Alunos da Fiocruz Brasília promovem ações sobre o racismo no SUS

Mariella de Oliveira-Costa 29 de julho de 2020


Mariella de Oliveira-Costa 

 

O fisioterapeuta  já observou olhares de desaprovação para seus familiares negros. A assistente social  se lembra de ter se retirado de uma consulta, a pedido de um usuário, que não quis ser atendido por uma negra. A nutricionista  traz na memória os olhares e comentários de reprovação sobre seus cabelos, desde a infância.

 

Eles são Artur, Raquel e Cristiane, alunos da Fiocruz Brasília na Residência Multiprofissional em Atenção Básica e idealizadores do projeto “Ecos: Consciência, Cor e Saúde”, que tem por objetivo dar visibilidade ao racismo no SUS. Os estudantes atuam na Unidade Básica de Saúde 12, em Ceilândia, e, por meio de dados científicos sobre o tema, buscam informar os profissionais e usuários da UBS sobre as diferentes manifestações do racismo na área da saúde, seja na relação entre profissional da saúde e usuário, ou entre os profissionais.

 

 De acordo com o fisioterapeuta Arthur Alves Pereira de Sousa, de 22 anos, a ideia surgiu da necessidade de compreender melhor aspectos históricos e sociais da população negra, que é maioria na região. Os residentes já realizaram debates para levantamento dos dados com os colegas de trabalho e, a partir de hoje, 29 de julho, uma exposição desse material está no jardim da unidade de saúde. Os dados científicos foram transformados em imagens ilustradas, com frases em vocabulário acessível para ampliar o entendimento sobre o tema, sem se basear só na opinião dos estudantes. A ideia de tratar o racismo neste espaço de saúde busca sensibilizar usuários e trabalhadores desde a porta de entrada do SUS.

 

page1image61737824Segundo levantamento realizado em 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a maior parte da população que acessa o SUS é negra (76% dos atendimentos e 83,1% das internações no período pesquisado). De acordo com a assistente social Raquel Rodrigues da Silva Barbosa, de 26 anos, cuidar de maneira integral implica reconhecer que o racismo produz marginalizações para essa população e, consequentemente, interfere em seus processos de saúde e adoecimento. Para ela, chama atenção a taxa de mortalidade relacionada à Covid-19, maior nas pessoas negras. 

 

Já a  nutricionista Cristiane Souza da Silva, de 23 anos, destaca o menor  acesso da população negra às consultas de pré-natal, bem como o maior número de mortes de mulheres negras durante o parto. Segundo ela, é possível criar espaços e ações que aproximem a comunidade e os profissionais para o debate das relações raciais e seus efeitos nos determinantes e condicionantes sociais de saúde da população negra.

 

Os residentes prepararam também uma lembrança para as equipes da UBS: um cacto, que simboliza resistência, força e adaptação. Os demais visitantes da exposição receberão kits com chás diversos, simbolizando o resgate dos ensinamentos de nossos ancestrais para autocuidado.

 

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A ação segue todos os protocolos de segurança e normas de distanciamento social devido à Covid-19, e envolve ainda uma carta de compromissos com ações no combate ao racismo na unidade. Está prevista também a produção de um vídeo com relatos dos profissionais que já sofreram com o racismo no cotidiano do trabalho, assim como a utilização dos materiais em outros momentos junto à comunidade.  

 

O  projeto “Ecos” conta com as profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), a assistente social Cibele Maria de Sousa, a terapeuta ocupacional Giovanna Cristina Siqueira dos Santos e a nutricionista Bianca Barbosa Barroso. A orientação da residência na UBS 12 da Ceilândia é feita pela preceptora e psicóloga Ana Rosa de Sousa Amor.

Para o coordenador da Residência Multiprofissional em Atenção Básica da  Fiocruz Brasília, João Paulo Brito, a  iniciativa possibilita aos residentes ampliar sua formação humanista, a partir da reflexão e enfrentamento do racismo, com  uma clínica ampliada. “A incorporação do tema no sistema de saúde possibilita o fortalecimento da construção de uma sociedade justa”, finaliza.