“Para cuidar da saúde de quem vive nas ruas, o melhor lugar é a rua”

Fiocruz Brasília 19 de dezembro de 2016


Antônio Sena foi usuário de drogas por 35 anos, dois deles dormindo em cima de um papelão nas calçadas das ruas de Belém – PA. Com mais de 70 entradas em delegacias por furtos, seu cotidiano era de torturas, fugas, abandono e fome. Sua vida começou a mudar, porém, quando conheceu profissionais da saúde do Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas 3 Marajoara. Participando de atividades de redução de danos, aos poucos, as drogas não cabiam mais na agenda repleta de palestras, horários para recebimento de alimento, oficinas e grupos de apoio. “Antes do CAPs, minha vida não tinha expectativa nenhuma. Quando conheci essas pessoas, de manhã cedinho, lembrava do CAPs, das palestras e pensava: eu tenho jeito, tem pessoas que se importam comigo”, disse. 


Ele contou sua história de vida e emocionou os participantes da Oficina Nacional “Travessias e Tessituras do Redes pelo Brasil”, realizada de 14 a 16 de dezembro, em Brasília – DF.   “No CAPs tinha abraço,eu  podia ir à biblioteca estudar, e aos poucos fui saindo das drogas. ”, conta ele, que incluiu nas atividades o trabalho voluntário como cuidador de idosos, fez vestibular,  hoje cursa o 5º período de psicologia e criou a Associação Andorinha, que já apresentou as atividades do CAPs a mais de 400 usuários de drogas da capital paraense. Segundo ele, é fundamental que o cuidado com a população em situação de rua comece onde as pessoas estão, nas ruas. “Precisamos acreditar que cada pessoa é  única, não uma ameaça à sociedade, mas uma promessa”, afirmou. 


A Oficina  avaliou a atuação da saúde no campo da política de drogas,  com participação de 100 gestores e articuladores do projeto Redes em 35 municípios brasileiros. Melhorias no cuidado e  a integração com as políticas locais foram algumas das atividades relatadas durante a troca de experiências sobre as ações realizadas . 


Durante a mesa de abertura da Oficina, o representante da Secretaria Nacional de Direitos Humanos Francisco das Chagas Santos  alertou que é importante não pensar só na assistência, mas garantir a autonomia das pessoas. “É preciso pensar de maneira intersetorial, para oferecer possibilidades de habitação e trabalho aos usuários”. Concorda com ele o representante da  Vice-Presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde Francisco Neto, da Fiocruz. “O Redes é uma tecnologia social potente, pois percebe a política de drogas como uma política de pessoas”. Segundo ele, a Fiocruz possui desde 2014 um programa para apoiar pesquisas, ensino e desenvolvimento tecnológico sobre o tema de álcool, crack e outras drogas.  


O representante do UNODC Rafael Franzini reafirmou que os direitos humanos devem ser a base e centro das políticas de drogas, com olhar mais da saúde e menos impositivo. Ele alertou também para a necessidade de se avaliar as formas de prevenção e tratamento. 


A interpessoalidade no trabalho com os usuários foi destacada também pelo  responsável pela Secretaria Nacional de Políticas de Drogas. “O projeto Redes fala das pessoas, com exercício permanente na busca de transformação, em especial daquelas pessoas com mais vulnerabilidade social. Drogas sempre existiram e existirão, é importante encontrar as melhores alternativas conforme a singularidade e autonomia de cada sujeito”, afirmou.


A Oficina Nacional Travessias e Tessituras do Redes pelo Brasil é uma iniciativa da Fiocruz Brasília, Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça.  O responsável pela Coordenação de Programas e Projetos da Fiocruz Brasília André Guerreiro, avalia como positiva a parceria da Fiocruz com a Senad no projeto Redes. Segundo ele, haverá expansão do projeto em 2017 e os resultados deste ano mostraram que os articuladores nos municípios estão dominando a tecnologia  para se trabalhar a intersetorialidade e há vários relatos de gente que, como Antônio Sena, mudou de vida. “Com a nomeação dos novos prefeitos, existe a preocupação com a descontinuidade do Redes nos municípios, mas antes, é preciso confiar no trabalho sólido e convencer os novos prefeitos de que esta agenda da política de drogas precisa ser intersetorial.  O Redes mostrou resultados positivos”, afirmou. 


Redes online
Durante a oficina foi lançado um  Ambiente Virtual de Aprendizagem, em parceria com o núcleo EAD da Escola Fiocruz de Governo, que possibilitará discussões temáticas e o compartilhamento de informações e agendas entre os participantes do projeto Redes. A plataforma prevê interações mediadas pelos interloculores do projeto, que,  em janeiro, receberão a formação sobre o ambiente virtual. 


Cerca de  1200 participantes do projeto Redes serão cadastrados na plataforma virtual, organizada em diferentes espaços para informação nacional, por região e por território. Segundo o coordenador do núcleo de EAD da Escola Fiocruz de Governo Samuel Brauer, esses mediadores do Redes vão organizar as informações na plataforma. “Estão previstos também  fóruns temáticos, wikis, repositório de informação e  vídeos sobre o projeto”, afirmou. 


 Clique aqui para assistir o vídeodocumentário produzido pelo Núcleo EAD da Escola Fiocruz de Governo sobre o projeto Redes.