Ciência, tecnologia e divulgação científica em tempos de crise

Fiocruz Brasília 15 de março de 2018


As consequências do corte orçamentário das áreas de ciência e tecnologia na vida da população brasileira e na produção do jornalismo científico foram destacadas pela editora do Jornal da Ciência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Daniela Klebis, durante roda de conversa do segundo dia da I Semana de Divulgação Científica da Fiocruz Brasília, na tarde de terça-feira (13/3).

Entre outros aspectos, a jornalista ressaltou os desafios da ciência com o contingenciamento das pesquisas, as perspectivas para os próximos anos e a importância do trabalho dos cientistas em conjunto com a sociedade, além de enfatizar como a comunidade pode se mobilizar nesse cenário de crise.

“Até 2014 estávamos indo em uma direção de financiamento e, de repente, esse financiamento caiu. A gente ouve muitas notícias, principalmente do Rio de Janeiro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, informando que estão sem salários, e os laboratórios, sucateados. Daqui uns anos veremos um cenário muito triste”, opinou.

Segundo dados apresentados pela editora, os Estados Unidos, por exemplo, investem 137,8 vezes a mais que o Brasil em ciência e tecnologia. Para se ter uma ideia, por lá são gastos US$ 496 bilhões, enquanto aqui o investimento é de US$ 3,6 bi (R$ 12 bilhões). Comparando com outros países, como China (US$ 408 bi), Japão (US$ 170 bi), Coreia do Sul (US$ 74 bi) e Índia (US$ 50 bi), percebe-se que o Brasil é o país que menos investe na área.

“Comparado a 2017, este ano houve corte de 19% nos orçamentos para Ciência e Tecnologia. Esse orçamento é o menor da última década, quando o Ministério ainda não incluía o setor das Comunicações”, acrescentou. De acordo com Daniela, o orçamento movimentável, destinado a custeio e investimento aprovado para o MCTI, é de aproximadamente R$ 4,7 bilhões para 2018. “Com o contingenciamento anunciado em fevereiro, o orçamento foi reduzido em 10% (R$ 477 milhões), para R$ 4,1 bi. Esse é o valor para se investir em ciência em um país que tem 200 mil pesquisadores e centenas de centros de pesquisa. É muito pequeno”, desabafou.

Ao falar da atuação da SBPC e dos meios de divulgação da entidade, Daniela enfatizou a ativa participação nos debates sobre questões que determinam os rumos das políticas de Ciência e Tecnologia e da educação no país: “a entidade contribui para o debate permanente das questões relacionadas à área por meio de diversas publicações, como o Jornal da Ciência, a revista Ciência e Cultura, o portal na internet, as mídias sociais e a edição de livros sobre temas diversos relacionados à ciência brasileira”, elencou.

De acordo com a editora, o Jornal da Ciência é, além de uma das principais publicações da entidade, um documento com o posicionamento da SBPC que representa a comunidade científica, com papel estratégico. O jornal possui tiragem de 5 mil exemplares, conteúdo temático, aprofundado e exclusivo desde 2016, e é distribuído para instituições acadêmicas e de ciência e tecnologia do país,  e para o meio politico. É uma publicação gratuita, com edição disponível em PDF. 

Para Daniela, há muito espaço no Brasil para divulgação de notícias sobre ciência e tecnologia: “Tem muita gente querendo divulgar ciência, e muitas pessoas que gostam de ciência.Precisamos encontrar formas de reunir e integrar esses envolvidos”, sugeriu. 

“O trabalho da divulgação científica é também um trabalho político. Nosso papel é também propor uma agenda. Temos que criar uma urgência, dar destaque aos problemas e ressaltar a importância da discussão, levando também à imprensa, conseguindo, mobilizando a opinião públicaa sociedade e os tomadores de decisão”, enfatizou. Para Daniela, a crise aproximou a imprensa da entidade, que passou a discutir esses temas. 

Engajamento social

Uma das grandes críticas abordadas na roda de conversa é que a comunidade científica “precisa atuar de maneira mais enfática na sociedade, para chamar a atenção para a importância da ciência no dia a dia das pessoas. As pessoas não podem defender algo que não conhecem. Por isso, nesse momento de crise é fundamental unir forças para divulgar o máximo possível a ciência que é feita no Brasil”.

A editora acrescenta ser importante considerar o público para quem se fala, o que, segundo ela, faz toda a diferença na hora de fazer a divulgação: “é preciso compreender os canais e as ferramentas de comunicação, otimizar os potenciais delas e entender como as pessoas hoje consomem informação científica”. 

Ao concluir, ressaltou a importância de se compreender como fazer comunicação. “É preciso buscar maior engajamento com a popularização da ciência, entender o que é e como se comunicar com o público leigo, demonstrando, por exemplo, como as coisas do dia-a-dia são repletas de ciência”.

Quem é a comunidade científica?
Segundo censo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (2016), o Brasil possui 200 mil pesquisadores; destes, 130 mil doutores. Com relação a 2002, houve um crescimento de 251% no total de pesquisadores, representando 11% a mais que em 2014, sendo que 50% dos pesquisadores são homens e 50% são mulheres. “Temos algumas desigualdades relacionadas às regiões do país que precisamos trabalhar melhor. O Sudeste concentra a maior parte dos pesquisadores (44%), seguido das regiões Sul (22%), Nordeste (20%), Centro-Oeste (7%) e Norte (6%). Isso é preocupante”, afirmou.

Se comparado com outros países, este número é ainda pequeno. Nos EUA, são 1,5 milhões que trabalham em tempo integral; na China, são 4 milhões, com 1,7 trabalhando em tempo integral; e, no Japão, são 1 milhão, sendo 650 mil em tempo integral. “A América Latina é a região que possui menor percentual de pesquisadores em relação ao mundo. Contudo, o Brasil é o 13º país que mais publica artigos no mundo, com mais de 250 mil artigos. 

SBPC
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência é uma entidade civil, sem fins lucrativos, fundada em 1948. De acordo com Daniela, é voltada para a defesa do avanço científico e tecnológico, e do desenvolvimento educacional e cultural do Brasil. A SBPC exerce um papel importante na expansão e no aperfeiçoamento do sistema nacional de ciência e tecnologia, bem como na difusão e popularização da ciência no país. A entidade representa mais de 130 sociedades científicas associadas e mais de 5 mil sócios ativos, entre pesquisadores, docentes, estudantes e cidadãos brasileiros interessados em ciência e tecnologia.