Direitos sexuais e reprodutivos em tempos de Zika

Fiocruz Brasília 12 de julho de 2017


De acordo com o Ministério da Saúde, de fevereiro até dezembro de 2016, o Brasil teve 214 mil casos de Zika e cerca de 11 mil infecções comprovadas em gestantes. Pernambuco foi o estado onde houve mais notificações de Zika e microcefalia, e, após o surto, Recife ainda teve que enfrentar uma infestação do vírus da febre chikungunya, também transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. Foi diante deste cenário que em setembro de 2016, a Organização Não-Governamental (ONG) Gestos: Soropositividade, Comunicação e Gênero em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) criou o projeto “Mulheres fortalecidas na comunidade dos Coelhos para lidar com seus direitos sexuais e reprodutivos em tempos de Zika”.

Segundo a coordenadora do projeto, Juliana Cesar, na época, os dados do Levantamento de Índice Rápido para o Aedes aegypti (LIRAa) mostravam que o bairro dos Coelhos, localizado na área central do Recife, tinha a maior estimativa de infestação pelo vetor da dengue e que ele ainda fazia fronteira com outros bairros também infestados pelo mosquito. “A situação era bastante crítica”, lembrou Juliana.

Como a ONG já atuava na região, Juliana conta que o trabalho de mobilização com a comunidade foi mais fácil. “Não éramos apenas uma organização que chegou na região, fez um trabalho e foi embora, pois já tínhamos construído uma relação sólida com os moradores, então, nossa primeira atividade foi fazer um levantamento social. Visitamos as associações de moradores, as unidades de saúde e outras organizações do bairro e durante esses encontros falávamos sobre a nossa intenção de formar um grupo de mulheres e colocar o projeto em prática”, explicou.

Durante o processo de mobilização, quatro Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) relataram dificuldades para esclarecer as dúvidas da comunidade a respeito das arboviroses e passaram a integrar o grupo de articuladoras composto por 20 mulheres. “Ao longo de dois meses, essas mulheres atuaram como multiplicadoras e passaram os conteúdos de formação para aproximadamente 900 outras pessoas. Debatemos sobre questões de gênero, justiça social, raça negra e sobre o direito da mulher de viver livremente a sexualidade sem violência e de escolher se quer ou não ter relação sexual”, destacou.

Para Juliana era fundamental que a comunidade compreendesse que os determinantes sociais também interferem no processo saúde-doença. “Além de passarmos a contar com agentes comunitárias mais qualificadas e preparadas, percebemos que as mulheres se sentiram mais empoderadas e com mais habilidades para atuarem na comunidade. Elas também mudaram o olhar sobre questões sociais e culturais que interferem diretamente na vida da comunidade”, salientou.

Na Bahia, mais precisamente no bairro de San Martin, em Salvador, três mulheres: Azânia Leiro, Marta Leiro e Simone Alves também desenvolveram um projeto sobre direitos sexuais e reprodutivos. Intitulado de “Se tem mulher, tem luta: todas contra o Zika”, a iniciativa foi realizada dentro do Programa de Promoção à Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos desenvolvido pelo Coletivo de Mulheres do Calafate, ONG criada em 1992 com a proposta de ser um espaço onde as mulheres pudessem discutir os problemas relacionados ao seu cotidiano, principalmente sobre a violência doméstica.

De junho a setembro de 2016, o Coletivo de Mulheres do Calafate dividiu a comunidade em oito áreas, cada uma contando com uma mobilizadora comunitária que era moradora da própria localidade. Segundo a apoiadora da coordenação do projeto, Marta Leiro diversos encontros de formação e integração foram realizados com as mulheres da comunidade. “Durante esses momentos, conseguimos aplicar um questionário, divulgar informações educativas, realizar escuta e aconselhamento, ações educativas, oficinas com gestantes, cine saúde e palestras nas escolas”, contou Marta.

De acordo com Marta, o assunto que a comunidade mais gostou de falar foi o sobre direitos sexuais e reprodutivos numa perspectiva de gênero e a importância sobre o direito à informação. “O mais difícil de abordar foi o direito ao aborto, devido à presença forte das igrejas evangélicas e as próprias concepções conservadoras de uma sociedade fundamentada no patriarcado”, afirmou.

Marta também destacou que as atividades proporcionaram uma maior mobilização na comunidade, não somente em relação ao tema abordado pelo projeto, mas com questões sociais tratadas pelo Coletivo de Mulheres do Calafate, como enfrentamento à violência contra as mulheres. “O projeto fortaleceu ainda a relação social entre as mobilizadoras, que se integraram e trocaram experiências durante os encontros de formação e isso impactou no fortalecimento do grupo”, enfatizou.

Essas e outras iniciativas fazem parte da programação da Feira de Soluções para a Saúde – Zika, que será realizada de 8 a 10 de agosto no Cimatec em Salvador, BA. Clique aqui (www.feirazika.unb.br) para conhecer o site da Feira, que traz as experiências já cadastradas e fazer sua inscrição.