Live abordou atuação da atenção primária à saúde na pandemia e a aproximação com o território

Nathállia Gameiro 14 de agosto de 2020


Nathállia Gameiro

 

A equipe de Atenção Primária à Saúde (APS) precisa conhecer o território para repensar as ações de saúde e serviços a serem oferecidos. Essa reflexão foi feita durante o webinário “O território na organização dos serviços e dos processos de trabalho nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Distrito Federal (DF)”, realizado na última quinta-feira (13/8). O evento contou com a participação de gestores da APS do DF, além de residentes da Fiocruz Brasília e da Secretaria de Saúde do DF.

 

Para a gerente de Serviços de Atenção Primária à Saúde 1 do Paranoá, Marília Gabriela Franco, além de conhecer, é preciso ainda entender o território e as questões culturais e sociais, os elementos históricos, como o local foi formado e como a população se desenvolveu. “Toda essa bagagem reflete na condição social, econômica, cultural e de saúde da população”, explicou.

 

A doutora em Saúde Pública e pesquisadora em Saúde Pública da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Gracia Gondim, definiu o território como uma construção social com várias dimensões: política, sanitária, ambiental, epidemiológica e econômica, que pode contribuir para o planejamento estratégico participativo. Para ela, o território e as regiões de saúde são indissociáveis da vida e do SUS e condições para que a vida aconteça. Por isso, compreender o local como a totalidade, não só como fragmentos de recortes geométricos, pode ajudar a estruturação das redes, melhor estruturação, gestão e processos de trabalho.

 

“As políticas públicas saudáveis precisam ser intersetoriais, entendendo que é direito de todos a oferta de serviços e cuidado. A APS precisa entender as necessidades e problemas de saúde do cotidiano da vida e no trabalho, compreender a dinâmica do território para incorporar tecnologias sociais e pensar em diferentes formas de cuidar utilizando tecnologias como redes territoriais de apoio e acolhimento, ações específicas para vulneráveis e graves em hospitais e UTIs e ações de proteção e vigilância em saúde para reduzir danos”, afirmou.

 

Para Gracia, é preciso considerar que a população é parte do território e tem importância na definição de políticas e no controle social de serviços e atenção. Por isso a necessidade de dar voz ao território, fortalecer a participação social e estabelecer uma nova comunicação entre os serviços de saúde e a população, articulando o saber popular e saber científico. Ela lembra ainda da heterogeneidade de cada região e as desigualdades sociais que refletem em indicadores como renda, escolaridade, moradia e trabalho, e implicam em diferentes padrões epidemiológicos e de necessidades sociais de intervenções de saúde.

 

Gondim afirma ainda que é imprescindível articular o processo de trabalho da APS com a vigilância em saúde porque o Brasil tem epidemias e surtos de várias arboviroses que estão presentes no território e precisam ser observadas. De acordo com a pesquisadora, são questões centrais rever o SUS para reorganizar as bases e estruturas e enfrentar as dificuldades da pandemia e do pós-pandemia. “É preciso aprofundar o conhecimento sobre a base territorial do SUS e a contribuição do território para organização das redes de atenção à saúde, do processo de trabalho, da gestão e oferta de serviços e de atenção à população. Precisamos fortalecer o SUS porque ele é fundamental nessa pandemia, e mais fundamental ainda no período pós pandemia porque é uma estratégia democratizante e humanizada”, definiu.

 

A pandemia e as realidades locais

Para Gracia a pandemia amplificou e tornou visível desigualdades sociais e iniquidades em saúde, horizontalizou o contágio do vírus e verticalizou as consequências, penalizando os vulneráveis. Já a mediadora de aprendizagem do curso, Gislei Knierim acredita que o momento de situação de emergência da pandemia trouxe um grande desafio para os gestores do DF: trabalhar a atenção primária à saúde.

 

A fonoaudióloga e gerente de Serviços de Atenção Primária à Saúde 1 do Paranoá, Marília Gabriela Franco, destacou que conhecer todos os aspectos do território permite criar um vínculo com os moradores. Ela contou a realidade local e as ações que vêm sendo desenvolvidas na região.  A população do Paranoá tem uma alta densidade populacional, é vulnerável e com grande carência em pontos expressivos: baixa renda familiar, alto índice de violência doméstica, alto índice de infecções sexualmente transmissíveis e grande demanda de saúde mental. Toda essa realidade associada à pandemia e ao isolamento evidenciou ainda mais a vulnerabilidade. A unidade básica recebe pacientes de outras regiões de saúde e tem um grande desafio: harmonizar o serviço com as 10 equipes de saúde em um pequeno espaço. Marília destacou que os residentes são peças fundamentais para o trabalho e crescimento da unidade.

 

A gerente de Serviços de Atenção Primária à Saúde 1 de Planaltina (DF), Márcia Xavier, também contou sua experiência de trabalho em territórios rurais e as mudanças dos últimos 28 anos. Segundo ela, o DF não tinha a vivência de território como propriedade da equipe de saúde como um todo, as microáreas pertenciam aos agentes comunitários de saúde (ACS). O que gerou muitos desafios no cenário atual. “São poucos agentes comunitários nas equipes, isso não nos permitiu realizar o trabalho da forma como tínhamos aprendido. Até aquele momento, para nós profissionais da saúde, quem deveria conhecer o território e os moradores, como vivem, como adoecem, como festejam a vida e como se cuidam, na prática, era um papel basicamente dos ACS”, completou.

 

A pandemia deixou evidente a necessidade de mudanças, de acordo com a gestora. Ela afirma que a chegada da Covid-19 mostrou que toda a equipe precisa conhecer e entender o território para buscar soluções, ações e serviços capazes de dar respostas às necessidades da população e sair da visão assistencial de saúde.

 

Márcia destacou a diversidade e os contextos diferentes de uma mesma região. A população da área rural de Planaltina tem enfrentado dificuldades de transporte para atendimentos de saúde, acesso à água, alimentação e adesão ao isolamento. “A troca é muito importante, ouvir o território também. E para eles, a visita e o estar junto é essencial, ajuda a aproximar mais das pessoas, entender onde estão as dúvidas e eles nos fortalecem no papel que temos a desempenhar. Não é possível fazer estratégia da família sem o vínculo e construção com o território”, ressaltou. Para Márcia, a descentralização do atendimento tem efeito maior na vida das pessoas, gera mais confiança na equipe e uma oportunidade de avaliar o trabalho que tem sido feito.

 

Os atendimentos estão sendo feitos por visita, seguindo as orientações de higiene e cuidados das instituições de saúde, ligações e por mensagem em grupos do whatsapp, que auxiliam o morador da região com recomendações para contenção do novo coronavírus e combate às fake news. Além disso, a equipe utiliza faixas, carros de som e cartazes nos locais mais frequentados pela população para transmitir informações sobre a doença. Os pacientes com comorbidades e os idosos estão sendo monitorados de perto, mesmo sem sintomas de covid-19, para que não interrompam os tratamentos que realizavam antes da pandemia. Ações para os trabalhadores da saúde também foram realizadas, como curso de autocuidado, proteção e higienização, além de cuidados com a saúde mental.

 

Olhar direcionado ao território

A abertura do evento contou com a participação da diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, que ressaltou que o olhar para o território do DF constrói ações mais direcionadas e voltadas para a melhoria das condições de saúde da população e de respostas às demandas que têm surgindo para a saúde pública com a Covid-19, reiterando o papel do SUS.

 

Ela destacou a parceria entre a Fiocruz Brasília, a Universidade de Brasília e a Secretaria de Saúde do DF, que possibilitou a criação da Plataforma de Inteligência Cooperativa com Atenção Primária à Saúde para o enfrentamento da Covid-19 nos territórios para identificar, por meio de georreferenciamentos, quais são os gargalos e principais situações emergenciais enfrentadas pelos residentes e os trabalhadores da APS do DF. “Nessa perspectiva, reforçamos a necessidade de trabalhar com o diálogo, troca de experiências e interlocuções possíveis para podermos viabilizar o aprendizado entre as diversas regiões administrativas do DF e de como de fato localizamos as principais estratégias de ações que precisam ser construídas”, afirmou.

 

A atividade foi organizada pela Escola de Governo Fiocruz – Brasília, por meio do Programa de Qualificação da Atenção Primária à Saúde (Qualis APS) da SES/DF, iniciativa da Secretaria em parceria com a Fiocruz Brasília, Universidade de Brasília (UnB) e Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec).

 

O coordenador de Atenção Primária à Saúde da Secretaria de Saúde do DF (Coaps/Sais/SES), Fernando Erick Moreira, vê a Qualis APS como uma das pontes para a qualificação do modelo de atenção primária do DF, passando por um momento para além das dificuldades com a implementação e consolidação do modelo de estratégia da saúde da família. “O cerne é o desenvolvimento otimizado dessa responsabilidade com o território, desse olhar qualificado e aprimorado com o local e tendo a figura da gestão como peça fundamental e elementar no entendimento do processo de trabalho para fazer toda essa engrenagem girar”, completou.

Durante o evento, os gestores tiraram dúvidas dos participantes. Assista à live completa aqui

Entre agosto e novembro deste ano, serão realizados mais sete webinários com abordagens do contexto no novo coronavírus, todos serão transmitidos pelo Youtube da Fiocruz Brasília. Confira os temas e datas abaixo:

27/8: Processo de Trabalho na APS

10/9: Diálogos Gestão da APS e Vigilância em Saúde

24/9: Gestão da informação na APS

8/10: Trabalho das equipes de saúde bucal

22/10: O papel do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)

5/11: Efeitos da pandemia em grupos com condições crônicas e em vulnerabilidade

19/11: Questões de saúde mental e socioeconômicas