Evidências qualitativas devem informar agendas políticas, diz especialista

Nathállia Gameiro 11 de outubro de 2019


Nathállia Gameiro 

As evidências qualitativas podem ser utilizadas em diversas áreas e ainda humanizar políticas e programas. É o que tem mostrado o QE Symposium, I Simpósio sobre o Uso de Evidências Qualitativas para Decisões Informadas na Era dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: novas fronteiras e inovações.

O evento tem abordado temas como educação, meio ambiente, clima e governança e termina hoje,  sexta-feira, 11 de outubro, na Fiocruz Brasília, com oficinas, plenárias e sessões e a participação de pesquisadores de 26 diferentes países. Na manhã do segundo dia do evento, o painel Humanising policies and programmes – the roles of qualitative evidence, apresentou a perspectiva do pesquisador, do legislador e da sociedade civil.

A professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília Fernanda Sobral explicou que o contexto sócio-político influencia a prática científica e que a ciência consegue resolver problemas da sociedade por ajustar interesses cognitivos e sociais. “Se a produção do conhecimento deve envolver o público interessado, as políticas públicas devem fazer o mesmo e também envolver o conhecimento científico e o conhecimento leigo”, destacou Sobral. Ela apresentou formas de contribuição dos estudos sociais em ciência e tecnologia para avaliação e elaboração de políticas públicas na evidência qualitativa, utilizando a investigação das condições sociais, culturais, regionais e as condições institucionais da produção de conhecimento.

O uso das evidências qualitativas pode também informar agendas políticas e viabilizar o desenvolvimento de políticas públicas. A chefe do Departamento de Pesquisa no Parlamento de Malawi (sudeste da África), Velia Manyonga, apresentou como sua equipe tem gerado evidências para o Congresso de seu país usar nas reuniões das comissões parlamentares e durante os debates na Câmara e como esse uso pode ajudar os países a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 

Manyonga afirmou que as evidências qualitativas têm o papel de apoiar pesquisas efetivas e informar políticas, fornecer conhecimento prévio, credibilidade e equilíbrio, subsidiar hipóteses e visões, além de formar opiniões. Por isso a importância de seu uso no parlamento, na formulação e supervisão de leis e para maximizar recursos limitados, já que sem comprovações científicas os recursos poderiam ser alocados em setores inadequados.

Um dos desafios levantados por ela foi a quebra do muro entre formuladores de políticas e pesquisadores, que muitas vezes não trabalham juntos. “Poucas pessoas usam as evidências para tomada de decisões”, ressaltou. Por isso ela desenvolveu diretrizes para o uso de evidências. Manyonga lembrou também que os pesquisadores podem buscar apoio da sociedade, que está procurando oportunidades para que suas voz seja ouvida.

O pesquisador do Centro de Estudos para a Equidade e Governança nos sistemas de saúde da Guatemala, Walter Flores, apresentou o trabalho que realiza com uma comunidade indígena localizada em uma área rural, que envolve entrevistas em busca de informações sobre equipamentos ou insumos em falta no sistema de saúde, possíveis discriminações que podem ter sofrido em um atendimento em unidades de saúde ou algum pedido de pagamento ilegal pelo serviço prestado.


Os usuários de serviços públicos são os voluntários do projeto e utilizam rádio para informar as comunidades sobre seus direitos, sinalizam as unidades de saúde com informações sobre campanhas de vacinação, exibem publicamente exemplos de violação de direitos e realizam encontros com parlamentares, ministros e autoridades para apresentar as demandas da sociedade e as evidências coletadas. “Com as entrevistas, pudemos identificar o que precisa ser melhorado no serviço e empoderar a população indígena. Os vídeos e fotografias se mostraram poderosas evidências factíveis e aceitáveis para as autoridades”, contou Walter.

Iniciativas

O mundo passa atualmente por mudanças climáticas que influenciam diretamente a saúde da população. Além disso, as riquezas estão cada vez mais concentradas nas mãos de poucas pessoas e há ainda número cada vez maior de pobreza e fome. A Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável buscam mudar esse cenário mundial.

Para o pesquisador da Fiocruz e integrante da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030, Guilherme Franco Netto, o entendimento da relação entre saúde e sustentabilidade é um desafio para a ciência, para as autoridades públicas e para a sociedade. A Agenda 2030 é uma das prioridades da Fiocruz e se configura como uma possibilidade importante para agregar temas como o uso de evidência qualitativa para a tomada de decisão.

Netto apresentou as iniciativas da Fiocruz que utilizam informações produzidas por usuários e instituições para basear pesquisas e tomadas de decisão, como o Centro de Informação em Saúde Silvestre (CISS), espaço virtual destinado ao tema saúde silvestre e humana; o Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, que apresenta os territórios onde riscos e impactos ambientais afetam diferentes populações, tornando públicas as vozes que lutam por justiça ambiental e frequentemente são discriminadas e invisibilizadas; e o projeto de governança territorial para saúde e desenvolvimento sustentável, que analisa a saúde e dá voz aos moradores da Cidade Estrutural, bairro do Distrito Federal que por muitos anos abrigou o segundo maior lixão da América Latina.

Outra plataforma é o Observatório de Clima e Saúde, que incluiu informações sobre as ocorrências de mudanças climáticas extremas por estados, cidades, unidades de saúde e a situação da água, dos vetores de doenças, e das vítimas (mortos, desalojados, desabrigados, levemente feridos, gravemente feridos ou enfermos). O Observatório acompanha a evolução das queimadas e seus efeitos sobre a saúde das populações na Amazônia e no Cerrado e permitiu a realização de estudo que identificou que as queimadas na Amazônia dos últimos meses dobrou o número de internações de crianças por doenças respiratórias, impactando diretamente no SUS.

O médico canadense, diretor do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para Políticas Informadas em Evidências e diretor do Fórum de Saúde da Universidade McMaster, John Lavis, destacou que a evidência qualitativa e quantitativa pode ajudar a resolver problemas e encontrar resultados e que o processo de uso dessas evidências precisa ser institucionalizado. “A equipe precisa olhar para os tipos certos de evidências de pesquisa, não as que encontramos no Google”, lembrou. Para Lavis, o engajamento da sociedade civil, para além de formuladores de políticas e pesquisadores, é cada vez mais visto como parte essencial da mistura.

Avaliação

Daniela Rêgo, da Coordenação Geral de Gestão do Conhecimento do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, avalia que o QE Symposium é um marco pois o tema é essencial e peculiar para a saúde no Brasil e no mundo, para a aplicação e descontinuação de políticas públicas, para subsidiar discussões técnicas e identificação das pesquisas necessárias, reverberando na tomada de decisão.

Ela destaca como desafio a integração e institucionalização do uso das evidências, a comunicação dos resultados aos gestores e como a tradução do conhecimento poder ser usado para esse fim.

Confira o vídeo com as apresentações e debates, podcasts e entrevistas no site http://qesymposium.net/login/index.php