Diretora da Fiocruz Brasília destaca ensino remoto e suporte emocional no I Encontro Enagro

Fernanda Marques 28 de agosto de 2020


Fernanda Marques

 

A educação em tempos de pandemia exige a mobilização de recursos não só tecnológicos, como também emocionais. O desafio é usar com criatividade a rede tecnológica para a sustentação de uma rede de apoio social, uma rede virtual que não diminua os afetos e interações. Esse desafio foi abordado pela diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, durante o I Encontro Enagro: Construindo Soluções de Aprendizagem para Novos Tempos, na tarde desta quinta-feira (27/8). Organizado pela Escola Nacional de Gestão Agropecuária (Enagro), que celebra cinco anos, o evento online reuniu diferentes especialistas para discutir o impacto da Covid-19 na educação e a necessidade da gestão do conhecimento nas instituições públicas. A íntegra do Encontro pode ser acessada aqui.

 

Na mesa-redonda “Educação para tempos de crise: suporte emocional”, Fabiana apresentou a experiência da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, onde alunos e professores foram chamados a uma nova configuração dos processos de trabalho. “Em março, tivemos a suspensão abrupta das aulas presenciais e um tempo curto para criar estratégias de enfrentamento e condições de manutenção das atividades educacionais. Mas, com essa experiência, passamos de uma ação emergencial, no primeiro semestre, para uma situação mais planejada, agora no segundo semestre”, avaliou a diretora.

 

Nesse contexto, as interações com estudantes e professores – para conhecer os cenários de acesso à internet e aos equipamentos, e acompanhar as condições de saúde física e psíquica – foram fundamentais. Grupos de apoio, suporte psicológico e emocional, capacitação nas diferentes plataformas tecnológicas, espaço para esclarecimento de dúvidas, reuniões de trabalho mais frequentes: diferentes estratégias remotas foram adotadas para garantir oportunidades de troca e convivência. “E também para assegurar a permanência em sala de aula, mesmo que virtual, compreendendo a importante relação entre ensino e trabalho. Muitos de nossos alunos são trabalhadores da saúde que continuam na linha de frente do cuidado à população”, destacou Fabiana.

 

A diretora lembrou, no entanto, que um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet, e que as desigualdades têm impacto direto na forma com as pessoas sofrem os efeitos da pandemia. “A gente se pergunta como será a atividade docente no pós-pandemia. Mas é necessário viver o presente e focar nos problemas que precisamos resolver agora”, afirmou.

 

Para Andrea Giulietti, psicóloga da Enagro, a crise pode ser uma oportunidade. “Na normalidade ‘conhecida’, a gente se acostuma. Na dificuldade, como já dizia Freud, a gente consegue criar”, comentou, durante a mediação da mesa, que também teve participação do doutor em Direito Ricardo Lins Horta, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De acordo com Ricardo, para que as equipes continuem funcionando, é preciso cuidar do emocional. No currículo dos cursos, especialmente no ensino virtual, além do cognitivo, deve haver espaço para que as pessoas sejam estimuladas a falar sobre suas emoções. “Estratégias para chamar atenção e engajar as pessoas são essenciais, mas sem ilusões de controle. Controle é bem menos eficaz do que motivação”, pontuou.

 

Rapidez com qualidade

No painel “Soluções do agora e do depois”, a coordenadora-geral de Desenvolvimento de Cursos da Diretoria de Desenvolvimento Profissional da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Fabiany Glaura, explicou o que é ensino remoto. “É uma alternativa possível para fornecer acesso emergencial à capacitação, para que os serviços não parem, porque eles são essenciais. Não é uma réplica do ensino presencial nem é ensino à distância. É uma adaptação temporária”, disse.

 

O planejamento do ensino remoto, portanto, precisa ser rápido e de qualidade. Ele pode aproveitar recursos e possibilidades do ensino à distância, mas é um equívoco tentar reproduzir o presencial no remoto. “É necessário um replanejamento. Aulas e apresentações longas não funcionam. Não conseguimos ficar horas na frente de um computador captando todas as informações que estão sendo apresentadas. Excessos e redundâncias devem ser retirados dos eventos remotos”, aconselhou, lembrando que, conforme o planejamento, passada a emergência, alguns cursos podem continuar sendo oferecidos remotamente.

 

Para um curso remoto, é necessário definir o que reduzir, o que excluir (temporariamente), o que fazer nos momentos síncronos (ao vivo) e assíncronos (em que cada um realiza a atividade no seu tempo). “As capacitações devem mais focadas, valorizando metodologias ativas nos momentos síncronos”, pontuou a coordenadora.

 

No modelo ROPES, apresentado por Fabiany, uma capacitação se divide em cinco etapas: Review (revisão), Overview (visão geral), Presentation (apresentação), Exercise (exercício) e Summary (resumo). A revisão, que dura de 5 a 10% do tempo do curso, revisita o que os participantes já sabem sobre o assunto. Já a visão geral do que será abordado na capacitação ocupa de 10 a 15% do tempo. E esses dois momentos – revisão e visão geral – devem ser síncronos, para engajar e motivar as pessoas. De 25 a 35% do tempo é dedicado aos novos conteúdos, na apresentação, que pode ser feita de modo assíncrono, por meio de vídeos, podcasts e leituras. Em seguida, vem o exercício, que pode durar até metade do curso, momento síncrono em que se coloca em prática as informações da etapa anterior. “A atividade é remota, mas pode usar metodologias em que as pessoas interagem em pequenos grupos”, frisou a palestrante. Nos últimos 5 a 10% do tempo, faz-se o resumo, que pode ser síncrono ou assíncrono, e consiste em um apanhado de tudo o que foi realizado no evento de capacitação.

 

“No momento atual, os ganhos da experiência remota estão relacionados ao modo como as pessoas aproveitaram com criatividade as ferramentas tecnológicas, enfrentando vários desafios”, avaliou Fabiany, destacando que as atividades da Enap chegaram a pessoas que não poderiam vir a Brasília para participar de um curso ou evento. “A transformação digital está acontecendo abruptamente e não pode mais ser deixada de lado. Quando retornarmos ao novo normal, espero que as metodologias ativas continuem sendo muito bem aproveitadas”, acrescentou.

 

Remotização e gestão do conhecimento

O evento contou, ainda, com outras duas mesas. Em “Desafios da remotização para o ensino e a aprendizagem”, Juliana Werneck de Souza, diretora do Centro de Formação, Treinamento e Aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados, e Ruth Schmitz, gerente-geral da Escola do Legislativo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ELE/ALMG), destacaram a importância do cuidado com alunos, professores e toda a equipe, no sentido de oferecer condições e segurança para a realização das atividades. “O momento exige inovação e experimentação. Mas o medo de errar diminui a nossa ousadia. O excesso de prudência pode ter um efeito paralisador”, comentou Ruth. “Você não pode lanchar ou tomar um café junto, mas existem recursos que favorecem a interação. Mas, se você usa todos os recursos ao mesmo tempo, é tanta coisa que pode acabar atrapalhando”, alertou Juliana.

 

A terceira e última mesa abordou “Estratégias de suporte à capacitação: gestão do conhecimento”. Veruska Costa, coordenadora do projeto Gestão do Conhecimento da Enagro, apresentou exemplos práticos de gestão do conhecimento, como a disseminação de um estudo de caso a partir de um aprendizado em serviço, o uso de narrativas, a elaboração de manual e guia, e a construção de base de dados. Brayam Rodrigues, consultor de Inovação em Gestão de Pessoas no Ministério da Economia, comentou algumas recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como a implementação de uma cultura de aprendizagem e a valorização de diferentes abordagens e contextos de aprendizagem, em função do perfil de cada trabalhador.

 

Entretanto, segundo o palestrante, a capacitação não deve ser encarada como a solução de todos os problemas organizacionais. “O desempenho competente é uma cadeira de três pernas”, comparou. Uma delas é o “saber fazer”, ligado à capacitação, mas as outras duas também são necessárias para manter a cadeira de pé: o “querer fazer”, que tem a ver com motivação e metas, e o “poder fazer”, relacionado às condições ambientais. “Não se trata de defender o fim da capacitação, mas de investir também em outras soluções”, disse, salientando, ainda, que as instituições já têm muitos conteúdos e cursos desenvolvidos, e que é preciso repensar a organização e o acesso a eles, de modo a potencializá-los.

 

Participaram da abertura do evento a coordenadora-geral da Enagro, Luciana Barbosa; o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Marcos Montes; o presidente da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Diogo Costa; e o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Wagner Lenhart.