Pesquisadores das unidades da Fiocruz de Brasília e Pernambuco colaboram com projeto internacional que busca estratégias para fortalecer os sistemas de saúde do Brasil e Zâmbia diante dos efeitos das mudanças climáticas
Os eventos climáticos extremos já fazem parte da realidade das pessoas e estão aumentando em todo o mundo, afetando diversas áreas, entre elas, a saúde. É o caso do Brasil, em que as ondas de calor, chuvas intensas, inundações, seca extrema e incêndio afetam os cuidados com a saúde de crianças e gestantes e aumentam a desnutrição, desidratação e a propagação de doenças e infecções. A população de Zâmbia não fica de fora e também sofre com as consequências da mudança climática.
Com o objetivo de entender como as inundações e ondas de calor afetam os serviços de saúde materno-infantil nos dois países, pesquisadores de instituições da Zâmbia, Brasil, Reino Unido, Suécia, Áustria, Unganda e Kuwait se reuniram no projeto Reach – Building resilience to floods and heat in the maternal and child health system in Brazil and Zambia. A pesquisa, com duração de quatro anos, é financiada pela Economic and Social Research Council (ESRC) (agência britânica de fomento à pesquisa) e conta com a coordenação conjunta do Reino Unido, Zâmbia e Brasil.
“Sabemos que esses eventos causam um grande impacto e que os sistemas de saúde desempenham um papel fundamental na proteção da saúde da população em tempos de mudanças climáticas. Por isso, o foco da investigação é avaliar os efeitos nos sistemas de saúde, como eles podem estar preparados para responder durante esses períodos e na construção de resiliência aos riscos climáticos”, explica Josephine Borghi, coordenadora da pesquisa no país britânico e pesquisadora da London School of Hygiene and Tropical Medicine.
O projeto piloto será em Pernambuco, na capital Recife e no município de Palmares, com análise aprofundada dos dados locais, ampliando também para os dados gerais dos dois países, com a proposição de estratégias específicas de adaptação e melhoria de resiliência dos sistemas de saúde para enfrentar essas questões e desafios relacionados com as mudanças climáticas. Assim, beneficiará não só gestantes, mulheres em fase reprodutiva e crianças até 5 anos de idade, mas também profissionais de saúde, formuladores de políticas distritais e municipais, e por fim, toda a população, já que os resultados da pesquisa informarão futuros exercícios de análise e mapeamento de risco de vulnerabilidade e planos de redução de risco de desastres e todos os perigos para a Zâmbia e o Brasil.
“Estamos trabalhando com três realidades muito distintas. Os três países serão beneficiados com essa troca de experiências”, disse o coordenador da pesquisa no Brasil e professor da Universidade de Brasília (UnB), Everton Silva. Ele destaca que o diferencial da pesquisa é o envolvimento em todas as etapas e a escuta da comunidade e objetivo de mensurar como os eventos extremos afetam a entrega e disponibilidade de serviços de saúde. “A qualidade tende a diminuir ou não? E quais as consequências que isso vai ter depois para a saúde das pessoas?”, questiona.
Everton relata que a equipe tem utilizado um grande conjunto de evidências globais e locais, de revisão de literatura do mundo, e dados do Brasil e da Zâmbia para trazer questões contextuais e a realidade dos países. “Vamos trazer, para os tomadores de decisão, evidências de dois contextos que são pouco documentados na literatura, que são países de baixa e média renda, desenvolver habilidades e avanço em termos acadêmicos, capacitação interna da equipe e a internacionalização dos nossos programas de pós-graduação”, completa.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) integra a equipe do projeto, com os pesquisadores Jorge Barreto, do Colaboratório de Ciência, Tecnologia, Inovação e Sociedade da Fiocruz Brasília, e Garibaldi Gurgel, Idê Gurgel e Aline Gurgel, da Fiocruz Pernambuco. Na atual etapa, a Fiocruz Brasília está responsável pelo desenvolvimento de estudos específicos para apoiar a modelagem dos efeitos das mudanças climáticas sobre os serviços de saúde, com foco no atendimento a mulheres e crianças.
O pesquisador e o vice-diretor executivo da Escola de Governo Fiocruz-Brasília, Jorge Barreto, destaca que a unidade tem desenvolvido muitos projetos em colaboração com instituições de outras partes do mundo, mas esse projeto é especialmente valioso, porque inclui uma colaboração Sul-Sul, uma vez que a colaboração inclui a Universidade de Zâmbia, além da London School of Hygiene and Tropical Medicine e outras universidades do Norte Global. “Esse é um aspecto importante, porque a centralidade deste projeto está sobre o Brasil e Zâmbia, que é onde a pesquisa realmente será realizada. Acreditamos que esse tipo de colaboração impulsiona nossa unidade no contexto internacional e constitui uma grande oportunidade de intercâmbio de conhecimento e experiência”, ressalta Barreto, ao afirmar que a pesquisa será um subsídio de evidências para enfrentarmos os desafios atuais e futuros do Sistema Único de Saúde (SUS).
Já a Fiocruz Pernambuco coordena o trabalho de campo do Brasil. “Nossa missão é fazer o piloto em Pernambuco e depois tentar ver se a gente escala isso para o país inteiro”, relata Garibaldi. Para ele, a atuação da Fiocruz no projeto é importante por ser uma instituição com massa crítica, que tem a capacidade de mobilizar todas as suas unidades e servidores que trabalham com o tema, pesquisadores de ponta. Além disso, a Fundação é parte do SUS, então pode dar respostas ao sistema imediatamente porque integra a estrutura. “Diferente de uma universidade que está distante. Essa é a importância maior de ter a Fiocruz articulada com essa cooperação, porque a capacidade de resposta é sinérgica e aumentada”, esclarece Gurgel.
No Brasil, além da Fiocruz e da UnB, colaboram pesquisadores das Universidades Federais do Rio de Janeiro, da Grande Dourados e do Rio Grande do Sul. São economistas, demógrafos, epidemiologistas, médicos, economistas da saúde, meteorologistas e outros profissionais da saúde.
Visita ao Brasil
A Fiocruz Brasília sediou a primeira reunião presencial da equipe, entre os dias 22 e 26 de abril, com a presença de pesquisadores de instituições nacionais e internacionais que estão envolvidos em todos os componentes do projeto. De acordo com Everton, o encontro foi relevante ao permitir que todos pudessem se conhecer pessoalmente e facilitou a discussão dos temas da pesquisa. Como as reuniões remotas iniciaram em outubro de 2023, os pesquisadores chegaram ao encontro presencial com uma bagagem e estoque de cerca de seis meses de debates anteriores, viabilizando ajustes finos nas metodologias e discussões mais aprofundadas.
Durante a estadia em Brasília, os pesquisadores visitaram o Programa Nacional de Vigilância em Saúde dos Riscos Associados aos Desastres (Vigidesastres), do Ministério da Saúde, e a unidade básica de saúde da Estrutural, região administrativa localizada a cerca de 20 km do centro da capital federal. “O Brasil acaba despertando interesse dos países pela atuação da atenção primária. Os participantes do Reino Unido e da Zâmbia queriam conhecer o funcionamento da nossa atenção primária em saúde, como atuam as equipes de saúde da família e de saúde da mulher e da criança, além da vacinação”, explica o professor da UnB. Ele conta que a lista de vacinas disponíveis para toda a população e em todas as fases da vida, desde o nascimento até a idade adulta e a terceira idade, surpreendeu os pesquisadores internacionais.
O projeto Reach foi apresentado para gestores, técnicos e formuladores de políticas públicas dos Ministérios da Saúde de Zâmbia e do Brasil – das Secretarias de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (SECTICS), de Atenção Primária à Saúde (SAPS) e de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), que deram contribuições de ajuste de métodos e objetivos “para trazer evidências que sejam relevantes e que possam ser utilizados pelos tomadores de decisão”, afirma Everton. “A gente teve validações de que o projeto é relevante e os métodos utilizados são robustos. É um marco porque já inicia com a escuta dos atores chave, que serão os consumidores das evidências e as utilizarão na prática”, define.
Para a coordenadora da pesquisa na Zâmbia, Chitalu Chama-Chiliba, a reunião garantiu um entendimento comum dos detalhes técnicos do projeto, incluindo expectativas, entregas e cronogramas. “Estamos muito satisfeitos que o projeto começou com um bom momento, e prevemos grande sucesso nos próximos anos!”, declara.
Confira os álbuns que reúnem as fotos do encontro:
Reunião com pesquisadores do Brasil, Reino Unido e Zâmbia
Apresentação do projeto para gestores e técnicos dos Ministérios da Saúde de Zâmbia e do Brasil