Fala aê, mestre: o novo conceito de farmácia como estabelecimento de saúde

Fernando Pinto 22 de janeiro de 2021


O mestrado profissional possibilita aproximar a rotina de trabalho da pesquisa científica. E foi com esse foco que Tatiana Jube, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ingressou no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Fiocruz Brasília, em 2018. Na época, Tatiana trabalhava na captação de evidências para subsidiar uma decisão da Agência: a necessidade ou não de atualizar a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 44/2009, que trata do funcionamento de farmácias e drogarias, nos aspectos relacionados aos serviços de saúde prestados nesses estabelecimentos. O texto propositivo para alteração da norma na parte de serviços de saúde foi submetido à consulta pública no segundo semestre de 2020. A análise das contribuições terá início agora em 2021.

 

No processo de captação de evidências, uma das estratégias utilizadas foi a consulta às vigilâncias sanitárias municipais, com o objetivo de identificar as ações que elas realizavam em relação aos serviços de saúde em farmácias comunitárias. “Achei importante que os achados dessa consulta fossem divulgados em um trabalho acadêmico, registrando um conteúdo que pode servir tanto para a própria vigilância sanitária quanto para outros atores envolvidos no tema a refletirem sobre a farmácia como estabelecimento de saúde”, explica Jube. Ela contou mais sobre esse trabalho na entrevista da série de divulgação científica “Fala aê, mestre”.

 

O que é farmácia comunitária?  

Tatiana Jube: Farmácia comunitária é uma terminologia utilizada mundialmente para designar farmácias que atendem o público oferecendo não só medicamentos e outros produtos, mas também serviços de saúde. Incorporar essa definição no estudo teve como propósito localizar de quais farmácias estamos tratando, uma vez que, no Brasil, há diferenciação desses estabelecimentos dependendo de sua finalidade econômica e assistencial, como farmácia de manipulação, farmácia sem manipulação (ou drogaria) e farmácia hospitalar, por exemplo.

 

Qual o papel da vigilância sanitária em relação aos serviços de saúde em farmácias comunitárias?  

Tatiana Jube: A vigilância sanitária realiza ações para identificar, mitigar ou prevenir riscos no uso de produtos e serviços pela população. Atua não só nas inovações, mas no monitoramento de produtos e serviços já reconhecidos na rotina das pessoas. No caso específico da farmácia, há diferentes fatores observados, pois ela é um local de venda de produtos regulados (medicamentos e cosméticos, por exemplo) e também de serviços de saúde, como administração de medicamentos e vacinas, realização de testes para aferição de glicose e outros parâmetros, e assistência farmacêutica.


O que a consulta às vigilâncias sanitárias municipais mostrou?  

Tatiana Jube: A fiscalização das atividades definidas na RDC nº 44/2009, como a administração de medicamentos e a assistência farmacêutica voltada ao consumo racional de medicamentos, é reconhecida como atribuição da vigilância sanitária em relação às farmácias. Contudo, atividades não contempladas na RDC nº 44/2009, como vacinação, realização de curativos e aferição de outros parâmetros além da glicose, já são realizadas por parte das farmácias. Na visão das vigilâncias sanitárias municipais respondentes, elas não teriam como atribuição fiscalizar – e as farmácias não deveriam realizar – outras atividades além das estabelecidas pela Resolução, embora, na prática, isso já esteja ocorrendo. A pesquisa foi respondida por 2/3 das capitais do Brasil, compreendendo 349 vigilâncias sanitárias municipais, representadas por agentes da vigilância sanitária que trabalham com farmácias e drogarias, entre técnicos e gestores. Que agrupadas perfazem uma população de mais de 45 mil habitantes atendidas por estas vigilâncias sanitárias.


No estudo, você cita a delimitação das atividades de saúde em farmácias como um desafio para a vigilância sanitária. Por quê?   

Tatiana Jube: O principal desafio é reconhecer a farmácia – que atende diretamente o usuário do medicamento – como um serviço de saúde, sendo que durante muitos anos esse estabelecimento foi visto apenas pela ótica da distribuição de medicamentos aos usuários, muitas vezes sem a presença do farmacêutico, como determina a lei. Mesmo com os esforços dos profissionais farmacêuticos para realizar a assistência farmacêutica, frequentemente, a consulta é feita com ênfase no produto e em suas características, como preço e eficácia, e não com foco no paciente. Como consequência, a vigilância também tende a olhar mais para o produto do que para os processos do serviço prestado. Há uma demanda de capacitação dos trabalhadores que prestam esse serviço e ela deve ser observada pelos conselhos profissionais. Esse ponto facilitaria a identificação do que é realmente atividade de vigilância sanitária. 

 

Tatiana de Almeida Jube é autora da dissertação “O novo conceito de Farmácia da Lei Federal nº 13.021/2014 nas ações de Vigilância Sanitária sobre Farmácias Comunitárias: Uma análise dos resultados de uma consulta nacional”, defendida em 24 de agosto de 2020, com orientação do professor Jorge Otávio Maia Barreto.

 

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