Necessidade de escuta e construção coletiva pautam painel sobre cuidado de crianças com transtorno de neurodesenvolvimento

Fiocruz Brasília 12 de março de 2018


Construir fluxos do cuidado passa por compreender o modelo social e cultural de cada situação de saúde e principalmente, ouvir as pessoas que estão sendo cuidadas nos serviços. O exercício de uma escuta ativa da população que será atendida transforma as equipes de saúde e estabelece vínculos que serão a base deste cuidado. Senão, os fluxos são construídos com base em algo que não representa a realidade – e não vão de fato, cuidar das pessoas de maneira adequada.  Estas frases sintetizam a reflexão trazida pela neuropediatra Denise Bomfim, do Hospital de Apoio do DF, na última sexta-feira, 09 de março, durante o painel Apoio ao Cuidado Integral de Criança com Transtorno de Neurodesenvolvimento e Suas Famílias, na Fiocruz Brasília.  Além de Denise, outros quatro profissionais apresentaram suas experiências sobre o tema  na gestão, assistência e mobilização social. 

Do Ministério da Saúde, Mônica Guimarães apresentou como a Secretaria de Atenção à Saúde e a Secretaria de Vigilância em Saúde tem atuado juntas no cuidado das crianças com algum transtorno de neurodesenvolvimento, com monitoramento contínuo destas famílias. Ela alertou que a gestão sozinha não resolve tudo, ressaltando a importância de espaços como este painel promovido pela Fiocruz, que agrega diferentes setores da sociedade civil e pesquisadores. 

Nesse sentido de construção coletiva de novas formas de se pensar a atenção à saúde, a fisioterapeuta Mírian Calheiros, do Instituto Nacional de Saúde de Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), apresentou a abordagem integrada e interdisciplinar do trabalho no instituto. A partir de um movimento de mães do Rio de Janeiro que acionaram o Ministério Público Estadual em busca de um serviço adequado às necessidades de seus bebês, o IFF foi convocado a atuar e atualmente, até a Câmara Legislativa estuda uma legislação específica para garantir este cuidado adequado. No Instituto, um grupo de trabalho sistematizou o marco legal e conceitual sobre o reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, propondo então subsídios para a ação intersetorial a partir do tripé saúde/educação/direitos. Tudo para garantir acesso em tempo oportuno aos cuidados adequados. O trabalho é realizado em etapas, a partir da integração e melhoria dos fluxos entre atenção básica e especializada, passando pela formação e qualificação dos profissionais para o atendimento pediátrico e garantindo subsídios para organização da rede de atenção intersetorial. Algumas iniciativas como os encontros temáticos com as famílias e a capacitação específica dos profissionais de fisioterapia já são uma realidade. Outras como o curso de Atenção à Criança, na modalidade à distância, em parceria com a Universidade Aberta do SUS, estão no norte do trabalho. 

A responsável pela Associação Abraço à Microcefalia , Maria Joana Damásio, apresentou o trabalho de apoio a 250 famílias em Salvador e região, desenvolvido há três anos. Ela é mãe de Gabriela,  uma bebê que nasceu com microcefalia,  e em sua fala apresentou as barreiras de acesso aos serviços da rede de saúde, onde falta de tudo: exames em tempo hábil, medicamentos, acesso garantido a leitos hospitalares em casos de internação, apoio psicológico, integração dos serviços, bem como a dificuldade de acesso a cadeira de rodas, órteses, e outros equipamentos necessários, além da capacitação profissional. Já sob o ponto de vista de inclusão social das famílias,  lembrou que as crianças nascidas com a microcefalia, a partir do fim de 2015, completam dois anos de idade agora e muitas já estão em  escolas – geralmente sem ambiente adaptado para o cuidado com o transtorno de neurodesenvolvimento. As creches nem sempre contam com auxiliares de desenvolvimento infantil capacitados e por vezes, obrigam as mães a ficarem o dia todo na escola. Há ainda barreiras de acessibilidade nos espaços públicos como praças e parques, bem como as dificuldades em garantir o transporte gratuito. 

Deficiência na pauta 

O médico da Escola Superior de Ciências da Saúde Karlo Josefo Quadros lembrou que os problemas de saúde decorrentes do zika vírus trouxeram para a ordem do dia o tema da deficiência. Ele apresentou o Crisdown, centro de tratamento especializado para os portadores da Síndrome de Down no DF, que atende de forma interdisciplinar mais de 2300 pessoas e conta com 26 profissionais de saúde. Ali, são desenvolvidos projetos terapêuticos diferenciados conforme o risco de cada pessoa. Desafios como promover a inclusão a partir dos serviços públicos de saúde, a efetividade do cuidado em saúde, bem como a construção de uma rede de serviços que envolva o compartilhamento de experiências nas áreas de assistência, ensino, gestão e pesquisa também foram elencados pelo profissional. 

A diretora da Escola Fiocruz de Governo Luciana Sepúlveda fez a abertura do painel e lembrou que esta é uma das ações da pesquisa da Fiocruz, com foco sobre apoio ao cuidado integral às crianças de 0 a 12 anos com transtornos de neurodesenvolvimento, suas famílias e cuidadores. Nesta investigação, os pesquisadores vão buscar experiências e opiniões de especialistas para construção de um recurso educacional voltado aos profissionais que cuidam destas crianças e suas famílias. 
A pesquisa é realizada pela Fiocruz Brasília e tem apoio do Fundo Newton em parceria com a London School of Hygiene and Tropical Medicine, Hospital da Criança de Brasília e Escola de Superior da Ciências da Saúde. A próxima agenda de pesquisa aberta ao público será no próximo dia 19 de março, o Seminário Internacional “Auxiliando profissionais da saúde a prover o cuidado integral de criança com transtorno de neurodesenvolvimento”. Clique aqui e saiba mais.