Mariella Oliveira-Costa
Uma atitude local pode contribuir para uma mudança global. A abordagem participativa para o desenvolvimento comunitário na Amazônia é um exemplo disso e foi apresentada pela superintendente de desenvolvimento comunitário da Fundação Amazonas Sustentável, Valcléia Solidade, durante a plenária de abertura do QE Symposium, I Simpósio sobre o Uso de Evidências Qualitativas para Decisões Informadas na Era dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: novas fronteiras e inovações. O evento vai até sexta-feira 11 de outubro, na Fiocruz Brasília, com participação de pesquisadores de 29 diferentes países.
A iniciativa na Amazônia brasileira é premiada internacionalmente, existe desde 2007 em 16 unidades de conservação e envolve duas comunidades ribeirinhas na conservação ambiental, desenvolvimento sustentável e melhoria de sua qualidade de vida. Só em 2018, 9598 famílias participaram de 101 oficinas de planejamento participativo e 6542 moradores foram capacitados em formações, 46% deles, mulheres. “Trabalhamos perguntando às comunidades o que eles querem para o futuro. Ano passado, a prioridade foi o investimento em infraestrutura, com a implementação de energia solar para captação de água e tratamento”, afirmou.
O projeto é transparente na avaliação do desempenho das associações a ele vinculadas, e, após sua implantação, já se observou inclusive a evolução da renda familiar, a partir do desenvolvimento da capacidade de decisão sobre onde o recurso deve ser investido. Outro exemplo é o programa Floresta em Pé, que destina recursos para formação de extrativistas, pescadores, agricultores, artesãos e empreendedores de turismo de diferentes regiões do Amazonas, para diminuir o desmatamento e encontrar alternativas sustentáveis para a vida dessas comunidades, compreendendo que “a floresta vale mais em pé do que derrubada”. Valcléia apresentou ainda um vídeo com diferentes histórias de pessoas beneficiadas com programas da Fundação, como o Bolsa Floresta, Educação e Saúde e Soluções Inovadoras. Clique aqui para assistir
Durante a primeira plenária, os participantes do QE Symposium conheceram também outras experiências que relacionam as evidências qualitativas ao alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Do Reino Unido, Ruth Garside trouxe a necessidade de ir além dos números e entender como e por que as coisas acontecem, não apenas saber que elas acontecem, explicitando, portanto, o conceito de síntese de evidências qualitativas. “Questões complexas pedem soluções complexas. Não basta saber que, na Nigéria, por exemplo, há números que mostram uma alta mortalidade materna e dificuldade das mulheres em acessar o serviço de saúde. Apenas ouvindo essas mulheres é que se consegue compreender os fatores culturais, familiares e barreiras do próprio serviço ou profissional de saúde que não favorecem o acesso delas a um direito, que é a saúde”, disse. Ela explicou que cada pesquisa traz importantes informações sobre um contexto específico de um grupo populacional, mas que, isolados, não são tão fiáveis como quando as evidências de diferentes estudos são combinadas, possibilitando se entender o porquê de algo acontecer ou não. A síntese de evidências combina, portanto, dois ou mais itens de pesquisa para um novo campo, para produzir alguma teoria e conhecimento novo que vai além da simples soma dos resultados de um estudo, e outro estudo com o mesmo tema. Ela ressaltou que o uso de evidências qualitativas permite ao pesquisador compreender a experiência ou situação, as condições ou problemas, produzindo teorias, modelos conceituais e panoramas interpretativos.
Da EVIPNet, a pesquisadora Evelina Chapman apresentou o resultado de pesquisa com o uso de evidência para responder à epidemia de zika-vírus em El Salvador, na América Central. A partir da escuta de adolescentes e gestores, se incorporou a perspectiva de direitos humanos, sexuais e reprodutivos na produção de dois guias para orientação dos profissionais de saúde, que não fossem centrados só no mosquito, mas pensados a partir de uma política intersetorial e participativa com outras áreas, além da saúde. Foram identificadas barreiras para implementar a política de prevenção ao zika, e estratégias para facilitar a mudança de comportamento de usuários e profissionais, com uso também da observação de famílias em suas casas e serviços de saúde. Essa triangulação metodológica, ou seja, quando em pesquisa se observa o mesmo tema ou objeto a partir de diferentes realidades para conseguir verificar com maior amplitude determinado tema, é fundamental para se pensar em novas políticas. “É importante também analisar o que já está implementado, o contexto político e as dificuldades, e a síntese de evidências qualitativas é um bom caminho”, disse.
O coordenador do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fiocruz, Paulo Buss apresentou o histórico dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e três documentos: o Informe dos ODS 2019, o Future is Now, e o Documento da Cúpula de Desenvolvimento Sustentável após 2015 e ressaltou que o progresso feito do início das conversas até hoje não foi satisfatório em todas as metas.
Boas-vindas
O QE Symposium vai proporcionar discussão de ferramentas e metodologias que dão suporte ao uso das evidências qualitativas. O pesquisador da Fiocruz Brasília Jorge Barreto e a pesquisadora do Instituto Norueguês de Saúde Pública, Claire Glenton conduziram a abertura do evento, apresentando um histórico da pesquisa qualitativa como um papel importante para possibilitar que múltiplas vozes sejam ouvidas pelos tomadores de decisão, bem como as vivências, experiências e necessidades das pessoas. “Esperamos que o QE Symposium explore diferentes formas pelas quais as evidências qualitativas possam humanizar os processos de tomada de decisão localmente e globalmente, além do compartilhamento de aprendizagem entre diferentes áreas e setores e fortalecimento da capacidade de se utilizar as evidências qualitativas para decisões informadas“, disse Barreto.
A diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, falou da importância da instituição sediar o evento. Ela lembrou o grupo de trabalho na instituição sobre a Agenda 2030. “Espero que a partir do Simpósio se forme e consolide uma rede de pesquisa para estratégias de promoção da saúde, a partir da Agenda 2030, prioritária para a Fiocruz”, disse.
Do Ministério da Saúde, a diretora do Departamento de Ciência e Tecnologia, Camile Giaretta Sachetti, reafirmou o interesse do órgão federal em parcerias e cooperação internacional. “A agenda de pesquisa do Ministério prioriza pesquisas para subsidiar a decisão dos gestores em saúde”.
Pelo site http://qesymposium.net/login/index.php é possível acompanhar a transmissão online de parte do evento, bem como acessar conteúdos em formato de vídeo, imagem e podcast com os convidados e participantes do evento.