Fiocruz Brasília apresenta trabalhos no Congresso Internacional da Rede Unida

Fernanda Marques 28 de outubro de 2020


Fernanda Marques

 

A Associação Brasileira Rede Unida realizará, de 28 de outubro a 1º de novembro, em formato virtual, seu 14º Congresso Internacional, cujo tema é Saúde é vida em resistência: traçando caminhos com o SUS. Pesquisadores da Fiocruz Brasília, integrantes do Núcleo de Estudos sobre Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde e Populações Vulneráveis (NuPop), apresentarão oito trabalhos no Congresso. Conheça a seguir as pesquisas que serão apresentadas e alguns de seus principais resultados.

 

Percepção do processo de saúde e doença pelas mulheres que vivem em situação de rua no Distrito Federal

Autores: Márcia Helena leal, Maria Fabiana Damásio Passos, Marcelo Pedra Martins Machado, Guilherme Augusto Pires Gomes

Foram realizadas entrevistas com oito mulheres em situação de rua no Distrito Federal. Por meio dessas conversas, foi possível compreender que “cada mulher entende saúde de uma forma, desde a ausência de doença até não morrer sozinha”, afirmam os autores da pesquisa. As entrevistadas também associaram a saúde a não sentir dor, ter acompanhamento em um serviço de saúde, não ser discriminada por morar na rua e ser respeitada como cidadã. “A saúde mental se destacou na fala das mulheres ao citarem que utilizam medicamentos para estresse, nervosismo e controle da abstinência do uso de drogas. Outro fato que aparece nas falas é a violência recebida nas ruas como um fator agravante e complicador para os problemas de saúde”, contam os pesquisadores. As entrevistadas se mostraram atentas ao seu corpo e aos sinais de doenças, e, quando próximas aos serviços de Consultórios na Rua, Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e Centros de Referência de Assistência Social (CRAs), os reconheciam como portas de acesso à saúde. “Mas ainda citam o despreparo dos profissionais na rede de serviços como um todo em reconhecer as suas necessidades de saúde. Têm maior dificuldade de acesso quando são referenciadas para hospitais e exames, pela discriminação e despreparo dos serviços”, alertam os pesquisadores.

 

Mulheres em situação de rua: uma análise das políticas públicas para as mulheres

Autores: Márcia Helena Leal, Maria Fabiana Damásio Passos, Marcelo Pedra Martins Machado, Guilherme Augusto Pires Gomes, Rosana Ballestero Rodrigues

A população em situação de rua representa hoje um total de mais de 100 mil pessoas no Brasil, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). São pessoas que sofrem com diversas violações de direitos e políticas públicas que reconheçam as necessidades dessa população são fundamentais. Embora as pessoas em situação de rua sejam, em sua maioria, homens, existe uma parcela crescente constituída por mulheres, que “vivencia tal realidade de forma muito mais vulnerável e exposta a outros tipos de violência, aumentando os riscos sociais, as desigualdades e sua invisibilidade”, sublinham os autores da pesquisa, indicando a necessidade de políticas públicas que contemplem este recorte das mulheres em situação de rua. Os pesquisadores, portanto, analisaram políticas públicas para mulheres buscando identificar se as mulheres em situação de rua são contempladas nestas políticas. Eles identificaram políticas contendo ações, serviços e programas voltados às necessidades das mulheres, como a Política de Igualdade de Gênero no Campo, na Floresta e nas Águas, o serviço “Ligue 180”, a Lei Maria da Penha, o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, as conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher. “Diante da análise das políticas públicas para mulheres, observou-se, em seus conteúdos, um olhar voltado, principalmente, para as necessidades das mulheres que vivem em um contexto domiciliar. A rua como um fator de vulnerabilidade socioeconômica, exposição à violência e precariedade para as condições de saúde das mulheres é pouco abordada pelas políticas existentes”, afirmam os autores do trabalho. “Embora existam iniciativas de políticas nas áreas de saúde e assistência social para o atendimento à mulher em situação de rua, ainda é um desafio dar visibilidade e reconhecer os direitos básicos destas mulheres até mesmo em políticas específicas para mulheres em situação de vulnerabilidade social”, concluem.

 

Comparação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher com a Política Nacional de Atenção Básica: um olhar para a saúde das mulheres em situação de rua

Autores: Márcia Helena Leal, Maria Fabiana Damásio Passos, Marcelo Pedra Martins Machado, Rosana Ballestero Rodrigues, Guilherme Augusto Pires Gomes

Com o objetivo de identificar políticas públicas para as mulheres e analisar o quanto estas políticas foram pensadas para atender às demandas das mulheres em situação de rua, os autores da pesquisa realizaram revisão bibliográfica e análise documental, estabelecendo uma comparação entre a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) e a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). ”A mulher em situação de rua é contemplada nas duas políticas, porém de forma genérica, sem ser citada diretamente nos textos”, concluem os pesquisadores.

 

Revisitando a influência do fluxo de informação entre burocratas de médio escalão e burocratas de nível de rua na implementação do Consultório na Rua

Autores: Guilherme Augusto Pires Gomes, Maria Fabiana Damásio Passos, Suylan de Almeida Midlej e Silva, Márcia Helena Leal, Rosana Ballestero Rodrigues, Marcelo Pedra Martins Machado, Tatianne Fraga Cornélio, Carina Maria Batista Machado

A pesquisa de campo teve início em 2015 junto a gestores do Ministério da Saúde, com entrevistas e análise documental, e envolveu também observação participante de equipes de Consultório na Rua. O objetivo era identificar como acontecia o fluxo de informação entre esses dois grupos de atores. Verificou-se importante troca de experiências entre eles. “Foram pontuados diversos instrumentos de fluxo de informação de educação permanente, voltados para o aprendizado das equipes do Consultório na Rua, em que os burocratas de médio escalão participaram da construção”, afirmam os autores da pesquisa, que destacam a importância da educação permanente no SUS para o planejamento e a implementação das ações. “Foi possível identificar que os burocratas de médio escalão reconhecem a existência de variados contextos de implementação do Consultório na Rua, conseguindo propor inovações e informar ao alto escalão sobre a realidade da implementação”, acrescentam os autores. Segundo eles, a consolidação das equipes de Consultório na Rua, como política pública, depende, de um lado, do conhecimento estratégico adquirido pelos burocratas de médio escalão e, de outro, da utilização dos saberes dos diversos burocratas de nível de rua, “estes que, no cotidiano, operam práticas e demais recursos para implementar a política no âmbito do real”. Os autores pontuam, ainda, a importância do financiamento e da resolutividade do serviço para a consolidação dos Consultórios na Rua.

 

Uma agenda estratégica para gestores e trabalhadores de Consultórios na Rua

Autores: Marcelo Pedra Martins Machado, Maria Fabiana Damásio Passos

A partir das realidades dos territórios e dos processos de trabalho das equipes do Distrito Federal, o objetivo deste trabalho foi apresentar uma agenda estratégica para gestores e trabalhadores de Consultórios na Rua, equipes multiprofissionais que desenvolvem suas atividades de forma itinerante e também nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) locais. O trabalho envolveu quatro gestores e 16 trabalhadores, e incluiu etapas de reunião, entrevistas, questionários e debates, com base nas quais os pesquisadores propõem um conjunto de recomendações estratégicas. ”Propõe-se, como uma direção geral para os Consultórios na Rua do DF, que a tão citada palavra ‘sensibilizar’ possa ser superada e, paulatinamente, substituída pela palavra ‘instrumentalizar’. As recomendações e propostas têm como pressuposto o exercício do protagonismo pelas equipes de Consultório na Rua, provocando, organizando e operando, de forma coletiva e compartilhada, espaços de trocas e qualificação do cuidado intra e inter universo da saúde. De modo que a palavra ‘acesso’, que demonstrou já se constituir como um avanço promovido por esta política pública, possa ser agregada às palavras ‘resolutividade’ e ‘qualidade’”, afirmam os autores. Eles também destacam a importância de que as equipes de Consultório na Rua e demais equipes da Atenção Básica “incluam na sua agenda, de forma mais contundente, estratégias de produção de autonomia para a população em situação de rua”.

 

Territórios saudáveis e sustentáveis para pessoas em situação de rua: estudo de caso de uma oficina para a construção de plataforma para georreferenciamento das ofertas para a população em situação de rua

Autores: Maria Fabiana Damásio Passos, Guilherme Augusto Pires Gomes, Marcelo Pedra Martins Machado, Márcia Helena Leal, Rosana Ballestero Rodrigues, Stella Gomes Alves dos Santos, Carina Maria Batista Machado

Este trabalho descreve as primeiras etapas do desenvolvimento de um sistema de georrefenciamento colaborativo online que identifique ofertas de atendimento às pessoas em situação de rua para uso por profissionais, contribuindo para a qualificação dos serviços e processos de trabalho, com ênfase nas equipes de Consultório na Rua, em âmbito nacional. A construção da plataforma está dividida em quatro fases, seguindo o método proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para intervenções de saúde digital: pré-protótipo, protótipo, piloto e demonstração, sendo que cada uma dessas fases inclui elucidação dos problemas, design do sistema e avaliação. A fim de validar a proposta de construção da ferramenta, foi realizada uma oficina com trabalhadores e gestores da saúde, assistência social, educação, garantia de direitos e ONGs, entre outros atores dos territórios do Distrito Federal com atuação junto à população em situação de rua. “A partir dos achados da revisão bibliográfica, análise documental e observação participante da oficina, a proposta da plataforma de georreferenciamento foi ampliada para o desenvolvimento de um Portal Pop Rua para a comunicação interprofissional e a divulgação de experiências voltadas à promoção de territórios saudáveis e sustentáveis para a população em situação de rua”, contam os autores do trabalho. A ideia é que Portal englobe a plataforma de georreferenciamento, bem como a prospecção e a análise de boas práticas implementadas quanto à organização do processo de trabalho das equipes de Consultório na Rua, com foco na ampliação do acesso à saúde – inclusive à saúde bucal – para a população em situação de rua. “Observou-se como fundamental a participação ativa e as considerações dos atores envolvidos na oficina para a reformulação da proposta de inovação web para o SUS”, destacam os pesquisadores.

 

Construção do instrumento de avaliação de autonomia para o mundo do trabalho e renda junto à Revista Traços para pessoas em situação de rua

Autores: Maria Fabiana Damásio Passos, Marcelo Pedra Martins Machado, Guilherme Augusto Pires Gomes, Marcia Helena Leal, Hellen Cris de Carvalho Vaz, Carina Maria Batista Machado, Marcia Landini Totugui, Stella Gomes Alves dos Santos

Estima-se que, atualmente, cerca de 3 mil pessoas estejam em situação de rua no Distrito Federal. A Associação Traços de Comunicação e Cultura, também conhecida como Revista Traços, foi criada em 2015 com o objetivo de promover a inserção social de pessoas em situação de rua, ao mesmo tempo em que valoriza o cenário cultural de Brasília. Ela busca oferecer jornalismo de qualidade, com espaço para poesia, literatura, artes gráficas e fotografias, e criar condições para que pessoas em situação de rua possam melhorar de vida. “A estratégia principal é que a publicação seja comercializada por pessoas em situação de rua. Os vendedores são chamados de porta-vozes da cultura, e identificados com coletes e bonés em bares, restaurantes, pontos comerciais e eventos culturais”, explicam os autores do trabalho. Pela via da cultura, a Revista Traços traz importantes experiências de inserção de pessoas em situação de rua no mundo do trabalho e renda. “Estas experiências são consideradas exitosas, mas carecem de avaliação sistematizada”, refletem. Desse modo, a partir de uma demanda da própria Revista Traços, os pesquisadores foram chamados a apoiar a construção de um instrumento científico que permitisse avaliar o grau de autonomia alcançado pelos porta-vozes da cultura. A partir de uma oficina, foram estabelecidas seis dimensões para a construção do instrumento, do menor para o maior grau de autonomia: formas de autocuidado; rotina de vendas; acesso à moradia; dedicação e assiduidade no campo da educação; condições de ir e vir aos locais indicados; e busca por trabalho em outros pontos da rede. “O instrumento com diversos pontos de acompanhamento em cada dimensão está sendo implementado pela Revista Traços e novas rodadas de discussão ocorrerão para a avaliação de todo o processo”, contam os autores.

 

SUS e SUAS: o desafio da intersetorialidade no cuidado integral e na proteção social de pessoas em situação de rua

Autores: Carina Maria Batista Machado, Carolina Sampaio Vaz, Maria Fabiana Damásio Passos

O objetivo do trabalho foi refletir acerca da intersetorialidade entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) na atenção à população em situação de rua. As autoras realizaram análise documental de 12 normativas, de modo a reconhecer os dispositivos e as responsabilidades intersetoriais, e visitas técnicas aos serviços especializados do Distrito Federal, a fim de compreender o funcionamento local da atenção às pessoas em situação de rua. “Para as visitas técnicas, foi priorizada a observação de equipes de Consultório na Rua e Centro Pop, responsáveis por serviços territorializados e de referência na atenção à população em situação de rua, respectivamente no âmbito do SUS e do SUAS”, contam as autoras. “O tema da intersetorialidade está presente de forma clara nas normativas e no entendimento expresso pelos trabalhadores dos serviços visitados. Apesar disso, persistem os desafios que dificultam a implementação de ações intersetoriais que superem a fragmentação dos serviços no âmbito dos dois sistemas em questão”, concluem.