes, cuja segunda causa de internação em 2018 foi a hanseníase, e maioria dos pacientes vem do interior e da região metropolitana, de locais onde os programas foram desfeitos.

 

Entre os presentes, estavam gestores e técnico da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Divep), da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). A coordenadora do setor de Coagravos, Maria Aparecida Figueiredo, enfatizou a importância desses estudos porque, entre os problemas investigados, destaca como a falta de renda um fator para que o paciente vá aos serviços buscar medicação e possa manter o tratamento. “Foi um desenho claro e que nos deu uma boa visualização do problema”, comentou.

 

Assista ao evento completo aqui.

 

*Com edição da Ascom/Fiocruz Brasília