Como são as mães dos bebês da epidemia do Zika?

Fiocruz Brasília 1 de novembro de 2022


Comunicação Cidacs

 

O ano era 2015 e a jovem moradora da cidade de Olinda, Pernambuco, Gabriela Azevedo tinha 19 anos, estava grávida de Ana Sofia, e teve Zika. Ao nascer, a criança entrou para as estatísticas das que nascem com a cabeça menor do que preconizam as sociedades médicas, que é de 33 cm. Ela era então mais um caso de microcefalia em decorrência da Síndrome Congênita do Zika (SCZ). A história de Gabriela foi narrada em reportagem Especial do Jornal Metrópole, mas um artigo publicado na BMJ Global Health, sob liderança do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) compõe o perfil de mulheres que tiveram bebês com a SCZ.

 

O estudo, liderado pela pesquisadora associada ao Cidacs Enny Paixão, mostra que mulheres autodeclaradas pretas, assim com Gabriela, têm 46% a mais risco de que seus filhos tivessem a SCZ. A mãe de Ana Sofia planejava concluir o ensino médio e assim como ela, mulheres com menos de 12 anos de estudo tiveram 30% mais chances de ter um filho com SCZ do que de mulheres que ultrapassaram esta barreira social. No momento do parto, ela tinha um parceiro, mas foi deixada quando a pequena nasceu com síndrome. E o estudo diz que mulheres solteiras tiveram 30% maior chance de ter um bebê com SCZ do que mulheres casadas, o que reduz sua rede de apoio.

 

Para obter tal resultado, foi realizado um estudo de base populacional usando dados de todos os nascidos do Sistema de Informação de Nascidos Vivos (Sinasc) entre 1º de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2018, o que totaliza mais de 11 milhões de bebês (11.366.686, para sermos precisos). Entre esse contingente populacional, estavam 3.353 que nasceram com a Síndrome Congênita do Zika. Os dados dessa doença ficam reunidos na Registro de Eventos de Saúde Pública (Resp). Por meio de estratégias de vinculação, quando duas bases de dados encontram indivíduos em comum, e com isso é possível construir uma linha histórica identificando os desfechos desse adoecimento.

 

O estudo buscou identificar fatores socioeconômicos entre as mães dessas crianças, para isso, separou por raça/cor, anos de escolaridades, quantidade de consultas de pré-natal realizadas e distribuição espacial de casos. Enny Paixão é uma pesquisadora dedicada aos casos de SZC a partir de estudos observacionais retroativos. Atualmente, pesquisadora na London School of Hygiene & Tropical Medicine, ela explica que ainda há pouca produção científica que traga os determinantes sociais da saúde, como os analisados, quando se trata dos estudos relacionados às arboviroses – doenças transmitidas ou causadas por mosquitos.

 

A pesquisa também aponta que durante a epidemia, em 2015, quase 90% de todos os casos confirmados em todo o mundo de SCZ foram no Brasil. Dos casos de SCZ registrados no Brasil no período estudado, mais de 60% nasceram na região Nordeste, uma das áreas mais pobres do país – o que pode indicar uma associação com privações sociais e econômicas, desigualdades no acesso a serviços de saúde e fatores ambientais.

 

“Essa distribuição desproporcional de risco com sobrecarrega ainda maior nos grupos socioeconômicos já desfavorecidos em conjunto com as incapacidades causadas por essa síndrome podem reforçar as desigualdades sociais e de saúde existentes. Também é importante avaliar a importância das políticas de proteção social como potenciais mitigadores dos impactos deletérios dos marcadores de risco socioeconômico da SCZ.

 

“Essa distribuição desproporcional de risco gera uma sobrecarrega ainda maior nos grupos socioeconômicos já desfavorecidos”, comenta a pesquisadora Enny. Ela descreve que em conjunto com as incapacidades causadas por essa síndrome nas crianças essas famílias podem ter as desigualdades sociais e de saúde existentes ainda mais consolidadas. “Também é importante avaliar a importância das políticas de proteção social como potenciais mitigadores dos impactos da SCZ”.

 

Tais decisões afetam diretamente a todas as Gabrielas, trazida aqui e que é uma personagem real dessa situação que epidemia da Zika trouxe. Ela foi descrita aqui, a partir de uma reportagem, mas versões muito semelhantes podem ser encontradas em diversos cantos do Brasil. Uma vez que tais condições sociais compõem as determinantes sociais da saúde, as quais são definidas como contextos em que os sujeitos estão inseridos e que afetam diretamente a saúde, os riscos e os  reforça as desigualdades em saúde.

 

Foto do destaque: André Borges/Agência Brasília

 

Fala aê, pesquisador – Especial Plataforma Zika:

Estudar o ciclo da ciência para melhorar o investimento em pesquisa

“A inteligência cooperativa precisa ser acionada”

“Os dados têm impactos reais nas nossas vidas”

Lá no fim do túnel, uma base de dados que permita responder às perguntas de pesquisa

“A Zika requer toda a atenção dos gestores”

 

LEIA TAMBÉM