Aumento de casos de sarampo e baixa cobertura vacinal preocupam especialistas

Nathállia Gameiro 25 de outubro de 2019


Nathállia Gameiro

Tema foi debatido nesta quinta-feira em audiência pública na Câmara dos Deputados e teve participação da Fiocruz Brasília

Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de erradicação do sarampo, concedido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Três anos depois, o país perdeu o status, depois de mais de 12 meses de incidência de casos confirmados do mesmo vírus. A situação é grave e os dados são preocupantes. Só neste ano, foram confirmados mais de 9 mil casos da doença no país e 13 óbitos, 12 em São Paulo e um em Pernambuco, sendo seis em menores de um ano. Diante deste cenário, foi realizado nesta quinta-feira, 24 de outubro, audiência pública na Câmara dos Deputados sobre a volta da doença e as ações do governo para contenção, promovida pela Comissão de Seguridade Social e Família.

Especialistas apresentaram que a queda nas taxas de vacinação é a principal causa para a volta do sarampo no Brasil, já que esta é a única forma de prevenção à doença. As menores coberturas foram registradas no Rio Grande do Sul, Piauí, Acre, Maranhão, Bahia, Amapá e Pará. Para o médico sanitarista e pesquisador da Fiocruz Brasília Cláudio Maierovitch, o investimento na atenção básica e na vacinação são essenciais para a diminuição de casos, pois auxiliam na detecção rápida e uma ação local.

Ele lembrou que 40 anos atrás o sarampo era chamado de “doença comum da infância”, por sua frequência. Pouco tempo depois de nascer, a criança já contraía a doença e ao chegar à vida adulta, já tinha imunidade permanente ao sarampo. A doença tem alta transmissibilidade, cada pessoa com sarampo pode passar para 9 a 18 pessoas, por isso se espalha tão rápido. A transmissão começa antes mesmo do aparecimento dos sintomas.

De acordo com o sanitarista, no Brasil eram mais de 100 mil casos anuais, com mais de mil mortes. Diversos fatores contribuíam para essa alta taxa de mortalidade. “Não tínhamos o SUS, então o acesso à assistência à saúde era limitado. Havia muita desnutrição e não tínhamos os programas compensatórios que temos hoje, favorecendo a população de menor renda e acesso aos recursos. Tínhamos muitas crianças desnutridas que morriam pela falta de condições básicas e falta de acesso ao serviço de saúde”, destacou.

Para o pesquisador, à medida que o SUS foi implantado e que o Programa Nacional de Imunizações e outras estratégias que colaboraram para a vigilância em saúde no país cresceram, foi possível a eliminação do sarampo em um esforço conjunto nas Américas. “No entanto, hoje nos vemos ameaçados, com todo esse esforço em risco. Ainda estamos longe dos indicadores daquela época, mas são dados preocupantes”, afirmou Maierovitch ao alertar que a previsão orçamentária para a saúde no próximo ano é inferior a de 2019, e que a interrupção do Programa Mais Médicos e de programas sociais podem piorar o cenário das doenças no país. “Esperamos que o programa Médicos pelo Brasil recupere essa perspectiva e seja implantado rapidamente”, completou.

Desafios

Fragilidade política e econômica, falsa sensação de segurança em relação às doenças, divulgação de falsas informações, movimento antivacina, crise no financiamento do SUS, limite do acesso e desabastecimento da vacina foram outros fatores apontados pela presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Gulnar Azevedo e Silva, para baixa cobertura vacinal.

Para ela, é necessário entender quem é o público vulnerável e quem de fato não teve acesso à vacina. Como desafios, elencou a construção de estratégias de comunicação e conscientização para aumento da cobertura do público suscetível; garantia de acesso e qualidade na atenção primária em saúde, expandindo o horário de atendimento e facilitando o acesso da população adulta; controle de portos e aeroportos; realização de inquéritos vacinais e estudos qualitativos para entender os motivos para a não vacinação. Para a comunicação, ela acredita que seja importante pensar em novas formas de atingir os pais das crianças, utilizando, por exemplo, as mídias sociais.

O secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS) Wanderson de Oliveira, explicou as fases da estratégia que a pasta tem utilizado em campanhas de vacinação dos grupos mais vulneráveis e o incentivo financeiro a municípios que atingirem a cobertura vacinal. Destacou ainda as ações do Movimento Vacina Brasil em mídias sociais e a mobilização da sociedade em eventos como a Campus Party e a Feira de Soluções para a Saúde, realizada este ano em Fortaleza.

Wandersou explicou que o vírus que está circulando no país não veio da Venezuela, mas da Noruega e de Israel. Ele afirmou que o Ministério da Saúde garantiu a maior distribuição de vacina contra o sarampo nos últimos dez anos, com aumento do número de doses da tríplice viral em 114% a mais, com 60,2 milhões de doses ofertadas este ano, buscando garantir a vacinação de 39 milhões de brasileiros de 1 a 49 anos que estão suscetíveis à doença. O secretário recomendou que o governo federal planejasse a aquisição de vacinas e insumos (seringas e algodão, por exemplo), para os próximos cinco anos, para evitar o desabastecimento de doses à população.

O deputado federal Jorge Solla (PT-BA) destacou a importância do novo Centro de Processamento Final do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz, em construção em Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, que vai permitir aumentar a capacidade de produção de vacinas.

Responsabilidade mundial

Apesar dessas taxas de cobertura vacinal, a América é o continente que ocupa o último lugar de número de casos de sarampo nos últimos doze meses, com 14 países registrando a doença. O primeiro lugar é ocupado pela África, com 186 mil casos, seguido pela Europa com 97,5 mil, Ásia com 67,6 mil, Oceania com 49,4 mil e 6,5 mil na América. Os países com o maior número de casos são Congo, Madagascar e Ucrânia. A facilidade de locomoção entre os países facilita a transmissão. Às 15h do dia 18 de outubro deste ano, por exemplo, 16.924 aeronaves estavam em circulação no ar, ou seja, milhares de pessoas transitavam entre cidades ou países.

Lely Guzman, representante da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), lembrou que a vacina é a única oferta no mundo que abrange todas as populações, independente de sexo, raça ou cor. Mas apenas 16 países chegaram à taxa de 95% de vacinação contra o sarampo. Mongólia, Reino Unido, Grécia, República Checa, Venezuela, Colômbia e Albânia foram outros países que perderam o certificado de erradicação da doença. “Essa é uma responsabilidade do mundo”, ressaltou Guzman.

 

Fotos: Laudemiro Bezerra/Ministério da Saúde