Fiocruz Brasília apresenta experiências no primeiro dia do Abrascão

Fiocruz Brasília 21 de novembro de 2022


Por Nathállia Gameiro e Fernando Pinto

 

Experiências de vigilância popular, comunicação comunitária e ações afirmativas no ensino superior foram alguns dos temas apresentados pela Fiocruz Brasília, nesta segunda-feira (21/11), no 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. O evento ocorre entre os dias 21 e 24 de novembro, no Centro de Convenções de Salvador (BA). 

 

A luta pela demarcação do território indígena Anacé e a preservação da APA Lagamar do Cauípe, no Ceará, foram apresentadas pela pesquisadora da Fiocruz Ceará Ana Cláudia de Araújo Teixeira, uma das responsáveis pela condução do estudo de vigilância popular desenvolvido pelos indígenas Anacé, movimento que reúne indígenas, pescadores, agricultores e comunidades frente aos impactos do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), de Caucaia, no Ceará. “A luta pelo território precisa da participação de toda comunidade para ser efetiva”, disse a pesquisadora. O estudo contou com a participação da Fiocruz Brasília, por meio da pós-graduanda Ana Regina Barbosa, da Escola de Governo da unidade.

 

O trabalho intitulado “Incidência de malformações congênitas entre povos indígenas e não indígenas residentes em municípios de grande produção agrícola na Bacia do Juruena (MT)” foi apresentado na mesma sessão por Mariana Rosa Soares, da Universidade Federal de Mato Grosso. “O estado é o maior consumidor de agrotóxicos do Brasil e lidera o ranking na produção de commodities químico-dependentes”, afirmou.

 

A pesquisa, que conta com a participação do pesquisador e coordenador do Programa de Promoção da Saúde Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília, Jorge Machado, mostra que, entre os povos indígenas, as taxas de incidência de malformações foram maiores, com o pico de 11,2 casos a cada 1000 nascidos vivos, no ano de 2011, enquanto o uso de agrotóxicos apresentou tendência crescente, com um consumo de mais de 252 milhões de litros, no ano de 2020.

 

O estudo identificou a influência negativa da produção agrícola em larga escala e da exposição aos agrotóxicos, com efeitos na saúde reprodutiva e fetal, como o surgimento de anomalias congênitas, baixo peso ao nascer e nascimento de fetos prematuros, além de maior risco de morte fetal.

 

A voz do usuário

A importância da escuta foi destacada pela pesquisadora da Fiocruz Brasília Aline Cavaca, ao apresentar o trabalho “Doboca a boca’ às redes sociais: tecnologias comunicacionais de populações vulneráveis do Distrito Federal na pandemia de Covid-19″. A pesquisa surgiu da inquietação percebida logo no início da pandemia, quando muito se falava sobre o novo coronavírus para grandes públicos, mas pouco se produzia e se direcionava para populações vulnerabilizadas. O grupo realizou um mapeamento e selecionou dez experiências de comunicação comunitária no DF. Os pesquisadores concluíram que a comunicação popular não é só dar voz às comunidades, mas, sobretudo, ampliar a escuta e qualificar esses processos na academia. 

 

“Percebemos que não podemos só replicar modelos, cada comunicação funciona de forma diferente. É imprescindível a criação de processos de escuta, diálogo, participação social e produção em conjunto de informações em saúde que sejam reconhecidas como legítimas pelo público a que se destinam”, afirmou. 

 

Outros trabalhos realizados por representantes da Fiocruz foram apresentados durante a sessão. Bruna Ribeiro, aluna de doutorado da Fundação, falou sobre o estudo que realizou com usuários do Centro de Atenção Psicossocial Carlos Augusto Magal, que atende a região de Manguinhos (RJ), buscando promover o protagonismo e o empoderamento a partir dos conhecimentos e vivências deles. Oficinas de fotografia e texto foram realizadas para a produção de conteúdos e construção do blog Libertando a mente. Como resultado, Bruna destacou o maior domínio de ferramentas digitais e a autonomia dos usuários. 

 

Luis Henrique Gonçalves, também representante da Fiocruz, apresentou um trabalho em que analisou os aplicativos de saúde digital e as novas tecnologias. O pesquisador destacou a saúde digital como uma conquista humana crucial para a superação de doenças, elevação da qualidade de vida e dignidade humana, além da melhoria da prestação dos serviços de saúde e das condições dos seus trabalhadores. Apesar dos benefícios, ele alertou sobre a necessidade de o usuário conhecer o funcionamento, as consequências do uso e sua real eficácia, para favorecer os marcos regulatórios. 

 

Para Adriano De Lavor, jornalista da Fiocruz e mediador da mesa, comunicar é estar atento aos contextos. “As novas tecnologias, como as mídias sociais, não eliminam o elemento humano. Como pesquisadores, temos a obrigação de incluir a sociedade como produtora de conhecimento científico, como parceira de pesquisa, e assim enriquecer a busca pelo direito à comunicação, à saúde e a um mundo mais justo”, finalizou.

 

Entrei e agora? A experiência dos estudantes nos 10 anos das ações afirmativas

A nutricionista Giovana Mandulão, residente do Programa Multiprofissional em Saúde da Família com ênfase em Saúde da População do Campo da Fiocruz Brasília, participou da roda de conversa sobre a experiência dos estudantes nos 10 anos das ações afirmativas e os desafios em garantir a permanência e evitar a evasão. Giovana é uma mulher indígena do povo Macuxi Wapichana, proveniente da comunidade Taba Lascada, localizada no estado de Roraima. Ela ingressou pelo sistema de cotas na Universidade de Brasília (UnB) e, posteriormente, pelas ações afirmativas, na residência da Fiocruz Brasília, sendo a primeira e única cotista indígena em seu Programa. “Reafirmar o que somos e o que queremos”, apontou a residente, é um dos grandes desafios diários na academia.

 

Giovana lembrou que outro grande desafio é a representatividade, ainda não reconhecida pelas instituições nem pelos outros estudantes, além do choque cultural, pela saída de seu território, o desafio da língua e o racismo estrutural enfrentado pelos cotistas. Ela trouxe ainda uma provocação de como podemos construir espaços que contemplem as diversidades na academia, valorizando os saberes e conhecimentos ancestrais. A nutricionista reforçou, ainda, que é preciso aprimorar as políticas de inclusão, e que as instituições de ensino, além de oferecer bolsa de permanência, têm que investir no campo da responsabilidade social, com acompanhamento pedagógico e apoio psicológico aos estudantes. “Somente alimentação e moradia são insuficientes para manter o cotista na universidade”, concluiu.    

 

A mesa contou com outros relatos de estudantes negros, indígenas, transgêneros e quilombolas que ingressaram também pela política de cotas na graduação e na pós-graduação de universidades públicas brasileiras.

 

Na tenda Maria Felipa, a pesquisadora da Fiocruz Brasília Etel Matielo debateu sobre saúde, economia solidária, desenvolvimento sustentável e o fortalecimento das iniciativas populares. 

 

A programação do Abrascão continua até quinta-feira, 24 de novembro, no Centro de Convenções de Salvador (BA).

 

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