A saúde mental não será a quarta onda da pandemia, diz psicóloga

Nathállia Gameiro 31 de agosto de 2020


Nathállia Gameiro

 

“A saúde mental não é uma preocupação para depois. Não é a quarta onda [da pandemia de Covid-19], ela está aqui e por isso precisamos agir para minimizar o sofrimento e danos que essa pandemia tem nos trazido”, destacou Larissa Polejack Brambatti, psicóloga e professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). A afirmação foi feita durante a roda de conversa Promoção e prevenção em saúde mental para minimizar os impactos da 4ª Onda da Pandemia, do I Encontro dos Caps do Estado de Goiás, realizada na última sexta-feira (29).

 

O evento foi realizado pelo Núcleo de Saúde Mental Álcool e outras drogas da Fiocruz Brasília em parceria com a Gerência de Saúde Mental da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás. Trabalhadores da saúde mental puderam trocar experiências, compartilhar desafios e soluções exitosas em oficinas e rodas de conversa.

 

Ansiedade, estresse, pressão, angústia e depressão são sintomas que têm aumentado durante a pandemia, seja pelo isolamento social, pelo medo de contaminação ou até mesmo pela rotina intensa de trabalho. No Brasil estamos vivendo um platô da doença – fase em que o número de casos ativos permanece o mesmo por um tempo. A pesquisadora afirma que somos um todo – saúde mental e física, que vem sendo afetado pela pandemia, por isso é preciso pensar na saúde mental junto com todas as ações para frear o contágio pelo novo coronavírus. Ela destaca ainda que as ações de prevenção e promoção da saúde mental precisam ser pensadas pelas universidades e serviços, em uma rede de cuidado e solidariedade, de vínculos e afetos, no apoio às políticas públicas e na mobilização comunitária – articulando saberes técnicos e populares.

 

“É um momento novo para todo mundo. Precisamos nos reinventar a cada dia e pensar em estratégias que deem conta de evitar um aumento muito acentuado de problemas mentais, senão vamos pagar um alto preço por isso. É uma temática tão importante, que a partir do que a gente fizer nesse momento, vai definir como será o desfecho das consequências dessa pandemia na saúde mental”, disse.

 

Um conjunto de contribuições educacionais, científicas e profissionais da psicologia utilizadas para a promoção e manutenção da saúde, prevenção e tratamento de doenças, identificação de diagnósticos de saúde, além do melhoramento dos sistemas sanitários e a formulação de políticas de saúde. Foi assim que Larissa definiu a psicologia da saúde e afirmou que muitos esquecem que a atuação do profissional da saúde mental é ampla, e em diferentes níveis diante da complexidade da pandemia, na capacitação das equipes e comunidades, produção de conhecimento e intervenção interdisciplinar.  

 

Para a psicóloga, não podemos perder de vista o conceito ampliado de saúde, já que os determinantes sociais, como condições de trabalho, acesso à água e a serviços, moradia e alimentação interferem na saúde física e mental das pessoas. “Todos nós podemos ser acometidos pela Covid-19, mas temos diferenças sociais que vão determinar como vamos responder a isso. Precisamos entender onde não temos tomado as medidas necessárias para garantir condições dignas de vida. Que ações eu posso fazer no serviço para ampliar o acesso, para que outras pessoas possam receber informação para se prevenirem?”, questionou.

 

O papel e a valorização do SUS também foram destacados pela docente. “O SUS é o que está nos salvando na pandemia. Tem gente em outros países que se salvou na saúde, mas se endividou para o resto da vida para pagar as contas do hospital”, lembrou.

 

Larissa apresentou as fases de uma epidemia, de preparação e alerta, contenção, transmissão sustentada e recuperação, e as ações realizadas pelo coletivo da UnB, com a comunidade interna e externa, na área de saúde mental. Para ela, ainda há um sentimento de dissonância na população, com a negação da epidemia por uns, que levam medidas contrárias à de distanciamento social e uso de máscara, e para outros a desesperança de um fim da doença no mundo e insegurança de não ter medicamento, leito ou respirador, caso precise.

 

Entre os desafios da Covid-19, do ponto de vista psicológico, elencados pela pesquisadora, estão as adaptações individuais ao trabalho, nova rotina, casa, cuidados com as crianças em casa e convívio familiar; lidar com perdas de familiares e amigos, perda do emprego ou projeto, que geram sensação de sermos vítimas; falta resposta coordenada, que impacta na forma como nos sentimos cuidados diante da pandemia e burn-out, principalmente de profissionais de saúde que estão inseridos na crise sanitária, presenciando mortes todos os dias, adoecendo e vivenciando adoecimentos de pessoas próximas.

 

A psicóloga defende que é preciso mobilizar forças e pensar em estratégias para diferentes profissionais, de serviços essenciais, de entregas, de saúde, que trabalham em cemitérios, além de conhecer o território e os moradores, para acompanhar a doença e tomar medidas mais efetivas. Ela destacou ainda a potência das ações coletivas.  “A Covid-19 nos empurrou a fazer isso e estamos vendo como é bom fazer junto, compartilhar, dividir com o outro o que sabemos. Estamos todos interligados e precisamos nos ajudar para sair disso coletivamente”, finalizou.

 

Atuação da Fiocruz Brasília nos CAPS

A atuação dos profissionais da Residência Multiprofissional em Saúde Mental, Álcool e outras drogas da Fiocruz Brasília também foi tema de roda de conversa. Funcionando há pouco mais de um ano, e com a segunda turma em formação, a Residência busca formar novos quadros profissionais e tem o objetivo de cooperar com a educação permanente dentro dos serviços das redes de atenção psicossocial para o SUS, na perspectiva da Reforma Psiquiátrica. Ao todo são 18 residentes, entre psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros. Jaqueline Assis, mediadora do debate e colaboradora do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e outras drogas contou que foram desenvolvidas tecnologias para trabalhar os processos formativos de forma inovadora na assistência, cuidado e formação, especialmente com a chegada da epidemia no Brasil.

 

Os profissionais atuam nos Centros de Atenção Psicossocial de Planaltina de Goiás, Itapoã e Sobradinho. Para Graziella Barreiros, socióloga sanitarista, supervisora e tutora de campo da Residência, o principal desafio foi pensar em como permanecer no território considerando as orientações sanitárias de distanciamento social e com o deslocamento de trabalhadores do CAPS para os trabalhos de apoio e de enfrentamento à pandemia.

 

As possibilidades encontradas junto aos residentes foram a capacitação à distância, ofertadas também aos profissionais dos CAPS, e formação de grupos de whatsapp com os usuários. “Muitos não têm uma banda larga de internet ou computador, mas todos utilizam o whatsapp. Então criamos grupos com discussões sobre temas enfrentados no dia a dia, como trabalho, afastamento social, impacto nas relações, angústias, relação e conflitos com a família e saudade”, explica Graziella. Em cada tema, um convidado gravava um vídeo e depois o grupo era aberto para discussão e trocas. A socióloga conta que os usuários começaram a se apoiar nos grupos e revelaram a necessidade de criar novos grupos, dessa vez com famílias.

 

Outra estratégia criada foi o Núcleo de Intensificação de Cuidado e Aprendizado, com populações vulneráveis e em situação de rua que não conseguiam se vincular ao serviço e às propostas das equipes. As escutas e cuidados com os usuários são feitas nas ruas ou no local escolhido por eles. Há assim a aproximação com a vida do usuário com atendimentos feitos pelos residentes de forma remota ou visitas domiciliares para desenvolver o projeto terapêutico, intensificando também o acompanhamento das famílias dos usuários e a supervisão clínico institucional para os serviços. “É o protagonismo dos residentes e usuários”, destaca a socióloga.

 

O coordenador do Núcleo de Saúde Mental Álcool e outras drogas da Fiocruz Brasília, André Guerrero, também coordenador da Residência, destacou a importância e abrangência do evento. Para ele, as universidades e instituições como a Fiocruz precisam ocupar espaços e mobilizar forças para fazer a diferença na vida das pessoas diante da pandemia, que será uma marca na sociedade mundial.

 

Os dois dias do evento contaram com a participação de profissionais de diferentes áreas da saúde e de diversas cidades e municípios brasileiros. Contou ainda com acesso da África, diretamente de Moçambique. Para assistir às rodas de conversa do encontro, acesse o canal da Fiocruz Brasília no Youtube: www.youtube.com/fiocruzbrasiliaoficial.