Fala aê, mestre: publicidade infantil de alimentos

Fernanda Marques 10 de junho de 2022


Qual a força de uma política pública de saúde diante das indústrias de alimentos e da comunicação, com seus produtos açucarados e ultraprocessados estampando anúncios que deixam crianças com água na boca? A questão é inquietante e motivou uma dissertação defendida no Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. “O estudo analisa a capacidade de as políticas públicas em saúde disputarem sentido na construção de mundo provocada pelos meios de comunicação e a necessidade de regulamentação estatal da publicidade infantil de alimentos”, explica o autor do trabalho, Marco Aurélio Santana, que é analista de políticas públicas no Ministério da Saúde.

 

Em sua pesquisa, ele analisou uma série de documentos e também fez entrevistas com gestores da Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde (CGAN/MS). O objetivo era compreender a execução da agenda de fortalecimento da regulamentação da publicidade infantil de alimentos, no período de 2010 a 2019. Uma das conclusões é que as leis existem, mas não são aplicadas. A partir dos resultados obtidos, Marco Aurélio propõe um plano de comunicação para que os estudos produzidos na CGAN/MS alcancem os diversos segmentos da sociedade e gerem engajamento social para o cumprimento das leis de proteção à infância. “A influência das indústrias de alimentos e da comunicação tem restringido o desenvolvimento de políticas públicas na área de alimentação no Brasil e o tema precisa de mais participação social”, argumenta. Para saber mais sobre as conclusões da pesquisa, confira a entrevista de Marco Aurélio para o Fala aê, mestre!

 

Por que é necessário o Estado regulamentar a publicidade infantil de alimentos?

Marco Aurélio Santana: As doenças crônicas não transmissíveis são um problema de saúde pública. No Brasil, mesmo considerando o SUS, de acesso gratuito e universal, o gasto individual para o cuidado de uma doença crônica é alto, devido aos custos agregados com os tratamentos. Esse cenário desperta preocupações. O desenvolvimento dessas doenças está ligado, também, à cultura alimentar das famílias. É grande o consumo de refrescos e refrigerantes com alto teor energético e baixo valor nutricional entre os adolescentes, bebidas que contribuem para o desenvolvimento de diversas doenças crônicas. Esses produtos, junto aos alimentos ultraprocessados, são apresentados às crianças por meio da publicidade, induzindo o seu consumo desde muito cedo, o que pode afetar negativamente a sua vida adulta. A legislação vigente define as crianças como hipossuficientes (não possuem condições de se sustentar sozinhas), bem como determina que a publicidade deve ser vinculada de modo claro sobre a sua intenção persuasiva de venda. Portanto, a publicidade direcionada às crianças não pode ser normalizada. Atuar e intervir nessa relação é uma responsabilidade do Estado.

 

Qual o principal desafio para a regulamentação da publicidade infantil de alimentos?

Marco Aurélio Santana: Dialogar com as indústrias de alimentos e da comunicação: a força econômica dessas instituições é o principal desafio à promoção de uma cultura alimentar mais saudável. Não há uma bandeira contra a indústria, mas, sim, a necessidade de se construir uma nova relação com a saúde das pessoas, entendendo que a indústria compartilha essa responsabilidade com seu público consumidor.

 

E quais as principais oportunidades?

Marco Aurélio Santana: A Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde (CGAN/MS) tem utilizado sua principal potencialidade: sua renomada e reconhecida capacidade de vocalização e produção de engajamento sobre os temas da alimentação e nutrição, para além do campo da saúde, de modo transversal, com outras pastas do Executivo e com a sociedade civil organizada. A CGAN/MS fomenta a agenda de regulamentação da publicidade infantil de alimentos por meio de publicações editoriais ou normativas. Essa é uma estratégia para manter e fortalecer o assunto na pauta da gestão federal, inserindo o tema em diversos instrumentos de planejamento, como, por exemplo, no Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil 2011-2022.

 

Quais atores devem ser mobilizados para fortalecer essa agenda?

Marco Aurélio Santana: No Executivo, temos a Anvisa e outras instituições de garantia dos direitos das crianças. Na sociedade civil, os mais destacados, conforme a minha pesquisa, foram o Idec e o Instituto Alana. Essa articulação intersetorial é fundamental para a redução das doenças crônicas não transmissíveis, pois apenas regular a publicidade infantil de alimentos, possivelmente, não trará os resultados esperados na sua plenitude. Por isso, a CGAN/MS fomenta outros eixos, para além da regulamentação, como o acesso a alimentos naturais e minimamente processados; apoia a agricultura familiar; e debate ações para reduzir a desigualdade social, de modo que as classes sociais menos favorecidas tenham meios de adquirir os bens necessários à sua sobrevivência e possam pensar em como se alimentar adequadamente. Ou seja, atuar na defesa da regulamentação da publicidade infantil de alimentos é uma fatia de diversas ações, que não podem ser operadas isoladamente.

 

Como o campo da comunicação em saúde pode contribuir?

Marco Aurélio Santana: A comunicação em saúde pode contribuir com a tradução do conhecimento técnico produzido na CGAN/MS (e em outras instituições que abracem essa agenda) em algo coloquial, mais próximo das famílias, no sentido de transformar esse conhecimento que a ciência traz em algo que a população entenda. A comunicação em saúde tem esse compromisso de ampliar a voz de projetos que garantam o fortalecimento do SUS, por meio do compartilhamento qualificado das informações, alcançando a população e promovendo o engajamento e a participação da sociedade nesse processo. Para qualificar essa discussão em nosso país, um dos caminhos é esclarecer, envolver e sensibilizar a sociedade, despertando o interesse para a agenda da regulamentação da publicidade infantil no Poder Legislativo brasileiro.

 

Quais estratégias podem favorecer uma maior participação social em relação a esse tema?

Marco Aurélio Santana: A principal é fortalecer as potencialidades da agenda, ou seja, amplificar a voz da CGAN/MS por meio da sua rede de articulação intersetorial. Na sequência, produzir mais estudos por meio das Instituições de Ensino e Pesquisa para a ampliação de conhecimentos e discussões sobre a necessidade da regulamentação da publicidade infantil de alimentos. Depois, mapear produtores de conteúdo que utilizem uma linguagem mais próxima da população em geral, para que possamos compartilhar estudos científicos de uma forma mais simples e acessível.

 

Marco Aurélio Santana é autor da dissertação “A regulamentação da publicidade infantil de alimentos no Brasil: bastidores de uma década de debate sobre a implementação de uma política pública”, defendida em 29 de julho de 2021, com orientação da professora Mariella de Oliveira-Costa.

 

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