Fala aê: mídia e saúde mental

Nathállia Gameiro 14 de junho de 2022


O Brasil é o quinto país com mais indivíduos deprimidos no mundo e o líder em ansiosos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). O impacto da pandemia do novo coronavírus na saúde mental da população e o isolamento social agravam ainda mais esse cenário. E qual o papel da mídia diante disso? Com o objetivo de compreender como os meios de comunicação podem promover a saúde mental, Sarah Buogo e Vilhena Soares analisaram o Grita Geral, espaço do Correio Braziliense destinado a mensagem dos leitores. O jornal é um dos impressos de maior reconhecimento no país e o principal de Brasília.

Analisando as interações e as respostas do periódico, as jornalistas buscaram identificar como a assistência à saúde mental é abordada na perspectiva dos leitores e como as dúvidas foram respondidas pelos órgãos de saúde do Distrito Federal. Os resultados do estudo foram apresentados no trabalho de conclusão do curso de Especialização em Comunicação em Saúde da Fiocruz Brasília. Saiba mais sobre essa pesquisa na entrevista da semana na nossa coluna “Fala aê, especialista”!

 

Qual a importância da mídia na circulação de informações sobre saúde mental?
Sarah e Vilhena:
É de suma importância. Questões como depressão, ansiedade e outros distúrbios comportamentais são difíceis até de serem diagnosticados. Nem todas as pessoas conseguem identificar os sintomas, e ao ver na mídia informações que ajudem a compreender essas enfermidades, elas têm consciência do que vivem e podem buscar auxílio. Outro ponto importante é informar sobre os serviços de apoio a esses pacientes que são oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

Vocês analisaram as perguntas veiculadas no período de janeiro de 2016 a junho de 2021. O que constataram?
Sarah e Vilhena: O que nos chamou mais a atenção inicialmente foi o número limitado de perguntas relacionadas à saúde mental: apenas sete durante todo esse período de análise. Outro ponto de destaque foi a citação frequente de “psiquiatras” e “psicólogos” nas perguntas, o que acreditamos ser um reflexo de uma visão limitada quanto aos profissionais que auxiliam pacientes com questões de saúde mental, algo que chamamos de “perfil hospitalocêntrico”, e que foi adotado antes da Reforma Psiquiátrica. Além das citações frequentes relacionadas à pandemia de Covid-19, o que reflete os impactos gerados durante esse período, e por fim, a falta de informação dos leitores em relação aos serviços de auxílio oferecidos pelo SUS nessa área, como os Caps.

Qual o perfil dos leitores que enviaram perguntas no período da pesquisa e o que esse dado revela?
Sarah e Vilhena: Observamos que a maioria dos leitores que enviaram suas dúvidas eram mulheres. Apenas uma das colunas analisadas foi enviada por um homem, que se identificou como um líder comunitário. Relacionamos esse achado ao fato de as mulheres estarem historicamente à frente da tarefa do cuidado. Culturalmente foi delegado às mulheres a responsabilidade do cuidado, ou seja, essa tarefa é fruto de construções históricas e sociais, determinadas pela divisão sexual do trabalho.

Como os meios de comunicação podem oportunizar maior conhecimento sobre os serviços de saúde mental oferecidos pelo SUS?
Sarah e Vilhena: Essa foi uma questão que nos acompanhou bastante no processo de reflexão e escrita da pesquisa. Isso porque, muitos leitores buscam auxílio em jornais e a saúde é um dos temas mais abordados. O que nos deu indícios de que a mídia ainda é vista por muitos de seus consumidores como uma ferramenta de ajuda, um intermediário na busca pelo auxílio médico. No período da pandemia, essa relação ficou ainda mais visível. Portanto, pensando no jornal enquanto mídia promotora de saúde, acreditamos que nas próprias respostas às dúvidas dos leitores e leitoras, poderiam ter informações sobre os serviços de saúde mental oferecidos pelo SUS. Também em outros espaços do jornal, com matérias e reportagens sobre o tema, sempre com um olhar e foco no atendimento aos usuários.

Qual mudança vocês notaram nas perguntas recebidas pelo jornal no período da pandemia?
Sarah e Vilhena: Primeiro percebemos uma incidência maior de colunas no período da pandemia do que nos outros anos analisados. Uma delas, bem marcante, a leitora mostrava preocupação com o bem-estar dos profissionais de saúde ao enfrentar a pandemia. Uma mudança bem significativa, já que nas outras colunas o foco das exposições estava em buscas por informações para quem estava enviando o comentário ou para algum parente próximo.

Com base no estudo realizado, que elementos podem contribuir para um melhor acolhimento e auxílio ao público em relação à saúde mental?
Sarah e Vilhena:
Podemos destacar que muitas informações que podem ser consideradas básicas em relação à assistência em saúde mental, não são totalmente compreendidas pela população em geral e também por quem responde às dúvidas expostas. A falta de informação impacta na divulgação e no próprio acolhimento do público em relação à saúde mental. Por exemplo, percebemos que as informações oferecidas aos leitores, na maioria das vezes, não forneceram dados importantes relacionados à assistência à saúde mental, essenciais para o acesso da população. A partir da reflexão sobre como a assistência à Saúde Mental é percebida pelos leitores da coluna Grita Geral do jornal Correio Braziliense e a forma como elas foram respondidas pelos órgãos de Saúde do DF, entendemos que as cartas são espaços de voz dos leitores, de participação social, de diálogo e possuem um grande potencial de promoção da saúde. Também identificamos a possibilidade de ferramentas e conteúdo que ajudem pacientes a encontrarem apoio e tratamentos com mais facilidade em períodos de estresse intenso, como a pandemia de Covid-19.

 

Sarah Buogo e Vilhena Soares Alves são autoras da pesquisa “Grita Geral: assistência à saúde mental nas cartas de leitores do jornal Correio Braziliense”, apresentada como trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Comunicação em Saúde da Fiocruz Brasília, com orientação da professora Maria Fernanda Marques Fernandes.

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