Fala aê, especialista: mulheres do turismo rural

Fernanda Marques 17 de junho de 2022


Compreender como a pandemia de Covid-19 afetou as mulheres rurais brasileiras que trabalham com atividades não-agrícolas, em especial as que atuam no turismo rural, foi o objetivo de um estudo realizado pela jornalista Aline Kravutschke, comunicadora da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil. Egressa do Curso de Especialização em Comunicação em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Aline conversou com algumas dessas mulheres – aplicando o método de grupo focal – para conhecer as principais dificuldades que elas vivenciaram no período, assim como as estratégias que empregaram para enfrentar os problemas. O principal interesse de Aline era compreender os efeitos da pandemia de Covid-19 na rede de comunicação sobre saúde dessas mulheres rurais. Diferentemente do que se poderia imaginar, as participantes da pesquisa não tiveram dificuldade de acesso às informações. Ao contrário: as informações da televisão e das redes sociais digitais eram tantas que esse excesso chegou até a provocar um certo grau de ansiedade! Contudo, selecionar os conteúdos confiáveis foi um desafio para elas, que encontraram apoio em suas próprias vivências, bem como nas organizações comunitárias e também em órgãos públicos locais. E uma das conclusões do estudo vai justamente nessa direção: a do fortalecimento das estratégias de comunicação no local, em cada território, por mais que se amplie o acesso à internet. Para saber mais sobre o trabalho, confira o bate-papo com a egressa da Especialização em mais uma entrevista da nossa série “Fala aê”.  

 

Por que escolheu estudar esse tema?

Aline Kravutschke: Escolhi falar das mulheres rurais porque elas foram desproporcionalmente afetadas pela pandemia. A maioria das mulheres do campo trabalha com atividades não-agrícolas, como serviços de turismo, alimentação e artesanatos, e essas atividades praticamente pararam durante o período de distanciamento. Estimativas da Cepal e da FAO mostram que 6 milhões de mulheres na América Latina e no Caribe poderiam chegar à linha da pobreza, sem dinheiro suficiente para comprar nem ao menos uma cesta básica. Além disso, para as mulheres, também é muito mais difícil acessar serviços de comunicação e saúde. Então, eu quis conversar diretamente com elas para entender a realidade de cada uma, qual o impacto da Covid-19 e como se informaram sobre a pandemia. A pesquisa pode apoiar gestores e pessoas da área de comunicação no entendimento das melhores maneiras de conversar com essas mulheres. Espero que seja útil para melhorar a vida delas de alguma forma.

 

Como você resumiria as principais dificuldades e oportunidades das mulheres que trabalham com turismo rural durante a pandemia?

Aline Kravutschke: Com as medidas de isolamento, muitas mulheres viram seus sustentos comprometidos, então essa foi uma das maiores dificuldades. No âmbito da comunicação, algumas também relataram dificuldade de saber no que confiar em relação à pandemia, pois havia informações em excesso, e muitas vezes contraditórias. Elas comentaram o quanto foi difícil lidar com o excesso de fake news. Em relação às oportunidades, algo muito positivo foi que elas encontraram apoio em suas comunidades. Uma das participantes da pesquisa, inclusive, mencionou que, quando teve Covid-19, os vizinhos se mobilizaram para levar alimentos para ela e o marido. O fortalecimento dessa rede de apoio entre pessoas que vivem fora das cidades foi um ponto importante, até mesmo para a troca de informações, o que ajudou na prevenção. Mesmo que fosse um conhecimento com base na própria experiência, foi importante para que as mulheres se sentissem mais seguras.

 

De que formas as mulheres que trabalham com turismo rural tiveram acesso às informações sobre a pandemia de Covid-19?

Aline Kravutschke: A televisão foi o meio de comunicação mais citado pelas mulheres, o que mostra que a TV ainda tem uma força muito grande nas áreas rurais. Outras ferramentas foram o WhatsApp e as redes sociais, e isso é um reflexo importante de como a pandemia acelerou a digitalização no campo, apesar de expor essas mulheres à “infodemia” (excesso de informações). No início, eu acreditava que, por conta das restrições de mobilidade, as mulheres do turismo rural teriam impactos mais severos de acesso à informação, mas fui surpreendida positivamente ao ver que minha hipótese foi refutada, já que elas praticamente não tiveram dificuldade de acessar informações. Muito pelo contrário, a dificuldade foi saber o que era confiável no meio de tanta informação que chegava. Também vale destacar que muitas delas mencionaram como fonte de informação organizações comunitárias e secretarias de saúde, o que mostra que a territorialidade é um fator chave, principalmente porque, a partir dessa comunicação com os órgãos públicos, elas puderam tomar decisões mais assertivas sobre seus próprios negócios.

 

Como elas avaliavam se as informações recebidas eram confiáveis?

Aline Kravutschke: Elas começaram a selecionar as fontes por onde iam se informar para evitar a enxurrada de conteúdo, que inclusive começou a gerar ansiedade. Uma das estratégias foi restringir o acesso a grupos de WhatsApp. Uma das participantes mencionou que começou a acreditar só no que vinha da ciência e de relatos de outros países onde se realizavam estudos a respeito da Covid-19. Outro ponto interessante é que elas começaram a confiar nas informações a partir da própria vivência local. Nesse processo de conviver com o coronavírus, começou a ficar mais fácil para elas entender o que era verdade e o que não era. E não dá para deixar de mencionar a confiabilidade que as mulheres rurais têm nas redes institucionais, pois órgãos públicos, organizações comunitárias e outras instituições são vistos como seguros, uma vez que estão próximos da realidade delas, e entendem as dificuldades locais. As informações sobre prevenção e decretos locais, divulgados por esses órgãos, ajudaram as mulheres a se manterem seguras.

 

Com base na sua pesquisa, que estratégias de comunicação em saúde podem contribuir para o trabalho e a qualidade de vida dessas mulheres?

Aline Kravutschke: Quando se trata de comunidades rurais e, nesse caso em específico, de mulheres rurais, ainda é preciso desenvolver estratégias locais mais voltadas ao território. Por mais que elas tenham acesso à televisão e internet, se o objetivo é comunicar com eficiência e efetividade, não podemos esquecer que trabalhar no local é a maneira mais eficaz de garantir que a mensagem seja entregue da maneira correta, e que ela vai gerar impacto. A internet entrega muita informação, e isso acaba colocando em dúvida a sua qualidade e confiabilidade. Na hora de desenvolver estratégias, acredito que o campo da comunicação comunitária pode enriquecer bastante as iniciativas, mas isso vai exigir mais tempo e vontade daqueles que desenvolvem as estratégias de comunicação. 

 

Aline Kravutschke é autora do trabalho de conclusão de curso “Efeitos da pandemia de Covid-19 na comunicação em saúde das mulheres do turismo rural”, defendida em 26 de novembro de 2021, com orientação da professora Aedê Cadaxa.

 

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