Fiocruz Brasília lança publicações que destacam a importância da Reforma Psiquiátrica

Nathállia Gameiro 30 de outubro de 2020


Nathállia Gameiro

Imagine viver anos internado, longe da família, sem direito a histórias e identidade, sujeito a torturas e maus tratos. Esta foi a realidade de milhares de pessoas que viveram longas internações psiquiátricas em antigos manicômios de Barbacena (MG), Juiz de Fora (MG) e Paracambi (RJ). Em sua grande maioria, as internações eram involuntárias ou compulsórias, para esconder da sociedade pessoas que não se encaixavam no padrão normativo da época.

As histórias de egressos do sistema psiquiátrico e as conquistas como o resgate da cidadania, poder circular em liberdade, o direito à voz, à vida e a uma identidade, são contadas na instalação de vídeos e fotografias Morar em Liberdade: Retratos da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

A exposição percorreu o Rio de Janeiro, Brasília e Minas Gerais contando a história da psiquiatria no país, dos manicômios à Luta Antimanicomial com a Reforma Psiquiátrica. Narrativa que agora está organizada em um catálogo, lançado na noite de ontem, 29 de outubro, durante o evento Saúde mental para todos – investimento e acesso para o exercício da cidadania. A vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Cristiani Vieira Machado, destacou a importância do catálogo ao revisitar e atualizar temas de luta para transformações de práticas em saúde e do cuidado.

“A instalação resgatou a vida e o que essas pessoas fizeram depois de tanto tempo nos hospitais psiquiátricos. As entrevistas são ricas e mostram como o ser humano consegue resgatar coisas simples como cuidar de si. Essas pessoas mostraram o quanto isso é importante: valorizar a potência que o ser humano tem de reconstruir sua vida”, afirmou o coordenador do Núcleo de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas da Fiocruz Brasília, André Guerrero.

Para baixar o catálogo, clique aqui

A edição especial da revista Saúde em Debate, produzida pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), também foi lançada durante a live. O periódico recebeu mais de 150 artigos, 25 publicados neste número e 15 aprovados para as próximas edições. Reforma Psiquiátrica, bastidores políticos da Lei Paulo Delgado, o futuro da psiquiatria e da saúde mental, abandono e não adesão ao tratamento em Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e o cuidado em Caps AD (Álcool e outras Drogas) são alguns temas abordados nos textos desta edição.

A editora científica da revista Saúde e Debate, Maria Lúcia Frizon Rizzotto, destacou que o periódico tem sido um espaço importante para temas que abordam a saúde mental, o movimento das reformas psiquiátrica e sanitária e para a construção do SUS. “A revista nasce com o propósito  de divulgar o pensamento crítico sobre a evolução da saúde e um espaço democrático para novas ideias. É uma das mais antigas da área de saúde coletiva no Brasil”, lembrou. Para ela, este número especial é histórico no campo da saúde mental pela qualidade dos artigos e denúncias feitas.

Confira aqui a nova edição da revista Saúde em Debate, intitulada Retratos da Reforma Psiquiátrica Brasileira

Este foi o terceiro momento do evento realizado em comemoração ao Dia Mundial da Saúde Mental e ao aniversário da Fiocruz Brasília. As outras atividades foram transmitidas ao vivo pelo Youtube da Fiocruz Brasília e podem ser acessadas em www.youtube.com/fiocruzbrasiliaoficial

Para a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, o tema da saúde mental muitas vezes é invisibilizado e o encontro reforça a luta pelo desenvolvimento de políticas de saúde e estudos que possam beneficiar a sociedade brasileira, além da garantia do direito à liberdade, da dignidade para as pessoas com sofrimento mental e à sustentação dos princípios do SUS.

O autor da Lei nº 10.216, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, ex-deputado federal Paulo Delgado, também esteve presente no evento e fez o resgate histórico do tratamento de pessoas com transtornos mentais no Brasil.

De acordo com ele, antes da lei as pessoas eram internadas involuntariamente e buscadas pela polícia ou os bombeiros. “Eram tratados como bichos”, detalhou Delgado. A lei de autoria do sociólogo propôs a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país, garantindo direitos como a participação de sua família no tratamento e sua proteção contra qualquer forma de abuso.

“Quem descobriu essa lei foram vocês: usuários, pacientes e familiares, eu apenas ajudei a escrever. E tem a digital da Fiocruz”, afirmou. Paulo lembrou ainda de grandes nomes da saúde com Sérgio Arouca, Nise da Silveira e Davi Capistrano, e o papel que desempenharam na saúde mental.

O ex-deputado defende que os retrocessos na área não podem atrapalhar as lutas. “Temos que preservar o que já foi conquistado. Ninguém consegue impor ao Brasil, um país tão grande e múltiplo, uma convicção se ela não estiver difundida em humanismo, razão, ciência e técnica. Adoecer é normal, a doença é um evento na vida. O que não é normal é não acolher e não tratar o doente. O tratamento sem liberdade é um tratamento distante e sem saúde coletiva”, finalizou.

 

 A live completa pode ser assistida aqui