Fiocruz inicia Mestrado Profissional em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho

Nathállia Gameiro 17 de março de 2020


Nathállia Gameiro

O curso é formado por profissionais de saúde e representantes de movimentos sociais que farão intervenções nos territórios do Ceará e Pernambuco

A primeira turma do Mestrado Profissional em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho teve início na sexta-feira, 13 de março, em Fortaleza (CE). A capacitação é fruto de parceria entre as unidades da Fiocruz em Brasília, Pernambuco e Ceará.

A turma é formada por 39 alunos. São psicólogos, geógrafos, sanitaristas, profissionais de educação física, enfermeiros, médicos, assistentes sociais, agentes comunitários de saúde, integrantes de Rede Médicos e Médicas Populares e de movimentos sociais que trabalham com mulheres vítimas de violência, população prisional, população LGBT, agricultores e trabalhadores rurais, indígenas, pescadoras, marisqueiras e com saúde mental do trabalhador, além de diferentes áreas do Sistema Único de Saúde em regiões de Pernambuco e Ceará. A motivação de realizar o mestrado, para grande parte da turma, é somar com ações e conhecimento, aprender e tentar mudar algumas políticas do SUS para atender populações que muitas vezes são esquecidas e que sofrem com estigma.

“É um ganho para as três unidades (da Fiocruz) e um ganho científico para a linha de pesquisa que ainda é pouco explorada no país”, afirmou André Fenner, um dos coordenadores do curso e pesquisador do Programa de Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília. Durante o curso, os estudantes realizarão projetos de intervenção em territórios dos seus estados para mudar a realidade local. Entre os territórios, os municípios do Ceará: Caucaia, Independência, Fortim e Trairim, além de Caruaru (PE) e a capital Recife.  “Todos os projetos na abrangência e conceito de Territórios Saudáveis e Sustentáveis (TSS) que já estamos trabalhando e que nasce em 2015, no projeto TSS no semiárido”, explica Fenner.

Idê Gurgel, médica e pesquisadora da Fiocruz Pernambuco e coordenadora do Programa stricto sensu da unidade na modalidade profissional, destacou a formação de profissionais e desenvolvimento de produtos para qualificar a atenção à saúde na promoção e vigilância em saúde, ambiente e trabalho.



O coordenador do Programa de Pós-Graduação da Fiocruz Brasília, Jorge Barreto, destacou a peculiaridade da turma e a importância da aproximação da Fiocruz com o território. “Que os trabalhos de vocês sirvam para fortalecer o SUS, trazer mudanças de realidades nos territórios, apontar problemas e soluções”, afirmou. Ouça o áudio completo abaixo:



Para a diretora da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Luciana Sepúlveda, a Fiocruz investe na proposta com o objetivo de trazer respostas de formação do SUS nos diferentes territórios e populações que ali vivem. Ela destaca que o  mestrado traz a oportunidade de ampliar o leque de parceiros e de ratificar o compromisso institucional de que a Fundação está em todos os lugares e se prepara para dar respostas em rede. “Essa turma traz como legado a capacidade institucional com outros atores de outros setores”, destacou.

 

De acordo com o coordenador do Programa de Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT), Jorge Machado, a expectativa é a mudança de ênfase do modelo de saúde vigente no Brasil na construção de uma ação de reflexão e construção de práticas, sistemas de organização de serviços e que faça articulação com interações que existem no território para promoção de saúde e ressignificação dos territórios a partir da vivência dos movimentos sociais, pescadoras, agricultores, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de ONGs. Ouça abaixo:

 

A equipe da Fiocruz Brasília também participou de agenda com o diretor da Fiocruz Ceará, Carlile Lavor, e a equipe de saúde e ambiente da unidade, para formulação de atividades pedagógicas da capacitação e consolidação da parceria.

 

Aula magna

A professora Adelaide Gonçalves, do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), destacou durante a aula magna, que as doenças têm histórias e são sociais. Ela lembrou de problemas que afetam a saúde da população, como baixa qualidade da água consumida, deficiências alimentares, ausência de orçamento efetivo para o setor, aumento do desemprego, falta de saneamento básico e uso de agrotóxicos.

A pescadora, negra, nordestina, vinda de comunidade quilombola e cientista, Elionice Conceição Sacramento, da Articulação Nacional das Pescadoras e mestra em Sustentabilidade junto a Povos e Territórios Tradicionais (MESPT/UnB), contou sua história para a turma. Ela ressaltou o desconhecimento das pessoas sobre o trabalho, relações e tradições das mulheres das águas e desse ambiente de vida, que ainda é marginalizado e esquecido pela política da pesca. “O resultado é que precisamos nos adequar ao que a política diz. A condição de mulher da lama, das águas, do mangue em diálogo com a ciência me coloca nesse lugar. É a vivência de nordestina em diálogo com as mulheres do campo, das águas, que enfrentam cotidianamente racismo e violência”, explicou.

Ela lembrou que, com o derramamento de petróleo no litoral brasileiro, o mundo e a indústria do turismo preconizaram preocupação com as praias e os animais marinhos, e nunca se falou sobre os sujeitos que diariamente trabalham para colocar comida de qualidade na mesa dos brasileiros. “O que a gente faz é considerado trabalho? A população do campo, pescadores, quebradores de coco, povos e comunidades tradicionais são considerados trabalhadores? O que a gente produz é considerado alimento? Somos o empecilho para o desenvolvimento? ”, questionou. “Por trás disso, estavam os interesses econômicos. Vivemos uma situação de fome no litoral brasileiro e não tivemos solidariedade de ninguém. Vimos o quanto pesa ser preto, pescador e nordestino”, afirmou.

 

Elionice ressaltou que acredita na educação como instrumento de transformação dos territórios e que o desafio do mestrado seria também pensar como esse modelo de desenvolvimento impacta o SUS, tem adoecido as comunidades tradicionais e não é sustentável para o futuro. “A ciência e os espaços de produção de conhecimento científico só têm sentido se estiverem em função da transformação social e de quem mais precisa”, finalizou.

 

Federalismo

O primeiro módulo do mestrado foi realizado até domingo (15), e teve como tema Federalismo. O professor Gustavo Augusto Moura mostrou como gênero, raça e classe são necessárias para entender a realidade e as relações sociais, que impactam nas políticas públicas e no governo. Explicou como a saúde, ambiente e trabalho influenciam no corpo e no território. “Como a cor e tipo de cabelo, tamanho do nariz é determinante para as relações de poder. Os territórios têm a ver com o racismo, acesso à água e saneamento básico”, afirmou.

De acordo com ele, os territórios em que estamos inseridos também são constituídos pelo processo de trabalho. Gustavo destacou pontos como sofrimentos psíquicos e corporais relacionados ao trabalho, alienação no trabalho, desemprego e desigualdade social, e o papel fundamental da saúde na regulamentação desse trabalho. “O encontro com o estado é difícil para a maior parte da população. O que se reflete parece algo distante da gente”, explicou.

O evento contou com a cerimônia de entrega dos certificados aos egressos de Cursos Livres e de Especialização em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho promovidos pela Fiocruz. 

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