Maio: mês da Luta Antimanicomial

Nathállia Gameiro 25 de abril de 2019


Fiocruz Brasília integra ato e participa de abraço simbólico, que alerta para o retrocesso às conquistas da reforma psiquiátrica dos últimos 30 anos


Nayane Taniguchi e Nathállia Gameiro

 

Um abraço simbólico na Luta Antimanicomial, realizado por profissionais e estudantes da saúde, usuários e familiares em todo o país, faz um alerta para o retorno de políticas públicas centradas em exclusão e em estruturas e práticas manicomiais, que representam um retrocesso às conquistas da reforma psiquiátrica dos últimos 30 anos.

 

Para apoiar o ato, gestores, trabalhadores e estudantes da Escola Fiocruz de Governo da Fiocruz Brasília (EFG) uniram-se em um abraço, no dia 29 de março, após a Aula Magna que marcou o início do ano letivo na instituição. O abraço foi realizado simultaneamente em vários estados brasileiros, por iniciativa dos movimentos de Luta Antimanicomial do Brasil.

 

Entre as ações que representam este retrocesso, está a publicação da Nota Técnica Nº 11/2019 do Ministério da Saúde, no dia 4 de fevereiro deste ano, pela Coordenação-Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, que altera medidas direcionadas à saúde mental e às drogas. Na avaliação da pesquisadora Fernanda Severo, do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília, a nota retrocede em avanços conquistados na reforma psiquiátrica, como a inclusão do Hospital Psiquiátrico nas Redes de Atenção Psicossocial (RAPS), a internação compulsória, a internação de crianças e adolescentes junto aos adultos e a retomada da eletroconvulsoterapia (eletrochoque).

 

O alerta por meio do ato busca combater as práticas de hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas que usam métodos considerados violadores de direitos dos usuários por profissionais de saúde e organizações da luta antimanicomial, além de expor as mudanças em relação à promoção das políticas de saúde mental. As instituições, entre elas, a Fiocruz Brasília, por meio do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, visam ainda promover o debate sobre a garantia e efetivação dos direitos e da cidadania das pessoas em sofrimento mental e em uso abusivo de substâncias.

 

Retrocesso
O retorno das políticas centradas em exclusão e em estruturas e práticas manicomiais representa uma ruptura das políticas públicas brasileiras quanto ao direito à saúde mental, à convivência, cidadania e à dignidade da pessoa humana. Entre as medidas, está a Resolução CIT Nº 32/2017, que reestabelece o apoio e financiamento público a hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e ambulatórios de saúde mental, e serviços que se restringem a um modelo de atenção à saúde organicista e centrado em tratamento medicamentoso, considerados de pouca ou nenhuma eficácia, pelas organizações da luta antimanicomial. Segundo as entidades, os hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas promovem isolamento e exclusão das pessoas com sofrimento psíquico, com sistemáticas situações de violência, maus tratos e violações de direitos humanos.

 

Outra medida é a Resolução Conad Nº 1/2018, que estabelece a política nacional de drogas centrada em promoção de abstinência a partir de recursos para internação hospitalar e acolhimento em comunidades terapêuticas, sem comprovação de resultados para saúde mental das pessoas e que apenas se restringem à exclusão das cidades e territórios; suprimindo, ainda, as estratégias de Redução de Danos.

 

O coordenador e pesquisador do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas da Fiocruz Brasília, André Guerrero, explica que essas mudanças implicam na desestruturação das Redes de Atenção Psicossocial (RAPS), da estratégia de saúde da família e proteção social e de todos os dispositivos que potencialmente promovem a transformação de vida – Centros de Atenção Psicossocial, Serviços Residenciais Terapêuticos, Unidades de Acolhimento, Consultório de Rua, Unidades Básicas de Saúde e de assistência social. Na avaliação dos movimentos da Luta Antimanicomial do Brasil sintetizadas nas notas da Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme, a Rede de Atenção Psicossocial colocada atualmente não é a que foi projetada nos últimos 30 anos pelo movimento e pelos trabalhadores da reforma psiquiátrica.

 

Morar em Liberdade: 15 anos do Programa de Volta para Casa (PVC)
Até o dia 31 de maio, mês da Luta Antimanicomial, a Fiocruz Brasília abriga a instalação de fotografias e vídeos Morar em Liberdade: 15 anos do Programa de Volta para Casa, que registra a vida de usuários egressos de um dos hospitais psiquiátricos de Barbacena (MG), em 2007, e as mudanças após a liberdade, em 2018.

 

Um dos cenários da exposição é o hospital psiquiátrico Colônia (Barbacena-MG), que retrata os antigos métodos terapêuticos aplicados à época, o impacto das primeiras iniciativas da reforma antimanicomial, e os resultados da implementação do Programa De Volta para Casa (PVC). A instalação é concebida como um jogo de espelhos com imagens de 2007 e 2018 e convida o visitante a refletir sobre a política de saúde mental contemporânea.

 

Para Guerrero, o Programa de Volta para Casa tem se mostrado um instrumento potente no processo de ressocialização de pessoas que durante muitos anos perderam a sua identidade. “O rastro que a exposição vem deixando é de muita reflexão enquanto uma estratégia de política pública”, ressalta.

 

A instalação que a Escola Fiocruz de Governo (EFG) abriga é a 7ª edição da mostra, de iniciativa do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília em parceria com a TV Pinel. Ela apresenta novos olhares sobre a história cotidiana dos usuários da saúde mental, as pessoas, casas e ruas de Barbacena. Fernanda Severo, também coordenadora de Pesquisa Histórica e Comunicação Pública e uma das curadoras do projeto, conta que a ideia inicial era reencontrar as mesmas pessoas de 2007 e refazer suas fotografias. “Entretanto, o encontro de 2018 produziu muito mais do que imagens pontuais, porque os testemunhos desses sobreviventes anônimos registrado em vídeo revela a expressão da autonomia da vida em liberdade e o desejo de visibilidade que lhes foi negado por muito tempo”, conta. A exposição está aberta para visitação do público, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h.