Pesquisadores da Fiocruz Brasília participam do Caminho dos Sertões

Nathállia Gameiro 24 de julho de 2019


Nathállia Gameiro

Projeto permite conhecer o cerrado mineiro, refazendo parte do caminho descrito por Guimarães Rosa. A Fiocruz Brasília ainda promoveu uma roda de conversa com os moradores sobre manejo da água

Um caminho com muitas veredas, serras, chapadas, palmeiras, buritis, pássaros e outros animais, em que o verde das plantações e das pequenas árvores típicas do cerrado alternam com a beleza do capim, do chão batido e a imensidão dos rios e lagoas. Esse foi o cenário visto pelos caminhantes selecionados no projeto Caminho do Sertão. Ao longo de sete dias, eles percorreram, a pé, a rota descrita em uma das mais importantes obras literárias brasileiras, o Grande Sertão Veredas, escrita pelo mineiro Guimarães Rosa. De Sagarana, no município de Arinos (MG), ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas, na Chapada Gaúcha (MG), foram cerca de 185 km, nas regiões noroeste e norte do estado.

O projeto teve início em 2014 e desde então seleciona pessoas de diferentes lugares do Brasil para fazer parte da travessia realizada por Riobaldo, personagem principal do livro. A sexta edição, realizada de 6 a 14 de julho deste ano, selecionou 60 pessoas, entre eles os pesquisadores do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília Rafael Petersen e Fátima Cristina Maia.

Para Petersen, vivenciar essa experiência e estar no território foi importante para entender as diferentes formas de vida das comunidades assentadas e tradicionais quilombolas que vivem naquela região, quais são os problemas enfrentados e os desafios. O pesquisador relata que as casas são afastadas, o caminho é arenoso, de difícil locomoção e que a resistência do sertanejo mesmo diante das adversidades climáticas e de acesso foi o mais marcante. “Me trouxe um respeito ainda maior por essas pessoas e o entendimento de que precisamos preservar a agroecologia e os espaços das comunidades tradicionais”, conta.

Durante o dia, a cada passo, os caminhantes tinham contato com a diversidade do cerrado e os elementos da vegetação, plantação de monoculturas, escalada de chapadas, relevo, rios, cursos d’água, flora e fauna do cerrado mineiro, passando por fazendas de gados e grandes veredas, comunidades tradicionais quilombolas, vilarejos, povoados e assentamentos. À noite, descansavam em casas de sertanejos locais, onde conheciam o modo de vida, histórias, saberes e cultura dos moradores, ou em pontos de camping, em que cada um montava sua própria barraca. A solidariedade chamou a atenção do pesquisador. “Eles compartilhavam o pouco que tinham, colhiam feijão da própria plantação e cozinhavam no fogão a lenha para os caminhantes. Eles resistem às dificuldades e vivem de maneira muito solidária, abriram a casa e compartilharam suas coisas, para mim foi surreal”, explicou.

Nas conversas com os anfitriões, os selecionados do projeto ouviam histórias sobre o processo de fabriqueta de farinha de mandioca e rapadura pelas comunidades quilombolas e de luta pela terra, como no caso de dona Geralda, que foi perseguida na época da ditadura e ameaçada de morte porque os vizinhos queriam suas terras.

Para Rafael, a experiência o fez mudar como pesquisador também. “É preciso observar os problemas, construir indicadores que realmente refletem a realidade das comunidades e pensar em como transformar o território em saudável e sustentável. Ouvir as pessoas e ver o que podemos fazer por eles, como realmente desenvolver uma pesquisa que atenda às necessidades e realidades das pessoas fez parte do meu processo de transformação como pesquisador e agora utilizaremos esses elementos no projeto”, afirmou.

A preocupação com as questões ambientais também esteve presente durante a caminhada. O objetivo do projeto é chamar atenção do participante para o meio ambiente, a crise hídrica e o processo de desertificação que ameaçam a região, refletindo sobre as mudanças necessárias para manter os cursos d’água e os cuidados ambientais, temas de conversas durante as paradas. Esta edição trouxe como tema o Diálogo e também comemorou os 30 anos da criação do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, o maior parque do bioma cerrado no Brasil.

Manejo das águas

A região do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, norte de Minas Gerais, é marcada por grandes contradições. A água é um grande problema e não é pela escassez. Ao mesmo tempo em que a região abriga um grande quantidade do recurso, ela não é segura e adequada para uso, por estar contaminada. Há uma grande prevalência de doenças parasitosas e alguns casos de doença de Chagas e grande uso de agrotóxico nas chapadas.

Pela ação humana, nas últimas décadas, o espaço vem sendo atingido por uma crise hídrica, com seca de veredas, assoreamento de cursos d’água e a ameaça de desertificação. Para conscientizar a população local, o PSAT realizou uma roda de conversa com os moradores sobre saúde, saneamento e água, com base na Política Nacional de Saneamento Rural (PNSR), apresentando soluções sustentáveis e marcos legais do saneamento. Integraram a roda o coordenador do PSAT, Jorge Machado, a pesquisadora da Fiocruz Brasília Gislei Knierin, a representante da Universidade Federal de Minas Gerais Bárbarah Silva e a representante da Fiocruz Minas Gerais – Instituto René Rachou (IRR) Josiane Matos. Cerca de 60 moradores e autoridades participaram da atividade.

A roda surgiu de uma imersão em cinco comunidades locais, com escuta da população do território, pelo projeto “Construção de Territórios Saudáveis e Sustentáveis, no Mosaico Grande Sertão Veredas-Pandeiros-Peruaçu, no noroeste de Minas Gerais, por meio da implantação de uma governança em rede que incorpore ações intersetoriais, programáticas e participativas do SUS”, aprovado no edital Ideias Inovadoras da Fiocruz. O coordenador do projeto, Jorge Machado, avalia que a roda de conversa ampliou o horizonte do território de ação da Fiocruz. 

Além da questão da água, a região enfrenta uma condição socioeconômica vulnerável, dificuldade de acesso e de melhorias econômicas e analfabetismo adulto. Não há políticas públicas específicas para os sertanejos, comunidades tradicionais e rurais que ali vivem. Apesar da grande biodiversidade da região, com plantas medicinais e uma série de potencialidades artesanais, de agricultura familiar e agroecologia, há insegurança alimentar na comunidade. Mesmo com problemas, os moradores não desejam sair da região e o motivo é simples: o sossego.  

 

 
Fotos: Rafael Petersen