“A diferença não deve ser aquilo que nos afasta, mas o que nos aproxima”

Fernanda Marques 3 de dezembro de 2020


Roda de conversa virtual sobre acessibilidade e inclusão marca o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência na Fiocruz Brasília e o lançamento de Comitê sobre a temática na unidade no DF

 

“A Fiocruz se posiciona na luta por uma sociedade mais justa e equânime, comprometida com a diversidade do povo brasileiro e suas demandas, seja nas políticas voltadas para seus trabalhadores, independente de seus vínculos, seja nas ações para usuários em suas escolas, institutos e serviços de saúde, seja nos estudos e pesquisas desenvolvidos, buscando reconhecer e enfrentar todas as formas de discriminação, exclusão e violência”. Esta é a Tese 11 do Relatório Final do VIII Congresso Interno da Fiocruz. Ela foi lida pela diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, na manhã desta quinta-feira, 3 de dezembro, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Fabiana participou de uma roda de conversa virtual promovida pela Fiocruz Brasília para discutir acessibilidade e inclusão, a partir de uma pergunta provocadora: estamos preparados?

 

Para responder à pergunta, o evento contou com a participação de Fatine Oliveira, ativista e autora do blog Disbuga, sobre pessoas com deficiência; Adriana Dias, pesquisadora e consultora em estudos sobre deficiência, direitos humanos e mídia social; Alisson Azevedo, diretor de Relações Públicas da Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás; e Fábio Barcelos, técnico em informática e farmacêutico.

 

Fatine falou do equívoco de tentar categorizar as pessoas. “Se vou conviver com uma pessoa com deficiência e imagino que todas as pessoas com deficiência agem da mesma forma, isso é um erro. Existe uma pluralidade enorme: pessoas com deficiência mulheres, negras, trans, de periferia, sem acesso a unidades de saúde. Eu sou cadeirante, feminista, a minha experiência é única, a minha deficiência não é igual à do outro, a minha vivência não é igual à do outro. A dificuldade de entender o lugar do outro perpassa todas as existências”, destacou. “São pessoas com deficiência, então eu tenho que pensar primeiro nas pessoas. E não tenho que me preocupar em encontrar pontos de semelhança, mas aproveitar as diferenças para nos aproximar. A diferença não deve ser aquilo que nos afasta, mas o que nos aproxima e nos permite construir pontes”, completou.

 

Já Adriana reforçou a potência do ‘com’. “A ciência só faz estudos ‘sobre’ pessoas com deficiência ou a pessoa ‘com’ deficiência também é sujeito? Todos podem fazer ciência. Mas, para falar sobre isso, é preciso falar do ‘com’. A gente faz ciência ‘com’ deficiência”, provocou. “A deficiência é uma janela para você olhar todas as vulnerabilidades. Quando você tenta alcançar todos, você acaba não alcançando os mais vulneráveis. Mas, quando consegue alcançar o mais vulnerável, então você alcançou todos”, defendeu.

 

Para que, efetivamente, instituições como a Fiocruz consigam contribuir para a acessibilidade e a inclusão, Alisson destacou a importância de que essas pautas estejam presentes em todos os setores. “Tem que priorizar. Não é uma questão de boa vontade ou de voluntarismo. As pautas da acessibilidade e inclusão têm que estar na gestão, no planejamento e no orçamento”, afirmou. “Precisamos vencer a invisibilidade. Acessibilidade e inclusão reduzem as desigualdades”, pontuou.

 

Desigualdades que Fábio conhece bem e apontou em seu depoimento, ao contar as dificuldades que enfrentou para estudar e ainda enfrenta na busca por uma colocação no mercado de trabalho. “Acessibilidade, hoje, na maioria das vezes, é a própria pessoa com deficiência que precisa fazer acontecer. A gente não encontra pronto”, lembrou.

 

Trazer esse debate para o dia a dia da Fiocruz Brasília é o objetivo do Comitê de Acessibilidade da unidade, lançado oficialmente durante o evento. “Queremos sensibilizar, especialmente, quem está mais afastado desse debate. Temos uma vontade muito grande de avançar, mas, às vezes, esbarramos na nossa insegurança, fruto de um desconhecimento sobre o assunto. É fundamental ouvir as pessoas com deficiência e construir as ações junto com elas”, afirmou a diretora da Escola de Governo Fiocruz – Brasília e coordenadora do novo Comitê, Luciana Sepúlveda.

 

A Política da Fiocruz para Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência, lançada em 2019, mobiliza todas as unidades da Fundação. “Essa política foi construída a partir de um processo democrático, com consultas internas, à comunidade Fiocruz, e externas, a organizações da sociedade civil, e ela está disponível em diferentes formatos acessíveis”, contou Tatiane Nunes, integrante do Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão, que existe desde 2016/2017, e assessora pedagógica da Coordenação de Desenvolvimento Educacional a Distância da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). Segundo Tatiane, o Comitê tem buscado mapear as demandas e ações nas unidades da Fiocruz, de forma a potencializar uma atuação mais integrada em diferentes áreas: educação e pesquisa; infraestrutura e trabalho; comunicação e informação. “Se estamos preparados? Estamos nos preparando, e continuaremos avançando, juntos”, frisou.

 

Sobre a agenda da Fiocruz Brasília, a diretora Fabiana Damásio comentou o trabalho junto às famílias de crianças com microcefalia causada pelo vírus da zika, e os desafios que elas têm enfrentado no acesso às escolas. “É nosso compromisso que o exercício da cidadania seja uma realidade para todos”, afirmou. Também durante o evento foi lançado o curso “Cuidado Integral à Saúde de Crianças com Transtornos de Neurodesenvolvimento”, com 40 horas na modalidade a distância e autoinstrucional, desenvolvido Fiocruz Brasília e pela London School of Hygiene and Tropical Medicine, em parceria com o Hospital da Criança do DF e a Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde do DF.

 

Ainda durante a roda de conversa, a bacharel em saúde coletiva Janayna Maia, da Assessoria de Comunicação (Ascom) da Fiocruz Brasília, apresentou os resultados de uma enquete realizada nos últimos dias no Instagram da instituição, que buscou chamar atenção para os preconceitos que persistem em nosso vocabulário cotidiano. A enquete mostrou, por exemplo, que muita gente ainda utiliza a expressão “portador de necessidades especiais”, em vez de “pessoa com deficiência”, e que uma linguagem inclusiva ainda é desconhecida para muitos. “Trabalhar para promover uma comunicação mais acessível e inclusiva é um compromisso que a Ascom assume, um trabalho que precisa ser contínuo e coletivo”, afirmou.

 

Para assistir à íntegra do debate, que contou ainda com apresentação musical da artista Fabricia Azevedo, clique aqui.