Gestão Pública em Saúde pauta congresso internacional

Fiocruz Brasília 21 de março de 2018


“Se uma pessoa chega ao serviço de saúde e diz que sofre, que sente dor, você jamais poderá dizer que não é nada. É preciso identificar a singularidade daquela pessoa, e cuidar dela. Conhecer os territórios ocupados pelas pessoas, reconhecendo o sujeito individual e coletivo e suas especificidades”. Esta reflexão foi conduzida por Armando Raggio, da Fiocruz Brasília, durante o I Congresso Internacional sobre Gestão Pública e Saúde. O coordenador da Comissão de Residência Multiprofissional em Gestão de Políticas Públicas para a Saúde problematizou os desafios da gestão em saúde, a começar pela complexidade do uso dos conceitos diferentes, que por vezes são colocados como sinônimos. Segundo ele, gestão é decisão política da autoridade sanitária, diferente de gerência que trata da administração dos serviços em uma unidade de saúde, por exemplo. 


Atenção é diferente de cuidado, sendo que o primeiro engloba todo o cuidado em saúde e tudo que se pode fazer por uma pessoa que procura o serviço, enquanto o cuidado é específico da relação entre profissionais da saúde. Ele problematizou também que a atenção primária é tão ou mais complexa que a atenção terciária, popularmente tratada como área de alta complexidade. “O que é mais complexo, atender alguém num rincão do país, sem qualquer equipamento tecnológico para além do estetoscópio, por exemplo, ou receber um paciente triado, com toda a sua especificidade descrita em um prontuário e pronto para uma cirurgia?”, questionou. A complexidade estaria então na subjetividade, naquilo que exige mais sensibilidade do profissional, o que é intrínseco na atenção básica. 


Qualidade e segurança 


A professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) e da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (Fepecs) Leila Gottens apresentou as implicações da abordagem da qualidade e segurança do paciente na gestão da atenção à saúde. Segundo ela, os erros são culturalmente tratados como falta de atenção, equívoco, mas podem ser prevenidos para proteger o paciente. Ela alertou que a trajetória de um erro em saúde é formada por diversas falhas em cadeia, seja pela execução de ações automáticas, distração, esquecimento, falta de dados, treinamento frágil. Em recente pesquisa no Distrito Federal, encontrou que, de 2011 a 2014, foram notificados 209 acidentes, metade deles relacionados a sangue e hemoderivados e 16% relacionados a problemas com equipamentos e tecnologias de saúde. 


Ela alerta que a gestão deve saber lidar com os erros e efeitos adversos, sem mascarar ou abafar os casos, mas identificando as fragilidades, inclusive com o apoio de quem cometeu o erro. Estratégias como melhorar a comunicação, padronizar procedimentos com o uso de checklists e protocolos, estabelecer políticas para desenvolver e sustentar uma cultura de segurança estão entre as possibilidades para se minimizar e evitar os erros que colocam em risco o paciente, já que, de acordo com o estudo do Instituto de Estudos em Saúde Suplementar, em 2016, a cada cinco minutos, três brasileiros morreram devido a falhas nos hospitais. A especialista alertou ainda que, na atenção básica, além da necessidade de comunicação entre equipes e serviço para minimizar os erros de diagnóstico, a segurança do paciente tem a especificidade da continuidade do tratamento e uso adequado de medicamentos como importantes desafios. 


Experiência internacional
De Portugal, o médico de família e representante da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo Luis Pisco apresentou o Programa Nacional de Acreditação em Saúde. Atualmente, o modelo para instituições do Serviço Nacional de Saúde tem 115 instituições certificadas e 131 em processo de certificação. A iniciativa contempla três pilares: processos, organização clínica e competências, e valoriza que os direitos dos cidadãos sejam garantidos segundo o que preconizam a Organização Mundial da Saúde e a legislação portuguesa, considerando o rigor técnico e científico na prestação dos cuidados, o uso racional de medicamentos e tecnologias de saúde bem como a relação custo-efetividade de um tratamento, entre outras variáveis. 


Segundo ele, há no país uma política de qualidade que reconhece, divulga e cumpre os direitos dos cidadãos, assegura informações adequadas, completas e transparentes, e preza pela informação e documentação científica de rápido e livre acesso. 


O processo de acreditação envolve inicialmente uma autoavaliação do serviço, seguido de avaliação externa com visita de auditores do modelo e consequente certificação e seguimento, já que, na vigência da certificação, outras visitas são realizadas para verificar se o serviço continua adequado ao modelo. Em síntese, são avaliados desde a satisfação dos usuários, sua participação e acesso, a continuidade da assistência, a documentação clínica, as atividades de promoção da saúde, o desenvolvimento e formação do profissional de saúde, a estrutura, equipamentos e fornecedores, entre outros. Para cada paciente, são criados planos assistenciais integrados, baseados na melhor evidência científica disponível e com respeito aos direitos dos cidadãos. 


Os três palestrantes participaram da mesa de debates específica sobre Gestão da Atenção e Cuidado em Saúde, durante o I Congresso Internacional sobre Gestão Pública e Saúde, realizado nos dias 20 e 21 de março no auditório externo da Fiocruz Brasília. A atividade promoveu a articulação entre a academia e a gestão pública no campo da saúde, proporcionando um encontro para a geração e a utilização de conhecimentos científicos, assim como para a formulação e a implantação de políticas.