Covid-19: Proposta voltada à cidade Estrutural é selecionada em chamada pública para ações junto a populações vulneráveis

Fernanda Marques 13 de maio de 2020


Fernanda Marques

 

A Fiocruz divulgou, nesta segunda-feira (11/5), o resultado final da “Chamada Pública para Apoio a Ações Emergenciais Junto a Populações Vulneráveis”. Entre as ações selecionadas, está “A construção de capacidades sociais para o enfrentamento da pandemia e suas consequências nos territórios”, proposta por estudantes do Curso de Especialização em Governança Territorial para o Desenvolvimento Saudável e Sustentável, realizado pela Fiocruz Brasília em parceria com o Instituto Federal de Brasília (IFB). O trabalho terá início na cidade Estrutural, região administrativa do Distrito Federal com os piores índices socioeconômicos, pretendendo-se ampliá-lo para outras regiões. O Curso de Especialização integra o Projeto Estrutural Saudável e Sustentável, realizado pela Fiocruz Brasília, desde 2018, em conjunto com o IFB, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, a Universidade de Brasília (UnB) e a comunidade local.

 

Dividida em três eixos – fortalecimento de arranjos produtivos solidários, comunicação e mobilização comunitária, e interação digital, a proposta selecionada tem como objetivo geral ativar e fortalecer comitês locais para o enfrentamento da covid-19 e de suas consequências após a pandemia. “A oportunidade é aplicar uma metodologia inovadora de empoderamento social”, resume o coordenador do Curso, Wagner Martins, professor e pesquisador da Fiocruz Brasília, atual coordenador de Gestão Estratégica da instituição. Mobilizando e organizando pessoas, movimentos sociais e instituições, a proposta associa as medidas preconizadas pelas autoridades sanitárias para a contenção da covid-19 com atividades produtivas que atendam às necessidades básicas de geração de emprego e renda, indicadas pela própria população do território. A continuidade e a ampliação das ações de economia solidária são de fundamental importância durante e após a pandemia.

 

“A covid-19 no Brasil revela nossos desafios históricos e estruturais mais profundos. As desigualdades abissais, o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e políticas públicas sociais excludentes são as principais barreiras para quem precisa sobreviver ao coronavírus. Como resultado da pandemia, as condições de saúde, moradia, trabalho e educação serão ainda mais fragilizadas nas populações em situação de vulnerabilidade, como no caso da Cidade Estrutural”, analisa Lara Borges, aluna representante da turma do Curso de Especialização. “Com inteligência cooperativa, as iniciativas do projeto serão fundamentais para a mitigação dos danos e para a construção de soluções que sejam efetivas para o território. Uma das ações é o empoderamento da população em uma rede que permitirá que os esforços da comunidade sejam direcionados e fortalecidos na busca por um território saudável e sustentável pós-pandemia”, completa a estudante.

 

A partir da rede de atores sociais e técnicos de diversas áreas – atenção primária à saúde, vigilância em saúde e assistência social, o projeto prevê coleta e análise de dados para produzir subsídios científicos às decisões e ações integradas e participativas no território. “A interação entre atores sociais e técnicos possibilita o fortalecimento da governança das políticas públicas, por meio do intercâmbio de saberes, permitindo desenvolver estratégias locais de forma cooperativa para a tomada de decisões para a melhoria das condições de vida”, afirma Sheila Lima, mestranda da Escola de Governo Fiocruz – Brasília e participante do projeto.

 

Resultados esperados

O projeto prevê sete objetivos específicos. Um deles é implementar comitês por meio da conexão de pessoas, movimentos sociais e instituições que realizam ações de solidariedade no território, criando-se uma plataforma de interação digital. A partir de uma cartografia digital, serão mapeadas as áreas de vulnerabilidade e identificados os pontos para a realização das ações de solidariedade, em parceria com os serviços públicos de saúde e de assistência. “O diálogo com os serviços públicos é fundamental. A priorização do público que será atendido de imediato se baseará nas indicações feitas pelos serviços de saúde e de assistência, que já possuem um cadastro e fazem acompanhamento perene da população”, comenta Carol Soares, professora do IFB e moradora da Cidade Estrutural.

 

Outro objetivo se refere ao fortalecimento da economia solidária, reunindo moradores já capacitados e qualificando outros para a produção de máscaras caseiras e sabão, que serão distribuídos no território. Para armazenar o sabão líquido, será promovida campanha de arrecadação de embalagens plásticas PET. “Espera-se um impacto de grande dimensão, levando-se em conta que é uma comunidade carente, onde as pessoas, muitas vezes, não possuem nem o mínimo para sua higiene pessoal. Essa ação vai gerar emprego, renda e acesso a produtos de fundamental importância no combate à covid-19, contribuindo para salvar vidas”, avalia Joelma Fernandes da Silva, moradora da Cidade Estrutural, estudante do Curso de Especialização e uma das autoras do projeto. “Planejamos fazer parcerias com a comunidade e com restaurantes locais para arrecadar o óleo, reduzindo o custo de produção do sabão”, completa.

 

Há também objetivos relacionados às estratégias de comunicação para conscientizar e engajar os envolvidos, bem como à distribuição de alimentos e à arrecadação de recursos para a sustentabilidade do projeto. Este será executado pelo Movimento de Educação e Cultura da Estrutural (Mece), por meio do Banco Comunitário, com a criação do Fundo de Resiliência Solidária para aplicar os recursos de forma transparente e cooperativa. “O Banco Comunitário funciona por meio de um conselho gestor composto por grupos da Cidade Estrutural. A captação para o Fundo deverá ser discutida com todos, traçando diretrizes para reforçar as linhas de crédito para moradia, produção e emergências, além da possibilidade de criação de novas linhas, voltadas, por exemplo, a mulheres e estudantes”, afirma Deusanir Noleti, aluna do Curso e moradora da Estrutural, onde coordena o Centro de Memória.

 

Entre os objetivos, destaca-se ainda a organização de uma Sala de Cooperação Social, em formato de telessuporte, para o compartilhamento de informações técnicas, científicas e sociais a respeito da pandemia, com foco nas condições de vida da população local e em articulação com a Sala de Situação da Secretaria de Saúde do DF. Soma-se a isso o objetivo de integrar ao projeto atividades de ensino, pesquisa e extensão das instituições acadêmicas parceiras.

 

Ao aproximar alunos, docentes e atores populares, o projeto visa favorecer a busca sistemática de evidências sobre temas necessários para as ações no território, bem como respostas rápidas que orientem a atuação dos comitês locais no enfrentamento da covid-19. De acordo com o projeto, “a ciência aberta se caracteriza pela inserção de contribuições de atores de fora do mundo científico ao processo produtivo da ciência, ou seja, a sociedade participa desde a formulação da pergunta até a avaliação do impacto societal do conhecimento gerado”. Para o coordenador Wagner Martins, “a proposta servirá como modelo a ser aplicado em outros territórios vulneráveis do DF”.

 

Fotos: acervo do projeto