Fala aê, mestre: violência contra pessoas com deficiência

Fernando Pinto 29 de janeiro de 2021


Segundo dados da 1ª Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência de São Paulo, a violência contra pessoas com deficiência (PCD) aumentou nos últimos meses e essa alta pode estar relacionada à pandemia da Covid-19. Os crimes  mais comuns são ameaça, injúria e lesão corporal. E não é de agora que este tipo de violência ocorre no Brasil, apesar de todo o avanço, ainda existem grandes desafios no que diz respeito à prevenção de violência contra PCD.

 

E foi com o objetivo de descrever a violência contra PCD no Brasil, que a pesquisadora Nicole Mello escolheu a temática da sua dissertação do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília. Em seus estudos ela caracterizou as vítimas, os tipos de violência, os prováveis agressores, o local de ocorrência e os serviços de saúde notificadores, a partir de análise epidemiológica descritiva dos casos de violência contra PCD notificados no Sistema VIVA/Sinan do Ministério da Saúde, por serviços de saúde brasileiros entre 2011 e 2017. Veja mais detalhes do estudo na entrevista desta semana da coluna “Fala aê, mestre”!

 

Em média, quantos casos de violência contra pessoas com deficiência foram registrados no período analisado?  

Nicole Mello: Entre 2011 e 2017, foram notificados 1.429.931 casos de violência interpessoal ou autoprovocada por serviços de saúde brasileiros. Desse total, 116.219 (8%) corresponderam a notificações de violências contra pessoas com deficiência. Nesse período, houve um crescente avanço no número geral de notificações de violência no Brasil (186%), sendo observado um aumento ainda maior do número de notificações de violência contra pessoas com deficiência (303%).

 

Quais os principais tipos de violência praticados contra pessoas com deficiência? E quem são os principais agressores?

Nicole Mello: A violência contra pessoas com deficiência mais notificada foi a física (51,6%). Nas mulheres com deficiência, foi seguida por violências psicológica/moral e pela violência sexual. No caso dos homens com deficiência, a segunda violência mais frequente foi negligência e abandono. Familiares foram os principais prováveis agressores nos eventos de violência contra pessoas com deficiência notificados (36,5%).

 

Como denunciar um caso de violência contra pessoa com deficiência? 

Nicole Mello: O referido estudo teve como base o setor saúde, no qual os casos de violência são notificados a partir do atendimento da vítima de violência em serviços de saúde. Embora não seja escopo desse estudo, cabe destacar a necessidade de articulação intersetorial com os demais integrantes da rede de proteção integral, constituída por executores das políticas sociais, órgãos de proteção e garantia de direitos, operadores da lei e da segurança pública e organismos não governamentais e comunitários que atuam na defesa dos direitos humanos e na emancipação dos sujeitos, de forma a obter maior efetividade nas ações de atenção integral às pessoas com deficiência em situação de violência. Nesse contexto, uma forma de denunciar casos de violação dos direitos humanos contra PCD é por meio do canal de denúncia oferecido pelo Governo Federal, o Disque 100.

  

Qual o papel do estado na prevenção e proteção dessas pessoas com deficiência?

Nicole Mello: No Brasil, a notificação dos casos de violência em serviços de saúde é uma obrigação institucional e não meramente individual, cabendo ao serviço público, aos gestores e aos profissionais a responsabilidade de realizar a notificação compulsória conforme legislação vigente. Cabe também à gestão local definir estratégias de acompanhamento dos casos e suporte aos profissionais. Além disso, dada à natureza multidimensional, respostas eficazes e abrangentes exigem a articulação e integração das instâncias públicas governamentais de setores como: saúde, assistência social, educação, segurança pública, conselhos tutelares, conselhos de direitos, de proteção, de justiça, entre outros, além de organizações não governamentais, do setor privado e da sociedade civil.

  

Com o estudo, foram evidenciadas propostas de políticas públicas para a prevenção de violência contra pessoas com deficiência?  

Nicole Mello: A violência é um fenômeno complexo e se torna um desafio ainda maior para as pessoas com deficiência, que enfrentam barreiras de diversas naturezas e sofrem todo tipo de discriminação, preconceito, estigma e opressão. Assim, este estudo possibilitou a sistematização de dados sobre a violência contra pessoas com deficiência e a caracterização de aspectos da vítima, do provável agressor, do evento e do local, de forma a subsidiar políticas públicas no combate à violência contra pessoas com deficiência, além de apoiar ações de conscientização da sociedade, dos profissionais de saúde e dos gestores públicos.

 

Nicole Freitas de Mello é autora da dissertação “Violência contra pessoas com deficiência: Notificações realizadas por serviços de saúde brasileiros, 2011 a 2017”, defendida em 13 de março de 2020, com orientação da professora Leonor Maria Pacheco Santos.

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