Coronavírus: quanto mais rápida a atuação também em saúde mental, melhores os resultados

Fernanda Marques 27 de março de 2020


Fernanda Marques

 

Às vezes, até parece que é um filme e que não está acontecendo realmente. Medo. Confusão. Letargia ou, ao contrário, constante estado de alerta. Ansiedade. Conflito. Estresse. São reações esperadas em momentos como este que estamos vivendo, com a pandemia de coronavírus. Dar-se conta desses problemas é essencial. E o primeiro mês é decisivo: quanto mais rápida a atuação também em atenção psicossocial e saúde mental, melhores os resultados. A declaração é da pesquisadora Débora Noal, pós-doutoranda da Fiocruz, psicóloga sanitarista com experiência em desastres e epidemias em dezenas de países. Ela participou do 2º Conexão Fiocruz Brasília, evento virtual transmitido ao vivo pelo canal da instituição no YouTube, onde o público pode interagir, enviando suas perguntas. Na tarde desta quinta-feira, 26 de março, o tema em discussão foi “O novo coronavírus e a nossa saúde mental”, em uma sessão online acompanhada por milhares de internautas.

 

“A atual situação de emergência pode ter consequências psicológicas severas, o que reforça a importância de manter ativa nossa rede de cuidado e suporte social”, afirmou a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio. “Que o isolamento não diminua as demonstrações de afeto e solidariedade, em especial com os trabalhadores da saúde, cuja atuação é fundamental neste momento”, completou, convidando todos a participarem do debate.

 

De acordo com Débora, no contexto da Covid-19, são necessárias intervenções em atenção psicossocial e saúde mental, e as estratégias adotadas precisam levar em conta a cultura de cada território e as políticas públicas locais. “No Brasil, já existe uma grande linha mestra, que é o Sistema Único de Saúde (SUS). É muito mais difícil onde o sistema de saúde não é público e não tem capilaridade”, explicou. Segundo a palestrante, outra vantagem do contexto brasileiro é a nossa capacidade de comunicação. “O desafio é ainda maior em regiões onde as pessoas não têm acesso aos meios de se comunicar”.

 

Caixa de ferramentas

Estamos diante de um grande desafio, mas ele pode ser enfrentado com a “caixa de ferramentas” que cada um de nós já possui. Uma recomendação é lembrar as situações anteriores à pandemia. “O que você costumava fazer para ter uma sensação de calma? Para alguns, meditar, dormir. Para outros, escutar música, escrever. A melhor ferramenta é aquela que você já conhece e já usava antes. Ela vai proporcionar uma sensação de autocuidado, de conforto”, sugeriu Débora. Ver fotos, abrir caixas de recordações, preparar uma comida especial, resgatar memórias afetivas ajuda a ressignificar um momento de crise.

 

Fique atento às suas reações. Você lava as mãos o tempo todo; está muito preocupado com a higiene e a limpeza; tem a impressão de que tudo está sempre sujo. Suas ações são medidas protetivas ou você está perdendo o controle sobre os seus atos? Ter esse grau de consciência para refletir é saudável. O mesmo se aplica ao medo. “Existe o medo funcional, que nos leva a adotar medidas de autoproteção, e o medo contraproducente, que gera pânico social – como a corrida da população aos supermercados para se super abastecer. Deve-se estar atento à curva do medo: ele está nos protegendo ou nos paralisando?”, advertiu a psicóloga Karine Dutra, pesquisadora do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Nusmad/Fiocruz Brasília).

 

O medo contraproducente pode ser alimentado, por exemplo, pelo bombardeio de informações a que estamos expostos. “Estar bem informado é diferente de estar conectado e exposto a notícias 24 horas por dia”, alertou Karine. “Conecte-se com outros conteúdos: é um fator protetivo”. Se a sensação de baixa produtividade incomoda, busque construir uma agenda equilibrada; se a sensação de estar comendo demais perturba, evite ter disponíveis alimentos pouco saudáveis. Seja criativo nas suas estratégias e, sobretudo, não se cobre tanto!

 

“É importante admitir que não somos super-heróis; somos imperfeitos, com limitações, e precisamos respeitá-las. Tenho visto muita gente se cobrando demais. Temos que exercitar a empatia e a compaixão com a gente mesmo para poder ofertá-las aos outros”, aconselhou Karine. Para Débora, sociedades com maior sensação de altruísmo enfrentam melhor as situações de crise e, nesse sentido, a crise pode ser também uma oportunidade. “Apesar da distância física imposta aos corpos, temos a chance de nos reinventar e de nos articular com o coletivo, fortalecendo a sensação de pertencimento e os laços de solidariedade”, disse. “A grande mensagem da pandemia, certamente, será sairmos dela mais potentes como humanidade”.

 

Na linha de frente

No contexto atual, é papel do psicólogo falar das estratégias em saúde mental, não como uma receita de bolo, mas atento às subjetividades e singularidades de cada um. “Muitas vezes, o cuidado mais simples e orgânico é o mais eficaz e eficiente”, ponderou Débora, sugerindo a leitura do manual de primeiros cuidados psicológicos, da Organização Mundial da Saúde (OMS). É fundamental dar vez e voz aos sofrimentos dos indivíduos e coletivos, e um grupo que merece atenção especial é o dos profissionais da saúde, sobretudo aqueles que estão na linha de frente, na assistência aos pacientes.

 

Realidade bem conhecida pelas enfermeiras Josilda Oliveira Brasileiro e Elenice Macedo, que têm realizado encontros com trabalhadores da saúde e contaram suas experiências no 2º Conexão Fiocruz Brasília. “Esses profissionais têm vivenciado muitas situações de angústia e conflitos”, pontuou Josilda. Os profissionais da saúde são treinados para trabalhar em situações de urgência e crise, mas em uma pandemia isso se acentua, porque, mais do que nunca, é preciso cuidar do outro cuidando de si mesmo. “As instituições têm que municiar os trabalhadores com todos os instrumentos e conhecimentos necessários à sua atuação, para que possam desempenhar suas funções com segurança, confiança e estabilidade”, destacou Débora.

 

Outros assuntos comentados no evento foram a importância das equipes que atuam nos serviços de limpeza, o papel dos professores no cuidado com as crianças, o aumento de casos de violência doméstica e a vulnerabilidade de imigrantes e refugiados. Para assistir à atividade completa, acesse o canal da Fiocruz Brasília no YouTube.