Fala aê, pesquisador: vacinas contra Covid-19 apresentam diferenças, mas são igualmente importantes

Fernanda Marques 21 de maio de 2021


A vacinação contra Covid-19 no Brasil começou em janeiro, com as vacinas Coronavac-Butantan e Oxford-AstraZeneca-Fiocruz. Agora em maio um terceiro imunizante passou a ser aplicado no país: a vacina Pfizer-BioNTech. Embora as vacinas disponíveis não utilizem as mesmas tecnologias e apresentem outras diferenças entre si, todas são seguras e eficazes contra a Covid-19, protegendo da doença, especialmente de suas formas mais graves, que podem causar hospitalização e morte. É o que afirma o médico infectologista e doutor em epidemiologia Sérgio de Andrade Nishioka, pesquisador associado ao Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde (NEVS) da Fiocruz Brasília. 

 

Aqui na série “Fala aê, pesquisador”, Sérgio já explicou os mecanismos de funcionamento das vacinas Coronavac-Butantan e Oxford-AstraZeneca-Fiocruz. Nesta nova entrevista, ele esclarece sobre as especificidades da vacina Pfizer-BioNTech: a plataforma tecnológica de RNA mensageiro, a conservação em temperaturas ultrabaixas e a elevada eficácia em estudos clínicos. Sérgio também comenta o papel estratégico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde os estudos até depois que uma vacina começa a ser utilizada na população. O especialista responde, ainda, por que a preferência por uma outra vacina “não é uma boa ideia”, tanto do ponto de vista coletivo, como do individual. Confira todas as respostas!

 

A vacina Pfizer-BioNTech é uma vacina de RNA mensageiro. O que isso significa? Como ela funciona? Há outras vacinas disponíveis que utilizam essa mesma tecnologia?

Sérgio Nishioka: A vacina Pfizer-BioNTech usa uma plataforma tecnológica inovadora, que contém uma molécula de RNA mensageiro. Essa molécula tem instruções para que células da pessoa vacinada produzam uma proteína do novo coronavírus (SARS-CoV-2), vírus causador da Covid-19. A proteína assim produzida, conhecida como proteína S, estimula o organismo da pessoa a fabricar anticorpos e células do sistema imune, que serão responsáveis pela defesa contra a doença. O RNA da vacina não permanece no organismo da pessoa vacinada, sendo destruído pouco tempo depois da vacinação. Outra vacina contra Covid-19 que usa RNA mensageiro é produzida pela companhia farmacêutica Moderna: ela já foi autorizada para uso em vários países, mas ainda não está disponível no Brasil. Outras vacinas que usam a mesma plataforma estão em fase de estudos clínicos.

 

O que se pode afirmar sobre a segurança e a eficácia da vacina Pfizer-BioNTech?

Sérgio Nishioka: No ensaio clínico que deu suporte a autoridades reguladoras de todo o mundo e à Organização Mundial da Saúde (OMS) para a aprovação do uso emergencial dessa vacina, ela mostrou elevada eficácia e segurança, o que tem sido confirmado depois que ela passou a ser usada, na prática, nas populações. Após o uso, podem ser relatados sinais ou sintomas leves como dor no local da injeção, cansaço, dor de cabeça, dores musculares e nas articulações, febre, calafrios e diarreia. Reações graves, como anafilaxia, são muito raras. Ela tem se mostrado capaz de prevenir a Covid-19, reduzindo de forma bastante significativa hospitalizações e mortes pela doença. 

 

Existe alguma especificidade da vacina Pfizer-BioNTech em relação às outras já disponíveis no Brasil? O processo de armazenamento, distribuição e conservação dessa vacina é diferenciado?

Sérgio Nishioka: A conservação da vacina Pfizer-BioNTech exige temperaturas ultrabaixas, o que representa um desafio para seu transporte e distribuição. Essa vacina deve ser armazenada em temperaturas entre -90ºC e -60ºC, o que só é possível em freezers especiais. Mais recentemente, foi demonstrado que essas exigências podem, em parte, ser flexibilizadas. Uma única vez, os frascos podem ser armazenados em temperaturas entre -25ºC e -15ºC por até duas semanas, sendo depois retornados à condição anterior, sem alterar a estabilidade da vacina. Além disso, depois de retirada do congelador, a vacina pode ser conservada em geladeira, entre 2ºC e 8ºC, por até cinco dias.

 

A vacina Pfizer-BioNTech é a terceira contra Covid-19 que começa a ser utilizada no Brasil, com autorização da Anvisa. Essa variedade de vacinas é importante? Podemos esperar que outras vacinas contra Covid-19 passem a ser usadas no Brasil?

Sérgio Nishioka: Na situação de pandemia em que vivemos, qualquer vacina contra Covid-19 que, nos ensaios clínicos, se mostre segura e eficaz para proteção contra essa doença tem espaço para ser usada no Brasil e em outros países. Podemos esperar, sim, que mais vacinas contra Covid-19 venham a ser utilizadas no Brasil para atender à demanda existente. Outras vacinas já foram ou estão sendo aprovadas por agências reguladoras de vários países e pela OMS, e podem chegar ao Brasil.

 

Qual o papel da Anvisa nesse processo?

Sérgio Nishioka: A Anvisa, como agência reguladora, tem vários papéis: na avaliação de vacinas durante a sua fase de desenvolvimento clínico; para autorizar o uso na população em termos emergenciais ou conceder o registro sanitário; e para acompanhar o produto ao longo do tempo, depois que ele tiver recebido autorização. Na fase de ensaios clínicos, a Anvisa tem que autorizar esses estudos, quando eles são realizados no Brasil, e também a importação da vacina candidata e de outros insumos, assim como a saída do país de materiais biológicos para serem testados no exterior, quando for o caso. A Anvisa também pode fazer inspeções nos locais onde os estudos clínicos estão sendo realizados. Quando o fabricante ou seu representante legal entra com pedido de aprovação para uso emergencial ou registro, a Anvisa deve avaliar se a vacina preenche padrões internacionais de qualidade e se os estudos clínicos demonstram eficácia e segurança para a população-alvo. O local de fabricação da vacina, em qualquer lugar do mundo, costuma ser inspecionado pela Anvisa. Se a vacina for aprovada, qualquer modificação na sua produção, no seu uso ou na sua bula deve ser aprovada pela Anvisa. A agência também tem um setor de farmacovigilância, que acompanha ao longo do tempo a ocorrência de eventos adversos associados à vacina no Brasil e no mundo.

 

Algumas pessoas têm afirmado que gostariam de escolher qual vacina contra Covid-19 vão tomar. Por que esse tipo de comportamento não é justificável e por que tomar a vacina disponível, seja ela qual for, quando chegar a sua vez de ser vacinado, é tão importante?

Sérgio Nishioka: No caso das vacinas contra Covid-19, os resultados iniciais dos estudos clínicos, com acompanhamento dos pacientes durante poucos meses, mostram algumas diferenças de eficácia entre as vacinas, o que, à primeira vista, poderia induzir uma pessoa a manifestar uma preferência, caso tivesse essa opção. Outro motivo que poderia levar alguém a demonstrar preferência por uma vacina é o receio de ter algum evento adverso raro associado a outra vacina. Porém, a comparação entre as diferentes vacinas não é direta, pois os estudos são diferentes, em populações diferentes, com critérios diferentes. Por isso, é preciso cuidado ao interpretar as diferenças observadas nos resultados. Não se sabe, por exemplo, se essas diferenças de eficácia vão se manter ao longo do tempo. Além disso, o possível surgimento de variantes preocupantes do vírus torna ainda mais incerto afirmar que uma vacina é superior à outra. Embora a eficácia das diferentes vacinas contra Covid-19 não seja idêntica, todas conferem proteção e são seguras. Quanto à segurança, há que se levar em conta que eventos adversos raros são detectados quando as vacinas estão sendo mais utilizadas, e os eventos até agora relatados não alteram a razão benefício/risco, que permanece muito favorável a todas as vacinas contra Covid-19 atualmente em uso. Na atual situação da pandemia no Brasil e no mundo, é fundamental conseguir vacinar toda a população no menor tempo possível, ou seja, é preciso que todos se imunizem com as vacinas aprovadas que estiverem disponíveis na sua vez. Isso do ponto de vista coletivo. Do ponto de vista individual, uma pessoa não se vacinar na sua vez para esperar uma vacina que ela acredita ser melhor não é uma boa ideia, porque, nesse tempo de espera, ela pode se expor ao novo coronavírus (SARS-CoV-2), se infectar, adoecer e, ainda, transmitir o vírus para familiares e amigos.

 

Leia mais

“Fala aê”: confira todas as entrevistas da nossa série de divulgação científica