Fala aê, mestre: Desenvolvimento infantil e o SUS

Mariella de Oliveira-Costa 20 de janeiro de 2023


A estimulação precoce é uma intervenção importante para bebês e crianças com algum tipo de atraso no seu desenvolvimento e visa conseguir que eles desenvolvam habilidades motoras, cognitivas e sociais para atividades essenciais do cotidiano. Durante a epidemia de Zika vírus, que deixou sequelas em milhares de famílias, houve maior repercussão e incentivo público e privado para esse tipo de cuidado para os bebês que nasceram com alguma deficiência.

 

Na época em que os casos de microcefalia em Pernambuco chamaram a atenção de gestores da saúde e ganharam destaque na imprensa, a terapeuta ocupacional Rhaila Cortes Barbosa, chegava ao Ministério da Saúde para trabalhar na Coordenação Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência, onde atuou por cinco anos.  E a Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência, no SUS, foi estratégica para absorver a demanda de atendimento das crianças com deficiência afetadas pela Síndrome Congênita do Vírus Zika, com a oferta da estimulação precoce nos serviços de saúde especializados em reabilitação. Rhaila não atua mais nesse setor, mas carregou consigo – e para sua pesquisa no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde – várias  inquietações sobre o tema. Como aluna da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, ela cruzou dados disponíveis online em diferentes sites do Ministério da Saúde para, entre outras questões, mapear  a oferta dessa estimulação precoce para os bebês nos estados da região centro-oeste do Brasil. Nesta edição do Fala aê, mestre, você conhece um pouco dos resultados do trabalho dela.

 

Por que a estimulação precoce é importante para bebês e crianças com atraso no desenvolvimento e crescimento infantil?

Rhaila Cortes Barbosa: A estimulação precoce é importante para bebês com atraso ou possível atraso no desenvolvimento e crescimento infantil porque ela tem como objetivo primordial mitigar sequelas que afetam o desenvolvimento neuropsicomotor, de origem infecciosa ou não, e tornar a criança capaz de responder às suas necessidades e de seu contexto de vida, por meio de técnicas e equipamentos, tais como brinquedos, que promovam o estímulo adequado à fase de desenvolvimento da criança, nas áreas cognitivas, de linguagem, motora, sensorial, emocional, sociais e afetivas, com equipe multiprofissional, tais como, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, beneficiando crianças e famílias para o ganho de maior funcionalidade, autonomia e inclusão social.

 

Por que é importante estudar, via distribuição espaço-temporal, o cenário epidemiológico das anomalias congênitas e da microcefalia causada pelo Vírus Zika  e a oferta da estimulação precoce nos serviços públicos de saúde, do SUS?

Rhaila Cortes Barbosa: Porque a epidemia do vírus Zika afetou todas as regiões do Brasil causando mudanças estruturais nas políticas públicas em saúde, em especial aquelas voltadas a pessoas com deficiência, crianças e mulheres, portanto compreender o cenário epidemiológico, enquanto um dos indicadores de implementação de serviços e ações em saúde, em articulação com a disponibilização de serviços, enquanto capacidade instalada, para garantia do acesso a intervenções como a estimulação precoce, pode contribuir em todo o ciclo de políticas públicas, direcionamento e racionalização das ações de saúde voltadas às crianças com deficiência. Somado a isso, a análise da distribuição espacial possibilita visualizar fenômenos distribuídos geograficamente, facilitando a compreensão desse fenômeno, suas semelhanças e diferenças, além de possibilitar estabelecer correlações com o uso de simbologia e semiologia gráfica.

 

Como foi feito esse mapeamento espacial?

Rhaila Cortes Barbosa: Eu utilizei dados secundários de três bancos do Ministério da Saúde, o Registro Evento em Saúde Pública – RESP (Microcefalia), o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e o Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS), e a partir das variáveis comuns aos três bancos, sendo elas, espaciais (município, estado e região do Brasil) e temporais (ano) foram elaborados os mapas utilizando a linguagem de programação R que por meio de funções (scripts) e pacotes de linguagem foi possível elaborar a representação gráfica dos mapas que apresentam a distribuição, a relação espacial e temporal dos casos de anomalias congênitas em nascidos vivos, de crianças com microcefalia por Zika vírus e a oferta da estimulação precoce nas regiões do Brasil, estados e municípios do Centro-Oeste. A linguagem em programa R é um software livre e gratuito com uma extensa comunidade de programadores e pacotes de fácil uso e acesso, além disso, a Fiocruz Brasília ofertou uma disciplina sobre bioestatística em que foram ensinadas as funções básicas, o que facilitou muito o uso do programa.

 

O que te motivou a estudar este objeto de pesquisa?

Rhaila Cortes Barbosa: Por dois anos, aproximadamente, eu fui a referência técnica, pela Coordenação Geral de Saúde da Pessoas com Deficiência Saúde, para alguns estados da região nordeste e centro-oeste que apresentavam muitos casos de crianças afetadas pela Síndrome Congênita do Vírus Zika, e minha atuação, junto com uma equipe responsável por essa agenda, era de sensibilizar e apoiar os gestores municipais e estaduais sobre a necessidade de elaborar planos de ação que previssem a estruturação dos serviços de saúde e da rede de atenção à saúde, com equipe multiprofissional, definição de fluxos assistenciais em saúde para o atendimento em reabilitação, estimulação precoce, concessão de órteses e próteses, além disso, atuei no apoio e contribui na elaboração de documentos institucionais, como diretrizes assistenciais, cursos de capacitação e qualificação para os profissionais  de saúde, famílias e gestores de saúde voltados aos cuidados e estímulos às crianças com deficiência.

 

Qual é o resultado mais interessante do seu estudo?

Rhaila Cortes Barbosa: Identificar o aumento, em todas as regiões do Brasil, da oferta de estimulação precoce nos serviços do Sistema Único de Saúde, ao longo do período analisado de 2014 a 2019, em especial nos anos considerados pós-epidemia do vírus Zika, a partir de 2017. Além disso, no estado no Mato Grosso identifiquei que a oferta da estimulação precoce para crianças com deficiência, de 0 a 3 anos, ocorreu de maneira descentralizada e interiorizada da capital e grandes centro urbanos, demonstrando a estruturação e capacidade instalada de serviços em municípios considerados de pequeno porte populacional. E de uma maneira geral, os resultados demonstram uma possível relação com o aumento da oferta da estimulação precoce, enquanto repercussões da epidemia do vírus Zika, beneficiando o acesso a estimulação precoce de crianças com deficiência, independente da causa.

 

Por que você quis fazer o mestrado da Fiocruz Brasília?

Rhaila Cortes Barbosa: Porque o programa de mestrado da Fiocruz possibilita a articulação entre academia e atuação profissional, no meu caso, com políticas públicas em saúde a nível federal. Além disso, a Fiocruz Brasília conta com professores e pesquisadores renomados nas áreas de políticas públicas em saúde.

 

Como seu trabalho auxilia o SUS?

Rhaila Cortes Barbosa: Minha pesquisa ajuda a conhecer e compreender a realidade dos serviços de atenção à saúde na oferta da estimulação precoce para crianças com deficiência, de 0 a 3 anos de idade, assim como o cenário epidemiológico das anomalias congênitas em nascidos vivos, enquanto possível demanda para esses serviços. Apesar das limitações inerentes aos registros em sistemas de informações oficiais do governo, as análises desses dados permitem essa aproximação da realidade assistencial em saúde, possibilitando, dessa forma, aos gestores e profissionais do SUS a definir e estabelecer estratégias para o planejamento, monitoramento e avaliação das ações em saúde voltados as crianças com deficiência e suas famílias.

 

Por que  o mestrado foi importante para a sua vida profissional? 

Rhaila Cortes Barbosa: Realizar essa pesquisa possibilitou ampliar meu olhar sobre a importância de qualificar e garantir o registro adequado nos sistemas de informações em saúde, bem como, garantir o acesso de crianças com deficiência e suas famílias, por meio de políticas públicas, as ações de saúde de maneira integral, inclusive a estimulação precoce nos serviços de saúde do SUS.

 

Rhaila Cortes Barbosa  é autora da dissertação “Análise espacial da oferta de estimulação precoce em crianças com microcefalia no Sistema Único de Saúde: no contexto da epidemia de Zika”, defendida em 29 de março de 2022, com orientação da professora Helen da Costa Gurgel, e coorientação da professora Eucilene Alves Santana.

 

Confira aqui as outras entrevistas com resultados de pesquisas desenvolvidas por professores e alunos da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. 

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