Em entrevista, especialista do INI/Fiocruz esclarece sobre chikungunya

Fiocruz Brasília 9 de setembro de 2016


O Chikungunya é uma doença transmitida pelo Aedes aegypti, assim como a Dengue ou a Zika, identificada no Brasil em 2014. Em recente seminário realizado no INI, especialistas divulgaram que é grande a probabilidade de uma epidemia no país em 2017. Além de provocar febre alta e dores musculares, o paciente com Chikungunya apresenta, em geral, dores intensas nas articulações de pés e mãos – dedos, tornozelos e pulsos, que podem até incapacitar a pessoa. Um diagnóstico preciso é fundamental para o tratamento.

Confira, a seguir, a entrevista onde o reumatologista do INI, Roberto Fiszman, esclarece o que é o Chikungunya, seus sintomas e tratamento.

Nós teremos uma epidemia de Chikungunya em 2017?

Roberto Fiszman: Nós temos a possibilidade de uma forte epidemia no verão de 2017 devido às características deste vírus e pelas condições que nosso país oferece para isso. Considerando o histórico de altas taxas de ataque de Chikungunya em populações vulneráveis, como é a nossa, existe esse risco. Pode não acontecer, mas é possível.

O que é a “taxa de ataque”?

Roberto Fiszman: A taxa de ataque é o número de pessoas que são afetadas numa determinada população exposta a um agente, em um determinado período de tempo. Diferentes organismos têm diferentes taxas de ataque. O Chikungunya possui uma taxa de ataque elevadíssima, afetando entre 20 e 60% da população.

Considerando seu histórico, essa primeira onda que passou no Brasil pode ter sido mais leve no Rio de Janeiro, dentro do que se espera do comportamento do vírus, por isso dizemos que existe o risco de uma epidemia em breve.

A história do vírus começa no continente africano há muitos séculos. As pessoas que para lá viajaram e se infectaram, acabaram levando o vírus para outros lugares em condições favoráveis de transmissão. A partir da década de 50 começam a aparecer relatos de surtos e epidemias na África e Ásia, em especial na Índia, onde ocorreram epidemias em 2005 e 2006. De 2013 em diante houve uma expansão ainda maior. A cepa asiática do Chikungunya chegou via América Central e de lá para o norte do Brasil (2014). A cepa africana chegou em nosso país por Feira de Santana, na Bahia.

Qual é a previsão de número de casos para o Rio de Janeiro?

Roberto Fiszman: Se dissermos que o Chikungunya vai ter uma taxa de ataque de 20% na nossa cidade, considerando que temos seis milhões de habitantes, são 1.2 milhões de pessoas com o vírus. É um número muito grande para uma doença muito agressiva.

Essa estimativa se deve à vulnerabilidade da população a um novo vírus?

Roberto Fiszman: Sim, essa é uma questão relevante e sempre acontece. A pandemia de gripe ocorreu porque era um vírus novo e o mesmo aconteceu na Zika. Nesse sentido, o Chikungunya é outro vírus novo, mas ele tem uma característica mais agressiva em relação ao número de pessoas que consegue atingir em uma determinada população.

O Chikungunya é mais grave que a dengue?

Roberto Fiszman: Dengue também é muito ruim e é importante ressaltar que sempre vamos abordar o paciente clinicamente, na sala de emergência, como se ele tivesse dengue. Essa é a regra.

Na ausência de um laboratório na ponta, capaz de dar uma resposta imediata, a ordem é tratar como dengue, porque sua linha de cuidado já é de conhecimento de todas as equipes de saúde. Quem estiver bem clinicamente receberá orientações e medicamentos para controle dos sintomas e explicações quanto aos sinais de alarme. Esses sinais de alarme são iguais para todas essas doenças (Dengue, Zika e Chikungunya): vômito e/ou diarreia, impossibilidade de hidratar-se e/ou nutrir-se adequadamente, dores abdominais, petéquias (pequenos pontos vermelhos no corpo – na pele ou mucosas, causados por uma pequena hemorragia de vasos sanguíneos) ou sangramento. Um quadro clínico geral em piora constante também é considerado um sinal de alerta.

Temos que olhar para a pessoa doente, procurar sinais de alerta e cuidar para que sua saúde imediata se restabeleça. Depois da fase aguda, aí sim, teremos condições de avaliar o que está acontecendo e discutir um novo plano terapêutico para o paciente.

Como é feito hoje o diagnóstico de Chikungunya quais são os principais sintomas?

Roberto Fiszman: O Chikungunya é tipicamente uma doença febril aguda acompanhada de artrite, exantema (aparecimento de erupções cutâneas vermelhas em uma região específica ou por todo o corpo causadas por infecções ou efeito colateral de medicamentos) e muita dor. No entanto, as apresentações clínicas têm grande variação. A pessoa pode ficar doente de Chikungunya de uma forma totalmente igual ao da Dengue. A manifestação clínica não é suficiente para a gente afirmar que doença ela vai ter de primeira. Em geral, o médico analisa os sintomas comuns de cefaleia, mialgia (dor muscular), etc. Isso entrou em nossa cultura. A gente sabe os sintomas da Dengue, só que podem ser também da Zika ou do Chikungunya.

O Chikungunya possui algumas questões características. A proporção de pessoas assintomáticas, quando infectadas, é baixa, menos de vinte por cento, comparando com Zika que pode ter 80% de casos assintomáticos. Vamos suspeitar do Chikungunya de imediato em quem tiver artrite, porque a grande diferença dele para as outras arboviroses é essa.

O Chikungunya pode comprometer todas as articulações, sejam pequenas ou grandes, podendo acometer a coluna vertebral também. É importante destacas que as articulações previamente danificadas têm maior chance de dano viral. Pessoas com história de LER (Lesões por Esforço Repetitivo), tendinites de repetição, síndrome do túnel do carpo, também podem ser afetadas.

Após consultar o médico é necessário fazer um exame laboratorial?

Roberto Fiszman: Essa foi uma das questões abordadas no Seminário do INI, em 16 de agosto. Não temos, no país, laboratórios suficientes para atender a demanda de exames. A rede privada dispõe de laboratórios para isso, mas também não será capaz de suprir toda a necessidade.

Clinicamente falando, a pessoa pode fazer o exame de sangue em até cinco ou sete dias, que é o isolamento através de Polymerase Chain Reaction(PCR), que detecta o vírus com precisão molecular. Existe também a sorologia para o vírus, que é feita após o tempo do PCR. O tempo de fazer o PCR é quando o vírus está no sangue. Depois que o vírus não está no sangue é que fazemos a sorologia. Uma questão é que a sorologia não possui uma boa acurácia.

Os laboratórios de saúde pública não estão preparados para lidar com um volume tão grande de amostras, em especial quando alguma incorporação tecnológica é necessária.

Quais são as dificuldades tecnológicas no uso da sorologia?

Roberto Fiszman: São testes novos e precisam ser validados com a nossa população. Esse é um trabalho em que se propõe um desenho específico para uma comparação entre os resultados do padrão ouro (PCR) e a sorologia.

A validação pressupõe encontrar uma população com Zika, Chikungunya e Dengue, aplicar o PCR, que é o padrão, e em seguida a sorologia. O PCR e a sorologia precisam apresentar a mesma informação. Atualmente a sorologia ainda é imprecisa.

Quanto tempo dura a fase aguda do Chikungunya?

Roberto Fiszman: A fase aguda da doença dura de alguns dias a algumas semanas. Nosso problema é a fase crônica, que começa na sexta semana, porque quem está livre da artrite até esse momento ficará sem artrite. Pode haver alguma variação nesse tempo de acordo com cada indivíduo. Os sintomas podem durar seis meses, um ano, dois ou mais. Muitas coisas ainda precisam ser esclarecidas nessa doença.

Como é feito o tratamento?

Roberto Fiszman: O tratamento da fase aguda é feito com controle dos sintomas, sem anti-inflamatório, nem corticoide. É muito importante que o cuidado seja baseado no que está acontecendo com quem está doente, porque existem determinadas pessoas que não devem tomar tipos específicos de medicamentos. O tratamento deve ser prescrito com base na história clínica do paciente. A partir da fase crônica temos três alternativas gerais: anti-inflamatórios não-hormonais (AINH), corticoides ou metotrexato (medicamento utilizado no tratamento de artrites reumatoides).

Essa é a recomendação padrão para tratamento de Chikungunya?

Roberto Fiszman: uma das mensagens do Seminário sobre Chikungunya, transmitida pela Vice-Diretora de Qualidade e Informação do INI, Marilia Santini, foi a necessidade de se fazer estudos sobre o uso da medicação, que é uma coisa que não temos. Por exemplo, o uso de corticoides na fase aguda da doença não é recomendado. Em Feira de Santana, na Bahia, corticoides foram ministrados extensivamente na fase aguda, sem controle, em doentes com Chikungunya. Um estudo de caso controle serviria para entendermos melhor isso e assim poder propor um ensaio clínico. Faltam, com relação ao Chikungunya, um melhor diagnóstico e uma melhor capacitação profissional para enfrentarmos a doença.

Pessoalmente, discordo das definições e das práticas que têm sido feitas com relação ao Chikungunya. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) consideram a doença como crônica após três meses. Na minha experiência, seis semanas são suficientes para dizer que ela é crônica. O argumento da OMS e do MS é que o tratamento não precisa ser tão agressivo para tratar algo com essa duração. O meu argumento é outro: meses nessas condições impactam muito a vida do paciente. Alguém que trabalha, por exemplo, e tem Chikungunya, precisa parar. É um impacto muito grande na saúde mental, física e laboral.

O Chikungunya deixa alguma sequela?

Roberto Fiszman: Em geral, não. No entanto, como acomete articulações já fragilizadas, pode piorar a situação do paciente. Existem casos de neurite grave e incapacitante (lesão inflamatória ou degenerativa dos nervos). Foram descritos, mais raramente, casos de miocardite, mielite, meningite, hemorragia, entre outros. Algo que chamou à atenção é que estamos observando casos graves em crianças, o que não esperávamos que ocorresse.

Finalmente, muitos ficam deprimidos, aparecem com fibromialgia, perdem o emprego e têm dificuldades depois. É uma doença com uma carga psicossocial muito alta.

Mas a previsão é de que essa onda de Chikungunya diminua?

Roberto Fiszman: Teoricamente sim, isso vai amenizar um dia. Mas não é o que a gente espera de imediato por conta do histórico do vírus e sua alta taxa de ataque.

Frente a esse possível surto, o que a população deve fazer?

Roberto Fiszman: A prevenção do Chikungunya é a mesma para todas as arboviroses: combater o mosquito Aedes aegypti. É evidente que se a pessoa puder se proteger, usar repelentes, indo além de combater o mosquito, melhor para ela e para todos. Um detalhe de excepcional importância, que é esquecido com frequência, é passar repelente em quem está doente.

Além disso, precisamos muito integrar todos os recursos do nosso sistema de saúde para trabalhar da melhor forma possível, atuando na Atenção Primária, e temos que nos preparar para o pior, mesmo sabendo que isso não necessariamente irá acontecer. Devemos estar preparados para fazer o melhor pela população.

Ficar doente de Chikungunya não significa dizer que a pessoa ficará sem tratamento e não terá melhoras. Existe tratamento e existe melhora e isso é importante para que as pessoas não desanimem só de ouvir o diagnóstico. Existe tratamento e as pessoas, de fato, melhoram. O tratamento faz toda a diferença.

Existem muitos desafios no enfrentamento dessa doença. Primeiro, temos que admitir nossa ignorância em relação a esse agente. Tudo é novo. O segundo problema é com relação à estrutura que temos para diagnóstico, tratamento e organização do sistema. Então, quanto antes nós nos preocuparmos com isso e trabalharmos para integrar esses recursos, melhor.