Fala aê, pesquisador: o atual cenário da dengue no país

Nathállia Gameiro 29 de janeiro de 2024


Febre, dor no corpo e nas articulações. Estes são alguns dos sintomas mais comuns da dengue, doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti infectado. A principal forma de prevenção é bem conhecida pelos brasileiros: não deixar água parada. Ainda assim, o número de casos de dengue no país vem aumentando. Somente nas três primeiras semanas epidemiológicas de 2024 foram registrados mais de 120 mil casos e 12 mortes pela doença no Brasil. Comparado ao mesmo período do ano passado, em oito estados e no Distrito Federal, o aumento foi de 100% ou mais, segundo dados do Ministério da Saúde.  Até a data de publicação desta matéria, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Distrito Federal registraram o maior número de casos. Qual o motivo para esse aumento A culpa é do mosquito? Qual é o papel da população, do governo e das instituições de saúde? Em entrevista, o médico sanitarista Claudio Maierovitch, pesquisador e professor da Fiocruz Brasília, responde a essas e outras questões. Confira abaixo:

 

Qual o atual cenário da dengue no Brasil?

Claudio Maierovitch: As epidemias de dengue se repetem anualmente, no período mais quente e chuvoso, há várias décadas. A tendência tem sido de que sejam cada vez mais intensas e com maior duração, não sendo interrompidas no segundo semestre, como acontecia.

 

A dengue não é uma doença nova. Por que ainda não conseguimos controlar o número de casos?

Claudio Maierovitch: Temos dengue no Brasil desde a década de 1980. As ferramentas e estratégias de prevenção não têm se mostrado efetivas e, em geral, não têm sido adotadas continuamente. Muitas das condições que favorecem a infestação por mosquitos não têm recebido a atenção que merecem, como o acúmulo de lixo em áreas urbanas, o excesso de embalagens plásticas descartáveis, a falta de atenção à manutenção do ambiente urbano e a intermitência do abastecimento de água, levando ao armazenamento doméstico em recipientes improvisados. Vacinas começaram a se tornar disponíveis recentemente e seu impacto ainda não é conhecido.

 

Este ano há alguma diferença notável no vírus se comparado aos anos anteriores?

Claudio Maierovitch: Não se observam mudanças significativas nas características biológicas do vírus. Entretanto, sua disseminação cresce quando as condições são propícias, como tem acontecido com a degradação ambiental e o aumento das temperaturas médias.

 

Alguns estados e municípios não tinham registro de casos da doença. Hoje temos no país inteiro. A que se deve isso?

Claudio Maierovitch: A expansão geográfica da presença do Aedes aegypti é contínua desde que ele voltou a se instalar no país, há meio século. O aquecimento global tem contribuído para que cidades localizadas em latitudes maiores (mais ao sul) e regiões mais altas se tornem mais receptivas para o mosquito. O próprio mosquito também parece estar se adaptando a condições climáticas e ambientais menos favoráveis.

 

O país já teve elevados números de casos e mortes por dengue como ultimamente?

Claudio Maierovitch: Tivemos alguns anos com epidemias muito intensas, como 2010, 2015 e 2023. O intervalo entre estes grandes picos tem sido mais curto, com tendência a aumento progressivo de casos e mortes.

 

Muitas campanhas culpabilizam o mosquito. O Aedes aegypti é o vilão?

Claudio Maierovitch: O mosquito é o vetor, inseto que transmite o vírus causador da dengue. Sem a presença dele, não haveria transmissão. Entretanto, é o homem que cria condições favoráveis para o crescimento da população de mosquitos e não adota medidas adequadas de prevenção.

 

Somente a estratégia de eliminação dos criadouros não tem sido eficiente para diminuir os casos de dengue em todo o país. O que falta?

Claudio Maierovitch: A eliminação de criadouros tem sido muito mais lenta do que a geração de novos criadouros. Esta estratégia tem que ser intensificada. Um dos componentes é a redução da geração de resíduos e sua destinação adequada. Mesmo assim, isso não é suficiente, havendo necessidade de incorporação de outras tecnologias para reduzir a população de mosquitos, diminuir a capacidade de transmissão e proteção das pessoas. Alguns instrumentos já existem, mas ainda são pouco utilizados.

 

Na sua opinião, o que é essencial para a mudança de comportamento das pessoas?

Claudio Maierovitch: O comportamento individual tem algum peso, pois boa parte dos criadouros está ao redor das pessoas, foi produzida por elas e pode ser eliminada com relativa facilidade. Não se trata, no entanto, apenas de atitude individual. Há, por exemplo, excessiva utilização de embalagens descartáveis, que podem se transformar em criadouros. A falta de manutenção e de cuidado com o ambiente urbano desestimula o cuidado com o espaço familiar ou individual. Medidas rotineiras de saneamento e manutenção e cuidado com o espaço das cidades, que estão ao alcance dos governos locais, funcionam como incentivo para que cada um organize e limpe seu espaço privado.

 

Qual é a melhor forma de prevenção? Há alguma medida de saúde pública capaz de impedir a circulação dos vírus?

Claudio Maierovitch: A prevenção deve envolver diferentes ações, instituições e indivíduos. Algumas ações são mais simples, ao alcance de todos, como a eliminação de focos e água parada nas casas e em torno delas, bem como de recipientes que possam acumular essa água. Isso inclui garrafas, potes, tanques, pratos de plantas, pneus e até mesmo ralos de escoamento que ficam sem uso por algum tempo. Além disso, reduzir o uso de embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, e cuidar sempre de seu descarte adequado. Caixas d’água, cisternas ou outros reservatórios de água devem ser mantidos fechados ou telados. As telas, instaladas em portas e janelas, podem ajudar a manter os mosquitos fora de casa. Roupas que deixem poucas áreas de pele descobertas e repelentes também ajudam na prevenção. Outra frente importante é a manutenção e limpeza de espaços públicos e privados, eliminando qualquer possível criadouro, e desestimulando o descarte inadequado de objetos. Piscinas devem ter manutenção adequada; outras coleções de água que não podem ser eliminadas devem ser tratadas com larvicidas, o que pode ser realizado pelo poder público ou por particulares, em especial quando se tratar de empresas, escolas ou outras organizações. Existem formas mais recentes para reduzir a proliferação de mosquitos e seu potencial para abrigar o vírus. Destaco aqui as armadilhas que disseminam larvicidas, as bactérias que atacam larvas de mosquitos e a bactéria Wolbachia, que reduz a possibilidade de que os vírus se multipliquem nos mosquitos. Há estudos sobre telas impregnadas com inseticidas, armadilhas que identificam e contam mosquitos e aplicação de inseticidas intradomiciliares, entre outras medidas. Além disso, é importante identificar e monitorar com frequência os locais onde é mais comum a presença do mosquito e também de casos de dengue. Pessoas que estão com suspeita de dengue devem permanecer protegidas dos mosquitos para que estes não se tornem transmissores. É importante lembrar que a prevenção não é de responsabilidade exclusiva dos órgãos de saúde, mas envolve muitos setores da administração pública (limpeza, saneamento, abastecimento de água, manutenção de vias, fiscalização de terrenos, e mesmo escolas, que além de cuidar de suas áreas, devem disseminar conhecimento), além das empresas privadas e de cada pessoa.

 

De que forma a circulação simultânea dos quatro sorotipos da doença é um desafio para a saúde pública?

Claudio Maierovitch: Quando alguém tem dengue, isso resulta da infecção por um dos quatro sorotipos conhecidos do vírus. A pessoa, após a recuperação, fica protegida contra os vírus daquele sorotipo que a infectou, mas não contra os outros três. Assim, uma mesma pessoa pode ter dengue até quatro vezes, cada uma por um sorotipo diferente. Quando há mais de um sorotipo circulando, é como se fossem várias epidemias ao mesmo tempo, com o detalhe preocupante de que uma segunda infecção tem maior possibilidade de ser grave do que uma primeira. Também para o desenvolvimento de vacinas, a presença de quatro sorotipos é um elemento de complicação, pois elas têm que funcionar contra os quatro e passar por testes que demonstrem isso.

 

Quando é hora de buscar ajuda médica?

Claudio Maierovitch: Quando alguém tem sintomas que parecem ser de dengue, como febre alta, dor de cabeça na região dos olhos, dores no corpo e nas articulações, fraqueza intensa e, eventualmente, manchas avermelhadas, é importante procurar o serviço de saúde para fazer o diagnóstico, seja de dengue ou outra doença com a qual possa ser confundida. Deve ser feito o diagnóstico, o tratamento e a orientação adequada. Enquanto não acontece o atendimento, é fundamental a hidratação abundante, com cerca de meio litro de água por hora, no caso de adultos que não têm problemas cardíacos ou renais.

 

Qual o sintoma de alerta?

Claudio Maierovitch: Se alguém está com dengue, já tem diagnóstico e percebe alguns sintomas novos, especialmente depois de alguns dias, quando começaria a melhorar, deve procurar o serviço médico imediatamente. Esses sintomas podem aparecer juntos e incluem queda da pressão arterial (tonturas, mal-estar, sede intensa e pouca eliminação de urina), perda de consciência, confusão mental, dor abdominal forte e vômitos. 

 

Para a dengue, a vacina é a solução?

Claudio Maierovitch: A vacina é a maior esperança que se tem atualmente para que se possa controlar ou mesmo eliminar a doença no futuro. Por enquanto, há pouca disponibilidade e os preços são altos. Além disso, as vacinas são novas e ainda há alguma incerteza sobre seu desempenho em larga escala.

 

Neste caso, a Wolbachia seria eficiente? E o fumacê?

Claudio Maierovitch: A bactéria Wolbachia vem sendo utilizada em algumas localidades, com resultados bastante positivos. Para que haja um impacto importante, a disseminação tem que ocorrer de forma mais rápida, alcançando as grandes concentrações urbanas. Já o chamado fumacê, com a dispersão de inseticidas que matam os mosquitos adultos atingidos, é um último recurso para ser usado em localidades onde há transmissão da doença e grande infestação de mosquitos. Ele pode ajudar a reduzir a transmissão por algum tempo, até que a população de mosquitos cresça novamente, o que costuma demorar poucas semanas. A utilização rotineira do inseticida pode selecionar mosquitos resistentes, de forma que, com o passar do tempo, a estratégia deixa de funcionar bem.

 

Já existia uma vacina contra a dengue, por que ela não foi disponibilizada na rede pública de saúde? O que é preciso para disponibilizar um imunizante para a população?

Claudio Maierovitch: Existe uma vacina, há alguns anos, mas ela só está indicada para quem já teve uma primeira infecção por dengue anteriormente, o que dificulta sua utilização em ampla escala. Uma nova vacina foi registrada recentemente na Anvisa, mas a quantidade fabricada ainda é pequena frente ao tamanho da população brasileira. Além disso, seu preço ainda é bastante elevado. Há uma grande expectativa de que novos imunizantes sejam aprovados, em especial um, que está em fase final de pesquisa, produzido por um laboratório público, o Instituto Butantan.

 

Tem algum repelente que é mais eficaz?

Claudio Maierovitch: Há três tipos de repelentes que têm eficácia comprovada: o DEET, a Icaridina e o IR3535. Somente este último pode ser usado em crianças pequenas. É importante ler as instruções do fabricante para saber o tempo de duração e realizar reaplicações. A Icaridina é o tipo que age por mais tempo. Há diversos produtos comerciais. É importante lembrar que os repelentes não matam os insetos, apenas diminuem as chances de que as pessoas sejam picadas, pois os mosquitos têm dificuldade para identificar os odores habituais do corpo, pelos quais eles se guiam.

 

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Foto: Larvas do mosquito Aedes aegypti (Fiocruz Imagens)