Nathállia Gameiro
O analista de gestão Bruno Vantine, esteve na Fiocruz Brasília na última sexta-feira, 14 de fevereiro, para falar sobre respeito e acesso ao debate desses colaboradores e sobre a inclusão da população LGBTQI+ na Fundação durante o Ciclo de Diálogos sobre Trabalho e Saúde na Fiocruz. O evento foi promovido pela comissão organizadora Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas da Fiocruz (Cogepe) e teve como tema Diversidade e inclusão no trabalho na Fiocruz: gênero, raça e acessibilidade e integra as atividades do 1º Fio Ensat.
“Onde estão os trabalhadores trans? Como o machismo prejudica o trabalho?”, questionou Bruno, ao apresentar que o acesso ao trabalho e à capacitação para a população LGBTI ainda é dificultado porque, ao longo da vida, enfrentam preconceitos em diversos ambientes: nas escolas, universidades e trabalhos, ou até mesmo em casa.
82% dos travestis abandonam a escola e 90% encontram na prostituição um meio de sobreviver. 61% da população LGBTI opta por esconder sua sexualidade no trabalho. O Brasil ocupa a posição de 68º país seguro para essa população, caindo 13 posições de 2018 para 2019 e fazendo com que 99% deles não se sintam seguros no país, pois têm medo de serem agredidos a qualquer momento. 16 lésbicas foram estupradas por dia em 2018, e em 61% dos casos, em casa. O risco de suicídio nessa população também é maior. Esses dados alarmantes foram apresentados por Bruno, para refletir sobre como a sociedade ainda é condicionada a agir de maneira preconceituosa em ambientes de trabalho, reproduzindo comportamentos que encontram na sociedade.
Bruno avalia que a Fiocruz tem trabalhado com o tema, ao criar o Comitê de Pró-Equidade de Gênero e Raça, há 10 anos; a campanha Fiocruz é diversidade e promover eventos como o Dia Nacional da Visibilidade Trans e rodas de conversa para ouvir essas pessoas e dar orientações a todos sobre como atender a essa população.
A história da escravidão foi resgatada pela vice-diretora da Fiocruz Brasília, a pesquisadora Denise Oliveira, para a discussão sobre raça. Ela lembrou que o Brasil foi um dos últimos países a iniciar o processo de abolição da escravatura, no final do século 19, há mais de 130 anos. “É uma memória recente. Quatro gerações atrás de nós, de pessoas que tinham um familiar com a pele negra, viveram a escravidão”, afirmou. Ela destacou que o processo foi gradual, e os escravos que foram libertos não receberam suporte, eram tratados como indigentes e ainda eram vistos como um atraso para a economia. Para ela, isso colaborou com a desigualdade e da ideia da hegemonia da pele branca acima da negra, que se perpetua até hoje, muitas vezes por ignorância de quem reproduz os discursos.
Denise trabalha há 35 anos na instituição, entrou como estagiária e passou por diversos departamentos até chegar na Fiocruz Brasília, há 20 anos. Em sua trajetória pela Fundação, ela explica que viu a linha política de inclusão e diversidade se constituindo, mas que ainda é preciso superar o racismo na instituição. “A visão do cientista para mim nunca foi negra e a categoria de mestre e doutor embranquece. Os negros ainda estão na camada pobre da população. Por mais avançada que a instituição seja, as contradições da sociedade ainda estão presentes, em que o racismo está enraizado em todos os ambientes, aqui reverberam as coisas boas e ruins. Ainda vivemos as consequências da escravidão”, disse.
Oliveira analisa que a Fundação não tinha um terreno fértil como hoje, que permite que ela esteja em uma mesa de debate para falar sobre o assunto. Para ela, a Fundação deve ainda reverberar a discussão social e levar para fora dos muros, para promover mudanças dentro e fora da instituição. “Não é o suficiente o diálogo para superar o racismo, é preciso a formação para dentro, que será impactante para fora”, finalizou.
A integrante do Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência, coordenadora de Saúde do Trabalhador da Fiocruz, Sônia Gertner, explicou o conceito de capacitismo, que é a discriminação e o preconceito social contra pessoas com alguma deficiência. “Precisamos ter condições para que cada um mostre a sua capacidade e não a deficiência”, afirmou.
Na Fiocruz, apenas 39 trabalhadores têm alguma deficiência, o que corresponde a 0,1% de toda a força de trabalho. “Onde essas pessoas estão? Como elas foram recebidas no ambiente de trabalho?”, questionou. Sônia destacou as ações da Fiocruz para a inclusão e os desafios enfrentados para a acessibilidade nos prédios e para a preparação das equipes para receber cada profissional com alguma necessidade especial.
“O Comitê tem a perspectiva de provocação para que cada unidade olhe para suas barreiras, conviva com o diferente e seja desafiado. Muitas vezes as barreiras longitudinais são mais difíceis que as barreiras físicas, que podemos ver”, pontuou, ao lembrar a entrada de uma pessoa com autismo no estágio em um departamento da Fiocruz e que foi contratado pela casa. “Precisamos dar a oportunidade para eles se inserirem e participarem, e não podemos falar por eles. A Fiocruz tem um DNA inclusivo e quer receber pessoas com deficiência”, declarou. Na Fiocruz Brasília, foram realizados dois encontros no ano passado para debater o tema.
O educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997) foi citado durante o evento, ao afirmar que o diálogo possibilita a transformação do mundo. “Queremos debater os problemas enfrentados nos ambientes de trabalho e construir história para poder influenciar uma política institucional. Pensar e agir é necessário e urgente, temos uma tarefa importante para continuar fazendo essas ações repercutirem em todo o Brasil”, decretou a coordenadora do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/Ensp), Kátia Reis.
Essas ações buscam tirar esses temas da invisibilidade e têm como uma das referências a Tese 11 aprovada no VIII Congresso Interno da Fiocruz, em dezembro de 2017, que reafirma o posicionamento institucional por uma sociedade mais justa e equânime, comprometida com a diversidade do povo brasileiro e suas demandas e com o enfrentamento de todas as formas de discriminação, exclusão e violência.
O encontro contou com a presença da assessora da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), Virgínia Almeida, e da diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio. Fabiana contou que a unidade tem pensado em proposições para garantir o bem-estar e práticas de saúde do trabalho para a construção de ambientes saudáveis e sustentáveis, inclusive na Escola Fiocruz de Governo.
Entre os temas que serão discutidos nos próximos encontros estão violência e trabalho e acidente de trabalho e vigilância. O Núcleo de Saúde do Trabalhador (Nust) da Fiocruz Brasília apresentou as atividades que vem desenvolvendo no programa Fiocruz Saudável. O grupo é formado por colaboradores da casa, por adesão voluntária, com o objetivo de desenvolver um olhar vigilante sobre as condições de saúde coletiva no trabalho, com rodas de conversa, coral, exames periódicos dos servidores e outras ações de práticas do bem viver.
O evento foi transmitido ao vivo pelo Youtube da Fiocruz Brasília e acompanhado pelas unidades da Fundação. Confira o vídeo aqui.
Sobre o I Fio-Ensat
O I Fio-Ensat é uma construção coletiva de setores institucionais vinculados à Saúde do Trabalhador e integra a programação comemorativa dos 120 anos da Fundação. Participam as vice-presidências de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAPS) e de Gestão e Desenvolvimento Institucional (VPGDI); a Coordenação de Saúde do Trabalhador da Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (CST/Cogepe); o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp); e a representação dos trabalhadores, a Asfoc-SN.