Fiocruz Brasília sedia encontro sobre Ciência Aberta para gestores de ciência e tecnologia em saúde

Fiocruz Brasília 26 de outubro de 2018


Mariella de Oliveira-Costa


Atividade reuniu representantes de diferentes instituições para apresentar o conceito, abrangência, benefícios e desafios da Ciência Aberta para o Brasil


Ciência aberta é um assunto polêmico. Em se tratando de dados financiados com recurso público, porém, existe um movimento mundial de acesso e abertura dos dados para fins de pesquisa, e a Fiocruz vem buscando trazer a discussão para o âmbito da pesquisa feita na instituição. Nessa perspectiva, o Grupo de Trabalho (GT) específico para tratar do tema na Fiocruz, ligado à Vice-presidência de Educação, Informação e Comunicação, promoveu nesta quinta-feira, 25 de outubro, juntamente com o Ministério da Saúde, um encontro para gestores de ciência e tecnologia em saúde. Além de membros das instituições promotoras, participaram da atividade representantes do Instituto Brasileiro de Informação, Ciência e Tecnologia (Ibict), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq), do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e do Ministério da Ciência e Tecnologia. 


A programação contou com apresentações sobre o  conceito, a abrangência, benefícios e os desafios da ciência aberta, bem como das iniciativas da Fiocruz nesse sentido. Em sua apresentação, o   vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Manoel Barral, alertou que interessa muito a abertura de dados para fins de pesquisa, e não só dados de saúde, mas de outras áreas que influenciam a saúde. Para ele, uma instituição de Estado que trabalha com saúde não pode atuar dissociada do Ministério da pasta. Ele adiantou que em breve, todas as unidades da Fiocruz vão se envolver com o tema. “Os dados na saúde são, por vezes, subutilizados, mas muito úteis. Então precisamos pensar como estimular esse uso, como garantir a segurança e o anonimato nos dados, formas de mapear as competências e necessidades, o monitoramento e avaliação para que as iniciativas funcionem de fato, como ciência aberta e ciência cidadã. Deve haver esforço coletivo para garantir que isso se concretize”, disse. 


A diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (Decit/SCTIE/MS), Camile Sachetti, apresentou a preocupação do órgão com o retorno dos resultados de pesquisa para o SUS e a necessidade de uma mudança cultural. Ela exaltou a iniciativa de disponibilização dos dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (Elsi), e o interesse dos gestores da área responsável por este segmento da população no Ministério da Saúde. “Na era digital, os dados são o novo petróleo. A abertura de dados é o caminho da ciência cidadã”. 


Concordou com ela a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, que agradeceu a oportunidade de articulação e construção de um projeto coletivo com as demais instituições presentes. Ela lembrou que esta é uma agenda prioritária da Fiocruz, e que, em reuniões com a equipe do Decit, observou-se a necessidade de se pensar a ciência aberta como estratégia de resolução eficaz de problemas no campo da saúde pública. Ela citou as iniciativas da Fiocruz como o Livro Verde, outra inciativa do GT e a plataforma Zika, projeto iniciado em 2015, no qual o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde, (Cidacs/Fiocruz) teve um papel fundamental, na construção de ferramentas e estratégias para análise e curadoria de dados, com junção das diversas bases de dados que garantissem respostas rápidas à epidemia.  


Durante o encontro, o coordenador do Cidacs/Fiocruz, Maurício Barreto, apresentou o tema “Uso e reuso de dados de pesquisa: tão aberto quanto possível. Tão fechado quanto necessário”. O pesquisador trouxe informações que mostram o crescimento exponencial na geração de dados em saúde. Há dados coletados para pesquisa e dados que não foram coletados especificamente para uma pesquisa, como os dados de vigilância epidemiológica ou acumulados em diferentes áreas e contextos, que não foram coletados para fins de pesquisa mas para gestão de estados e municípios. Hospitais universitários têm na sua base de criação a possibilidade de juntar grandes volumes de dados de pacientes para posterior análise. E pode-se falar de uso de dados para além de bases específicas da saúde, considerando-se seu caráter interesetorial. “O Cadastro de Mortalidade Brasileira por exemplo, possui todos os dados de todo o Brasil, o sistema escolar possui informações de crianças e adolescentes em idade escolar, e seria impossível para um pesquisador sozinho coletar esse tipo de dado com a mesma abrangência e riqueza. Porém, os dados obtidos especificamente para fins de pesquisa não são melhores que esses dados. ”, afirmou. E, segundo ele, ao contrário do que pode-se pensar, erros existem de ambos lados, fazem parte do processo científico, mas nos últimos 20 anos, os registros de dados do governo brasileiro incrementaram muitíssimo sua qualidade. “Não estamos atrás de outros países, e é preciso dizer isso. Nosso desafio está em garantir a privacidade dos dados na junção de uma ou mais dessas diferentes bases de dados. Após essa junção, a identificação não é mais necessária. Outro deságio está no fato de que os dados precisam ser interoperáveis, acessíveis, reutilizáveis e disponíveis para uso”, afirmou. Barreto apresentou ainda o sistema de proteção de dados desenvolvido no Cidacs, que conta com um processo de identificação, curadoria e produção do dado para garantir a segurança e sigilo das informações. 


A coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Ciência Aberta na Fiocruz, Paula Xavier, apresentou conceitos e ações da Fiocruz para implantação da ciência aberta. Segundo ela, a ciência aberta inaugura um novo paradigma, pois promove acesso não só ao resultado, mas aos dados coletados e cadernos de pesquisa, já que quase 80% do tempo da pesquisa é dedicado à coleta de dados. Na Fiocruz, existe hoje o termo de referência de gestão e abertura de dados para a pesquisa, que seguirá para consulta interna, consulta pública e aprovação no Conselho Deliberativo da Fiocruz, seguido de um plano de implantação. Ela citou que o programa de formação modular sobre ciência aberta está previsto para ser lançado em 22 de novembro, além de duas oficinas presenciais, uma sobre o mapeamento da  legislação brasileira e comitês de ética para identificar como isso incide na ciência aberta e outra sobre a gestão de dados abertos. Rodrigo Murtinho, coordenador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), citou a iniciativa do Repositório Institucional Arca, contendo a produção de todos os pesquisadores da Fiocruz, em acesso aberto e livre. Segundo ele, a iniciativa de reunir diferentes instituições estratégicas mostra o potencial inovador da ciência aberta e a urgência de se debater o tema. 


Além do GT específico para o tema, cada unidade da Fiocruz tem hoje, pessoas específicas responsáveis pela implantação da ciência aberta na unidade. Da Fiocruz Brasília, a assessora da direção Márcia Mota e a pesquisadora a Flávia Elias participam do GT. Para Márcia, a atividade foi importante pois mobilizou diversas instituições nacionais estratégicas nesta área. Segundo ela, esta será a primeira de muitas conversas com estas instituições e outras, de ciência, tecnologia e inovação. 


O vice-presidente da Fiocruz lembrou ainda que a Fiocruz possui uma política de acesso aberto, e apresentou as potenciais resistências aos dados abertos, como o desconhecimento dos pesquisadores sobre o que, de fato é o dado aberto, a qualidade desse dado e a necessária capacitação de quem vai coletar o dado, para que este seja registrado de maneira utilizável e que permita o reuso. “Em geral quem registra os dados de pesquisa é o pós-graduando, e portanto deve-se trabalhar tanto na formação dos pesquisadores como também  com a formação desses alunos. Desde o ano passado, uma série de temas têm sido discutidos com os alunos da Fiocruz, tais como a biossegurança, a integridade acadêmica e a comunicação social da ciência. Mais de 60% dos doutores têm importante atividade de ensino, e precisam de uma capacitação pedagógica”, disse. Sobre este último, foi lançado um curso de divulgação científica em formato de educação à distância, e está previsto o lançamento de um curso específico sobre ciência aberta. Ambos, segundo ele, possivelmente serão utilizados como recurso educacional aberto. “ Não interessa à Fiocruz aprovar uma política que não seja aplicável. Então, estamos já tomando medidas práticas que garantam a sua efetividade. O desafio não é aprovar a política apenas, mas garantir que nossos pesquisadores e a comunidade científica tenha condições de fazer parte do processo”, finalizou. O grupo elencou como prioritárias a necessidade de discutir o financiamento desse processo, questões referentes à distribuição do recurso e a capacitação dos pesquisadores.