PopRua: direito à saúde e atendimento humanizado no SUS

Nathállia Gameiro 4 de outubro de 2022


Uma experiência transformadora. É assim que os residentes multiprofissionais de Atenção Básica da Fiocruz Brasília definem as práticas do Plano de Ação Interinstitucional para o atendimento da população em situação de rua (PSR). Na última sexta-feira (30/9), cerca de 80 residentes, entre enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, farmacêuticos, nutricionistas, fisioterapeutas e profissionais de educação física participaram da segunda edição do seminário do Plano e falaram sobre a atuação, que extrapola os abrigos do Distrito Federal e chega às ruas em uma ação conjunta com as equipes dos Consultórios na Rua.

Os residentes estão distribuídos nas cinco Regiões de Saúde do DF e realizam trabalho clínico, intervenções em saúde pública, ações de educação em saúde, de prevenção e conscientização com a população em situação de rua. O trabalho coordenado pelo Núcleo de Populações em Situações de Vulnerabilidade e Saúde Mental na Atenção Básica (Nupop) da Fiocruz Brasília, é realizado em parceria com as secretarias de Saúde (SES/DF) e de Desenvolvimento Social (Sedes/DF). 

Para o coordenador técnico do Nupop, Marcelo Pedra, o Plano auxilia na formação de profissionais de saúde para o Sistema Único de Saúde (SUS), e amplia e melhora o acesso da população em situação de rua a serviços de saúde. Durante o evento, ele reforçou o compromisso dos Programas de Residência da Fiocruz Brasília com a equidade e com a cidadania da população do Distrito Federal.

A concretização de um instrumento de intersetorialidade e de qualificação de oferta de cuidado com as pessoas em situação vulnerável. Foi assim que o representante da Secretaria de Estado de Saúde Clístenes Mendonça definiu o Plano.

A importância desse projeto para a formação dos profissionais de saúde também esteve presente na fala do gerente do serviço especializado em abordagem social da secretaria de desenvolvimento social da Sedes/DF, André Santoro. Ele ressaltou que a experiência é transformadora para os dois lados, já que os profissionais se tornam mais empáticos e levam esse trato diferenciado com a população em situação de vulnerabilidade para o ambiente de trabalho e os locais vão trabalhar posteriormente, além de marcarem a vida dessas pessoas e dos profissionais dos equipamentos de saúde. “Com o Plano, pensamos nos profissionais de amanhã que vão atender a população nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Os residentes fizeram a diferença na vida das pessoas que atenderam”, afirmou.

O resultado do trabalho desses profissionais é visível, segundo a coordenadora adjunta da Residência, Etel Matielo, pelo acesso ampliado da população em situação de rua, que passou a frequentar mais as UBS, na perspectiva não só do direito à saúde, mas também do direito à democracia. Para ela, o Plano PopRua é um instrumento que permite atender de forma equânime essas pessoas, além de ser uma possibilidade de os residentes compreenderem o território da atenção básica de forma ampliada.

Os residentes destacaram a importância do processo de escuta ao contar que, muitas vezes, iam com uma atividade pronta e viam que a demanda naquele dia era outra. Ações recreativas e de socialização nas casas de passagem; ações para trabalhar a autoestima e o autocuidado; roda de canto; ações em alusão ao setembro amarelo; coleta de exame preventivo de colo de útero; teste de tuberculose e testagem rápida de Covid-19; rodas de conversas sobre varíola dos macacos, práticas alimentares saudáveis, uso racional de medicamentos e uso abusivo de álcool; distribuição de informativos sobre o uso dos banheiros por pessoas transexuais nas organizações públicas; atendimentos individuais; prevenção e tratamento contra piolho; corte de cabelo; distribuição de kit de higiene e até mesmo um passeio no Parque Nacional de Brasília, também conhecido como Água Mineral, fizeram parte do trabalho dos profissionais de saúde com as pessoas em situação de vulnerabilidade nos últimos meses.

Confira alguns relatos dos residentes:

 

“Essa vivência me desafiou de diversas formas diferentes. A demanda inicial era atender uma mulher gestante em situação de rua, que não queria ser atendida, mas na abordagem com as equipes de Consultório na Rua apareceram outras demandas em que pude compreender o contexto em que essas pessoas viviam. Feridas tratadas, medicamentos receitados, pude acompanhar a abordagem da assistente social… Foi interessante e importante viver este momento, em que pude aprender como profissional e como pessoa.”
Beatriz de Melo Silva


“Todo mundo deveria passar por essa experiência. A gente aprende a ouvir o outro.”
Sabrina Oliveira

 

“Nós, enquanto profissionais de saúde, precisamos ter espaço para promover um pouco de dignidade para essas pessoas. Elas muitas vezes são tratadas de forma diferente devido à dificuldade de acesso a esses serviços, mas são cidadãos e têm seus direitos. Precisamos respeitar o princípio da equidade, ofertar o cuidado e informá-los dos serviços que têm direito.”
Wanderson de Carvalho


“Eu não tive a oportunidade de trabalhar com a população em situação de rua antes, então para mim foi muito importante.”
Velluma Alves

“Trabalhamos o tempo todo com a população em situação de vulnerabilidade, mas são pessoas que têm casa, comida e algum apoio. Trabalhar com as pessoas em situação de rua me ajudou a sair da bolha, tivemos um choque de realidade.”
Anna Cristiny Cândida

 

“Pude ver a importância da intersetorialidade e a importância dos residentes dentro das UBSs. Ainda existe uma cultura de preconceito e de subestimar a capacidade do outro, mas estamos nos tornando profissionais de saúde humanizados para tratar com a população em situação de vulnerabilidade e sensibilizando as equipes de saúde. Não vamos conseguir mudar a vida deles, mas o pouco vamos fazendo, trazendo os serviços de saúde para perto e dando acesso. Aos poucos as coisas vão acontecendo.”
Ana Karolyne Oliveira

 

“Me senti bem fazendo algo que, por mais que muitos vão esquecer, eu sei que em momentos pontuais vão lembrar do que eu ensinei e vão poder minimizar desgastes físicos.”
Marcos Farias

“Eu tinha uma visão muito clínica da enfermagem. Que eu só podia atender dentro de um consultório. A vivência foi essencial para ampliar meu olhar. Me senti grata pela experiência e extasiada de ver a participação nas atividades que fizemos.”
Vânia Polliana Justino


O 2º Seminário do Plano de Ação Interinstitucional para o atendimento da população em situação de rua (PSR) estará disponível em breve no canal da Fiocruz Brasília no Youtube


Foto do destaque: Breno Esaki/Agência Saúde DF

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