Assédio moral: a importância da escuta

Fernanda Marques 4 de março de 2024


Um convite a repensar nossas práticas e relações. Foi assim a conversa sobre Conscientização, Prevenção e Enfrentamento de Violências no Trabalho, atividade que reuniu mais de 50 representantes da comunidade interna da Fiocruz Brasília com a coordenadora de Saúde do Trabalhador da Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe/Fiocruz), Marisa Augusta de Oliveira, no dia 28 de fevereiro. A convidada fez questão de iniciar a atividade enfocando não as violências, e sim aquilo que nutre e assegura um ambiente de trabalho respeitoso e saudável, em especial a ética, a empatia e o diálogo.

 

“Precisamos prevenir as violências, no plural, em suas múltiplas dimensões, e construir relações de trabalho cada vez mais saudáveis e respeitosas, com capacidade fortalecida de ouvir e acolher o dissenso”, disse a diretora da Fiocruz Brasília, Fabiana Damásio, na abertura do evento. “Passamos grande parte do nosso dia no trabalho e precisamos de um cuidado especial com as nossas relações nesse espaço”, acrescentou a diretora da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, Luciana Sepúlveda. Já a coordenadora do Serviço de Gestão de Pessoas (Segest), Kátia Zeredo, saudou a oportunidade de reunir a comunidade da Fiocruz Brasília para um momento de trocas e aprendizados.  

 

O tema central do debate foi o assédio moral, que se refere às tentativas reiteradas de isolar, constranger, desqualificar ou humilhar alguém ou um pequeno grupo de pessoas. Situações pontuais também constituem violências, mas não configuram assédio, que se caracteriza como um comportamento repetitivo. O assédio pode ser do chefe direcionado a um funcionário, como também de um funcionário dirigido ao chefe, e pode ocorrer mesmo entre trabalhadores sem relação hierárquica. “Hoje em dia todo mundo fala sobre assédio, e o risco é a naturalização ou a banalização do tema. Porque muito se problematiza, mas falta encaminhamento para resolver as situações”, afirmou Marisa.

 

Quando diferentes situações são chamadas de assédio moral, perde-se a oportunidade de identificar situações que estão sobrepostas ao assédio, como o racismo, a misoginia, a homofobia, o etarismo e o capacitismo. “Há situações em que o melhor é a mediação, mas é preciso estar atento e saber diferenciar. Racismo é crime e crime não tem mediação. Crime tem que ser denunciado na delegacia”, advertiu.

 

Conflito e mediação

A palestrante reconheceu que a convivência no ambiente de trabalho é desafiadora. A competição é o fator que mais comumente deflagra o assédio. Mas também acontece de um colega com comportamento que incomoda ou é inadequado ser alvo de assédio. Embora possa parecer um sacrifício, esse colega não deve ser excluído. “Nessas situações, é necessário desenvolver estratégias pautadas na ética, na empatia e no diálogo para abordar o colega e não cair na armadilha de assediar”, lembrou Marisa.

 

Segundo a convidada, o conflito faz parte das relações entre trabalhadores. Ele é saudável quando seu foco é o trabalho e se traduz no confronto de diferentes ideias. Torna-se problemático, porém, quando seu foco é uma pessoa, o que pode gerar situações de assédio. “Cobrar a entrega do trabalho ou o respeito às regras não é assédio. Mas as regras têm que valer para todo mundo. Se o seu cumprimento é exigido apenas de uma pessoa, então é assédio”, explicou Marisa.

 

Ainda de acordo com a palestrante, não é difícil distinguir o assédio da brincadeira. “Se o outro não acha graça, não é brincadeira”, frisou. Ainda assim, em especial nas instituições públicas e acadêmicas, o assédio é velado porque as testemunhas da situação fingem que não estão vendo e ninguém intervém para romper aquele ciclo. “Sem essa intervenção antecipada, a tendência é que o assédio seja um processo extremamente doloroso, que gera um longo sofrimento e consequências prejudiciais para o indivíduo, o trabalho, a família e toda a sociedade”, destacou Marisa. “Quem está em situação de privilégio não pode fingir que não vê: deve intervir por quem está em situação de vulnerado”, insistiu.

 

Intervenção precoce

Ao compartilhar suas experiências, Marisa explicou que, apesar da punição ao agressor ser importante, o ideal é identificar o assédio e intervir de imediato, antes que as coisas se agravem – até porque o processo de investigação e coleta de provas costuma ser longo e bastante sofrido, tanto que muitas vítimas desistem da denúncia. Justamente para fortalecer intervenções precoces, Marisa recomendou o estabelecimento de fluxos e espaços de acolhimento que assegurem o sigilo e a proteção das vítimas, sejam elas servidores, terceirizados, bolsistas ou estudantes.

 

Em relação ao ensino, Marisa comentou que, muitas vezes, ao ingressarem na instituição, os estudantes desconhecem os ritos acadêmicos, o que pode gerar situações complicadas para as quais os envolvidos podem contar com o Centro de Apoio ao Discente (CAD). Acontecem casos de assédio, mas também de incompatibilidade entre orientador e orientando. Nestas circunstâncias, o ideal é romper e estabelecer novas relações de orientação, sem tabu ou constrangimento. 

 

Na Fiocruz Brasília e em sua Escola de Governo, seja em situações de trabalho ou ensino, as portas de acolhimento incluem o Segest, a Regional do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc-SN), a Assessoria Pedagógica e a Secretaria Acadêmica. “É importante ter esses espaços para a escuta e também para estudo do tema e dos documentos que já existem sobre o assunto, de modo a fortalecer as estratégias de prevenção e enfrentamento”, ressaltou. Já a Ouvidoria é a instância responsável por receber denúncias e encaminhar as providências necessárias.

 

A conversa com a coordenadora de Saúde do Trabalhador da Cogepe na Fiocruz Brasília foi uma ação promovida pela Coordenação de Gestão, por meio do Segest, em articulação com a Escola de Governo.

 

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Cartilha Assédio moral, sexual e outras formas de violências no trabalho

 

 

 

 

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