Financiamento da Saúde pelos entes federados é tema de audiência pública no Congresso Nacional

Nathállia Gameiro 16 de agosto de 2019


“O que queremos é todos os cidadãos com direito à cidadania”, afirmou o assessor da Fiocruz Brasília, Agenor Álvares, durante audiência proposta pela Subcomissão Permanente da Saúde

 

Nayane Taniguchi

 

O “Financiamento da Saúde pelos entes federados” foi tema de audiência pública realizada nesta quinta-feira (15/8), na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, em Brasília-DF. O assessor da Fiocruz Brasília e ex-ministro da Saúde, Agenor Álvares, representou a Fiocruz na audiência, promovida pela Subcomissão Permanente da Saúde.

 

Para ele, a situação vivida atualmente no país é muito semelhante à enfrentada antes mesmo do início do Sistema Único de Saúde (SUS). “Tudo começou antes do SUS. O SUS veio para dar uma resposta a uma situação caótica que existia nesse Brasil, onde havia um número significativo de pessoas que não tinha nenhum tipo de assistência. A questão do financiamento das políticas sociais é problema desde essa época. Elas não são problemas a partir da Constituição de 1988, são problemas anteriores”, diz.

 

De acordo com Agenor, desde a criação do Ministério da Saúde e das políticas de interesse coletivo, não havia o devido financiamento e suporte de gestão necessários para o setor. “Desde a década de 80, a insuficiência de recursos para a área social é discutida, e foram muitas propostas de impostos feitas ou de ações dentro do Congresso Nacional para dar condições de funcionamento à área social, que entram para suplementar recursos da saúde e da educação, mas como fonte substitutiva”, afirma.

 

O assessor citou as emendas constitucionais 29/2000 e 86/2015 [que alteram artigos na Constituição relacionadas à orçamento e recursos para a saúde], afirmando que os impactos destas medidas foram praticamente zero. “Só teve uma emenda constitucional que deu impacto à saúde, que foi a emenda 95. Ela impactou exatamente de forma contrária ao que a gente sempre esperava. As demais, nenhuma deu impacto, dentro da expectativa que colocávamos nas nossas discussões, seja com a sociedade civil, com o Congresso Nacional ou gestores”. Agenor se referiu à limitação do teto de gastos públicos durante 20 anos, comparando seu impacto como um agrotóxico, de efeito cumulativo. “Agrotóxico é assim, tem momentos que fica agudo e na agudeza do agrotóxico a pessoa se contamina, mas, com o tempo ele vai se acumulando”, comparou.

 

Conforme o assessor, estudos indicam que nos próximos dois anos a população sofrerá os impactos da EC 95. “Precisamos dar atenção especial aos que nascem e para os que envelhecem, visto que o custo da saúde é muito mais alto para a população idosa. E o impacto será maior quando você medir essa questão individual, per capita, na relação que tem hoje com o orçamento global da saúde pública. A emenda 95, ao contrário de outras leis, deu um impacto considerável na saúde”.

 

Agenor afirma que todos os governos, independente da coloração política, e de partido, não apresentaram diferença na política econômica. “A área econômica sempre achou que nós da saúde éramos perdulários, porque a preocupação é outra. Essa discussão do PIB para mim não tem significado na questão da saúde”, disse, ao exemplificar que o PIB da saúde aplicado no Brasil é igual ao PIB da Inglaterra. Entretanto, para Agenor, é preciso fazer outra conta, relacionada ao tamanho da população e ao valor global do orçamento aplicado nos dois países. “A discussão que temos que fazer, no meu entendimento, é outra. Qual o montante de recursos que preciso para dar atenção à saúde para as pessoas que estão distantes e que precisam de atendimento à saúde, seja do mais simples ao mais complexo”, defendeu.

 

É neste sentido que está a diferença entre alguns sistemas universais e o sistema universal brasileiro, visto que os conceitos, princípios e diretrizes são parecidos. “Mas há uma questão totalmente diferente, que temos que resgatar: a responsabilidade política da nação.  O SUS não nasceu por uma conquista do Congresso Constituinte, o SUS nasceu por uma conquista da população que não aceitava mais a diferenciação de atendimento. Precisamos hoje de politizar a necessidade do Sistema Único de Saúde”, destacou.

 

O assessor da Fiocruz Brasília enfatizou a necessidade de defesa do Sistema Único de Saúde, que apresenta problemas, assim como outros sistemas de países com a Inglaterra e o Canadá. “O custo da saúde é muito alto, a inflação da saúde é muito maior que a da economia e a incorporação da tecnologia cria paradoxos, ela ajuda e aumenta esse custo”, complementou.

 

Agenor considera ser uma obrigação a avaliação e a proposição de correções a partir do que se espera do SUS, mas tendo a certeza das dificuldades, “em um momento de restrição fiscal, de restrição política e no qual segmentos da vida nacional hoje se colocam contrários e têm propostas para minar ainda mais os interesses do SUS”. Ao final da sua fala, enfatizou: “a diferença do que a gente fez e o que as pessoas tentam colocar é simples: todos os brasileiros hoje são cidadãos, mas muitos não têm direito à cidadania. O que queremos é todos os cidadãos com direito à cidadania, e é isso que nós precisamos fazer”.

 

Participaram da audiência pública o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, o representante do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), René José dos Santos e o presidente do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Wilames Bezerra. A audiência foi moderada pela deputada Adriana Ventura (NOVO – SP).

Pigatto ressaltou a realização e as discussões da 16ª Conferência Nacional de Saúde, no início de agosto, em Brasília. Criticou a perda de recursos e a instituição da EC 95, sugerindo aos parlamentares a apresentação de proposta para anular os efeitos da emenda para a saúde e a educação.

 

René dos Santos abordou a questão do investimento do PIB no Brasil – cerca de 4% aplicados na saúde, comparando-o com o de outros países, como a Inglaterra, que aplica mais de 7,5% do Produto Interno Bruto no setor. Para Wilames Bezerra, é necessário considerar as especificidades de cada município na elaboração dos planejamentos de saúde, ressaltando ainda a elevação dos custos.

 

A integra da audiência pode ser acessada aqui