Caminhos das pessoas, águas e alimentos

Fernando Pinto 19 de junho de 2022


“Quem segura o balaio nessa vida

É madeira de lei que cupim não rói

O balaio na cabeça da gente

que segue plantando as sementes

pedaço de cada um de nós

Quem vem subindo a ladeira desde sempre, minha irmã”

 

Foi ao som da canção Parreiras Crescendo*, da cantora e compositora Cida Alves, que os participantes da 5ª Feira de Soluções para a Saúde foram recepcionados para a roda de conversa “Vigilância popular em saúde e caminhos das pessoas, das águas e dos alimentos”, realizada no Centro de Convenções de Natal (RN), na tarde do último sábado (18/6). O evento integrou a programação geral da I Feira Nordestina da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Fenafes), que ocorreu de 15 a 19 de junho, na capital potiguar. 

 

A roda contou com a participação de pesquisadores, professores, agricultores e representantes de movimentos sociais e entidades ligadas à agricultura familiar, que discutiram a vigilância popular em saúde a partir da articulação entre agricultura familiar e saúde na promoção de territórios saudáveis e sustentáveis. A atividade, promovida pelo Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília, reuniu diferentes pensamentos e conceitos sobre os caminhos das pessoas, das águas e dos alimentos, além de relatos de experiências desenvolvidas nos territórios do Nordeste.

 

Para o coordenador do PSAT/Fiocruz Brasília, Jorge Machado, a construção de territórios saudáveis e sustentáveis ocorre em interação com a pedagogia do cuidado por meio da fala das pessoas que ocupam os territórios. Ele falou sobre o desafio de realizar a promoção e a vigilância em saúde em tempos de pandemia. “Com a Covid-19 aprendemos a produzir de forma virtual a promoção da saúde, além de pensar outras formas de falar sobre a vigilância para o território, com o desafio de trabalhar os protocolos e romper as barreiras para fazer a promoção e a vigilância em saúde chegarem a todos os cantos do Brasil”, refletiu. Segundo ele, na pandemia, a essência da vigilância está presente na pedagogia do cuidado, que passa pelo caminho da construção de estratégias de enfrentamento da Covid-19 e do fortalecimento das relações comunitárias com o Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Ainda sobre a vigilância em saúde, Jorge lembrou os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, que faziam um trabalho de vigilância na Amazônia e investigavam atividades ilegais e predatórias na região do Vale do Javari, localizada nos municípios de Atalaia do Norte e Guajará, no oeste do estado. Segundo o pesquisador, ambos tinham compromisso com a garantia do modo de vida dos povos indígenas e a informação de qualidade, trabalho que será símbolo de luta do cuidado no território. “Em memória de Bruno e Dom, temos que continuar com a nossa vigilância em saúde e o cuidado com a terra”, enfatizou. Dom Phillips era um importante colaborador da Fiocruz. Ele participou da cobertura da crise da zika em 2015 e nas que se seguiram, nas emergências de febre amarela e Covid-19. Escreveu sobre a atuação da Fiocruz para diversos veículos de alcance internacional, como The Washington Post e The Guardian, entre outros, ajudando a informar a sociedade e a levar o trabalho da instituição a fóruns internacionais. Bruno era servidor público de carreira e trabalhou por muitos anos na Funai, onde esteve à frente de operações importantes em defesa dos povos indígenas. 

 

Também convidado da roda de conversa, o engenheiro civil e sanitarista Alexandre Pessoa, professor e pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), colocou em debate o caminho das águas. Para ele, não é possível pensar em vigilância se não cuidarmos da água. “A água educa”, resumiu, contando que esta foi sua grande descoberta como sanitarista e pesquisador. Segundo ele, a água é promotora de renda e vida, e a vigilância popular em saúde – na perspectiva da pedagogia da água – ocorre com o fortalecimento do SUS e do território. “O trabalho de vigilância deve estar pautado na defesa da ciência, das pessoas, das águas, dos alimentos e do SUS”, destacou. Comentou ainda que, para se fazer vigilância em saúde no Brasil, é preciso levar em conta três grandes redes: os profissionais de educação, os agentes comunitários de saúde e a rede de assistência técnica rural.

 

Grácia Gondim, pesquisadora em saúde pública da EPSJV/Fiocruz, refletiu sobre o papel do território. Ela definiu este espaço como o lugar onde vivemos, produzimos e reproduzimos nossa vida, onde realizamos trocas e escrevemos nossa história. “É do território que tiramos o que precisamos para nosso sustento e o da nossa família”, enfatizou. Para ela, os territórios da saúde são uma oportunidade para o setor reconhecer e compreender o que a população precisa, de modo que o SUS não vai avançar se não parar para escutar a linguagem e a fala popular. “É preciso ouvir a voz do território e dar visibilidade à periferia como centro de transformação popular”, afirmou, lembrando a importância de promover o diálogo e a interação nos territórios.

 

“Todos nós traçamos caminhos e trabalhamos com pessoas, águas e alimentos. Traçamos várias estratégias de cuidado e vigilância com os territórios e as pessoas”. Com essas palavras Gislei Knierim, integrante do PSAT/Fiocruz Brasília, refletiu sobre a importância do espaço onde estamos inseridos e do cuidado com o território. “É preciso olhar para os territórios de forma integrada, aproximando os saberes tradicionais, a produção e a juventude nestes espaços”, disse. Ela também lembrou o desafio da Fiocruz, que, mesmo com a chegada da pandemia, seguiu construindo caminhos nos territórios e discutindo os instrumentos da vigilância popular junto com as pessoas.

 

Ações de informação e educação em saúde 

O evento contou também com um momento de relatos de experiências e soluções saudáveis e sustentáveis que auxiliam na construção e disseminação da importância da vigilância popular em saúde, ambiente e trabalho. Essas experiências ajudam na promoção da qualidade de vida e na redução das desigualdades sociais da população nos territórios. Segundo Jorge, a própria Feira é uma solução para a saúde que vivenciamos, com a oportunidade de começar a construção de uma política pública de vigilância popular em saúde e caminho das pessoas, das águas e dos alimentos.

 

Na ocasião, a Formação dos Agentes Populares de Saúde do Campo foi apresentada pelo representante da Rede de Médicas e Médicos Populares, Leandro Araújo, que falou não só da experiência de formação dos agentes, como do desafio de repensar a prática de assistência e vigilância voltada para o povo do semiárido brasileiro. “É preciso deixar as paredes dos consultórios médicos e ir para o território, para aprender e ensinar”, ressaltou. 

 

Outra experiência apresentada foi o projeto “Quintais Produtivos e Desenvolvimento Territorial Saudável, Sustentável e Solidário”, fruto de uma parceria entre a Fiocruz Brasília e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag). Ele incentiva o uso saudável, sustentável e solidário dos territórios com vistas à governança territorial para a promoção da saúde, a soberania alimentar e a geração de renda. A secretária de Política Agrícola da Contag, Vânia Marques, destacou que o foco do projeto são os quintais produtivos e o uso de práticas populares em saúde desenvolvidas por mulheres agricultoras familiares. “O nosso grande desafio agora é o debate de como transformar os quintais em políticas públicas”, pontuou.

 

Pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Rafael Neves apresentou o programa Um Milhão de Cisternas Rurais. Resgatando a linha histórica de atuação do programa, ele lembrou como o trabalho se alinha de forma efetiva com a pauta da saúde. “Fazemos saneamento rural levando água para as populações das áreas rurais remotas do semiárido”, afirmou o coordenador.  

 

A oficina contou ainda com outros relatos de experiências: a Cartografia Social do Território do Rio Grande do Norte (RN); a implantação dos fogões ecológicos pelo Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria do Trabalhador (Cetra/CE); as boas práticas para o manejo do algodão orgânico, o biodigestor sertanejo e o banheiro redondo, da organização social Diaconia; e a Formação em Saúde Integral das Mulheres, da Fiocruz Brasília. A revista Saúde em Debate, publicação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), também esteve presente: a pesquisadora Aline Gurgel, da Fiocruz Pernambuco, falou do número temático que trata do fortalecimento da agroecologia e da redução dos efeitos nocivos dos agrotóxicos para a saúde, o ambiente e a sociedade. 

 

Histórico da Feira de Soluções para a Saúde

A 1ª Feira de Soluções para a Saúde, em 2017, na Bahia, foi direcionada ao enfrentamento da zika. O escopo da Feira foi, então, ampliado para outras questões de importância sanitária. Em 2019, houve eventos no Rio Grande do Sul e no Ceará. A 4ª edição, em formato virtual, ocorreu em 2020, com destaque para saúde digital e questões relacionadas à pandemia de Covid-19. Juntas, as quatro Feiras já realizadas somaram cerca de 7.900 inscritos e mais de 280 soluções para a saúde cadastradas, entre soluções de serviço, sociais e industriais, em áreas como vigilância em saúde, combate a vetores de doenças, prevenção, diagnóstico, cuidado, tratamento e gestão. 

 

* A composição Parreiras Crescendo foi composta especialmente a convite da Fiocruz Brasília para o Curso Livre de Aperfeiçoamento em Promoção e Vigilância em Saúde, Ambiente e Trabalho com ênfase na Saúde Integral das Mulheres, organizado e ofertado pelo PSAT/Fiocruz Brasília. A música é uma homenagem a Violeta Parra, compositora que é símbolo da cultura chilena e latino-americana. A letra destaca também a luta de deputadas para incluir a pauta de reinvindicações das mulheres na Constituição Brasileira. Segundo a autora, Cida Alves, Parreiras Crescendo é uma homenagem a todas as mulheres “que seguram o balaio nesse Brasil, um balaio resistente, cada dia mais e mais!”, declarou.

 

Saiba como foi a 5ª Feira de Soluções para a Saúde clicando nos links abaixo:

“A Fiocruz precisa estar perto do povo”

Experiências regionais são destaque da Feira de Soluções

Fiocruz presente na Grande Festa da Colheita

Conheça abaixo as experiências apresentadas na Mostra Virtual da Feira de Soluções para a Saúde:

Inovações do campo à mesa

Mostra reúne inovações para saúde e agricultura familiar

Confira o resultado da Hackathona do Campo à Cidade, maratona de desenvolvimento de soluções tecnológicas voltadas à agricultura familiar, à economia solidária e à promoção de territórios saudáveis e sustentáveis

Acesse a Galeria de fotos do evento

 

Fotos: César Ramos/Contag 

 

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