Pesquisa sobre a hanseníase em Salvador é um dos destaques da revista Memórias

Fiocruz Brasília 15 de junho de 2016


Publicada na edição de junho da revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, uma pesquisa da Universidade Federal da Bahia em colaboração com a Escola Fiocruz de Governo, da Fiocruz-Brasília, chama atenção para o avanço da hanseníase entre crianças e adolescentes menores de 15 anos em Salvador. O estudo destaca que os casos estão concentrados em algumas áreas da cidade e sugere ações para o controle da doença. Outro artigo em destaque alerta para a importância da identificação das espécies de micro-organismos associados à forma recorrente da candidíase vaginal, uma das mais comuns infecções ginecológicas. Uma espécie rara do fungo Candida – chamada Candida duobushaemulonii – foi detectada pela primeira vez em pacientes com esse quadro.

A busca por marcadores que possam ajudar a prever a progressão de doenças está no foco de mais dois trabalhos publicados nessa edição. Analisando mais de uma centena de pacientes, uma pesquisa aponta, de forma inédita, que os níveis da substância inflamatória chamada interferon-? variam entre os indivíduos com quadros de dengue clássica e aqueles com manifestações hemorrágicas. Já um estudo desenvolvido com pacientes com doença de Chagas crônica na Argentina indica que os níveis de anticorpos contra três proteínas do parasito Trypanosoma cruzipodem ser úteis para monitorar o êxito da resposta ao tratamento com o medicamento benzonidazol. 

Incidência da hanseníase entre crianças e adolescentes
De 2007 a 2011, houve 145 notificações de hanseníase entre menores de 15 anos na capital baiana. Considerando a população dessa faixa etária, a incidência anual variou entre 5,41 e 6,88 casos por cem mil jovens – taxa muito alta, segundo a classificação do Ministério da Saúde. No entanto, os registros ocorreram em apenas 44 bairros, o que representa menos de um terço da cidade, indicando uma concentração de casos. Em 26 bairros, a incidência passou de 10 casos por cem mil jovens, o que revela um cenário de hiperendemia. Entrevistas com 76 pacientes e seus pais ou responsáveis mostram que, em metade dos casos, a transmissão esteve relacionada ao convívio com portadores da hanseníase dentro de casa. Já 25% dos jovens tiveram contato com o agravo em outros ambientes, como a vizinhança e a escola.

Para os autores da pesquisa, os dados mostram um cenário preocupante, ainda mais considerando que cerca de 10% dos casos afetaram crianças menores de 4 anos. “A ocorrência da hanseníase em uma proporção tão elevada mostra que, em determinados espaços geográficos de Salvador, as crianças muito jovens são intensamente expostas ao agente [o parasito Mycobacterium leprae]”, diz o artigo. Diante deste cenário, os cientistas recomendam que os profissionais do Programa Saúde da Família realizem a busca ativa de lesões da hanseníase em todas as pessoas durante as visitas domiciliares nas áreas com hiperendemia, mesmo nas residências onde não há histórico da doença.

Espécie rara identificada em casos de candidíase recorrente
A pesquisa que identificou pela primeira vez o fungo C. duobushaemulonii em pacientes com candidíase vaginal recorrente foi realizada entre 2005 e 2011, com pacientes de cinco hospitais paulistas. Das 172 mulheres atendidas com a infecção, 13 foram diagnosticadas com a forma recorrente, que é caracterizada por três ou mais episódios anuais. Os pesquisadores detectaram três casos provocados pela C. duobushaemulonii. No artigo, os cientistas destacam que a correta identificação das cepas só foi possível por meio do sequenciamento genético, pois os métodos tradicionais e comerciais para identificação de fungos não contemplam as espécies emergentes e raras do complexo C. haemulonii, do qual a C. duobushaemulonii faz parte. Nas amostras analisadas, foi observada resistência ao fluconazol, medicamento antifúngico de primeira escolha para tratamento da infecção e oferecido na rede pública de saúde.

Considerando que a candidíase vaginal recorrente é uma doença multifatorial – ligada a aspectos imunológicos das pacientes, além de características dos micro-organismos, entre outros fatores –, os cientistas argumentam que os estudos podem contribuir para melhorar a capacidade de diferenciar a recorrência da infecção, além de ajudar no manejo clínico dos casos. Na pesquisa, as mesmas cepas foram detectadas nas pacientes e também em seus parceiros. A cura clínica e parasitológica foi alcançada após terapia de longa duração com antifúngicos, incluindo o tratamento dos parceiros mesmo que eles não apresentassem sintomas. O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e Universidade de São Paulo (USP). 

Resposta imunológica na dengue associada a hemorragias
Os pacientes que desenvolvem manifestações hemorrágicas após a primeira infecção pelo vírus da dengue apresentam níveis muito mais altos da substância inflamatória interferon-? dos quando comparados a indivíduos que apresentam a forma clássica da doença ou pacientes com manifestações hemorrágicas que tiveram dengue anteriormente. O achado inédito é relatado em um estudo que analisou 104 pacientes atendidos em hospitais do Recife, a maioria com infecção pelo sorotipo 3 do vírus da dengue. Além dos altos níveis da substância, foi observada uma carga viral menor entre os pacientes com formas hemorrágicas na infecção primária em comparação a indivíduos que tiveram essas manifestações após uma infecção secundária.

Com papel central na resposta às infecções causadas por vírus de forma geral, o interferon-? já teve sua importância demonstrada para a imunidade em relação ao sorotipo 3 do vírus da dengue. Ao mesmo tempo, a substância também já foi apontada como capaz de afetar a produção de plaquetas, componentes do sangue essenciais para a coagulação e diretamente relacionados aos quadros hemorrágicos. Assim, para os autores do estudo, os resultados sugerem que a infecção pelo sorotipo 3 do vírus da dengue pode provocar uma forte resposta imunológica em pacientes infectados pelo vírus da dengue pela primeira vez, o que poderia estar associado ao desenvolvimento de quadros mais graves. A pesquisa contou com a colaboração de cientistas da Fiocruz-Pernambuco, Fiocruz-Minas, Universidade de Pernambuco e Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. 

Candidatos para avaliar o tratamento da doença de Chagas crônica
A busca de métodos que permitam avaliar mais rapidamente a eficácia do tratamento em pacientes com doença de Chagas crônica está no foco de um estudo realizado por cientistas de quatro instituições da Argentina. No trabalho, os pesquisadores explicam que o medicamento benzonidazol – que atua contra o parasito Trypanosoma cruzi, causador do agravo – é recomendado desde 1999 para estes casos, porém sua eficácia ainda está sob avaliação. Neste sentido, um dos desafios enfrentados é o fato de que, para comprovar a cura, os pacientes precisam apresentar resultados negativos em dois exames: um que identifica o T. cruzi no sangue e outro que detecta anticorpos em resposta à presença do parasito. No entanto, a chamada soroconversão – mudança no perfil de anticorpos que circulam no sistema sanguíneo do paciente – pode demorar anos, tornando a avaliação da eficácia da terapia extremamente demorada.

No trabalho, foram acompanhados os exames de sangue de 107 pacientes tratados com benzonidazol, ao longo de até três anos. Conforme adotado na rotina de acompanhamento de pacientes, foram realizados testes para verificar a presença do T. cruzi e para mensurar as taxas de anticorpos contra o parasito. Adicionalmente, foi observada a ocorrência de anticorpos contra três proteínas específicas, chamadas de B13, 1F8 e JL7. Estas moléculas têm alta capacidade de estimular a resposta imune e são adotadas em métodos comerciais de diagnóstico da doença. As análises mostraram que, após o tratamento, os níveis de anticorpos contra essas proteínas caíram abaixo da linha de corte mais rapidamente do que os níveis de anticorpos totais contra o parasito. Para os autores, os resultados sugerem que estes são bons candidatos para o desenvolvimento de marcadores precoces para avaliar o sucesso no uso do benzonidazol, encorajando outras pesquisas sobre o tema.