Presidente da Fiocruz fala sobre impacto da pandemia

Mariella de Oliveira-Costa 20 de maio de 2022


A Organização Mundial da Saúde diz que as duas intervenções de saúde pública com maior impacto na saúde do mundo são água limpa e vacinas, que devem ser consideradas bens públicos acessíveis a todos. Esta foi uma das importantes informações que a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, apresentou na tarde desta quinta-feira, 19 de maio, durante a sessão Poder e Políticas de Saúde no Mundo, parte da  23ª edição do Ciclo de Debates em Bioética e Diplomacia em Saúde. A atividade on-line foi promovida pela Fiocruz Brasília, por meio do Núcleo de Estudos em Bioética e Diplomacia em Saúde (Nethis).  

 

Durante a palestra, Nísia destacou os impactos da pandemia na saúde global e nas desigualdades sociais, trazendo dados e autores que embasam a necessidade de se enfrentar os desafios em saúde em contextos democráticos. A partir das ideias do sociólogo Klaus Eder, comparou o momento atual do mundo com um jogo embaralhado, pois, ao mesmo tempo em que se fala da resposta à pandemia de Covid-19, já se vislumbra a preparação para enfrentar futuras emergências sanitárias globais inevitáveis, tudo isso em meio aos processos de aprendizado, esquecimento e memória coletiva. Ela lembrou a pandemia de gripe espanhola, que causou mais mortes que a primeira guerra mundial, no início do século passado, depois da qual se definiram até novos órgãos de Estado, como o Departamento Nacional de Saúde Pública, no caso do Brasil. No entanto, isso não aumentou a consciência das pessoas para a importância de uma maior equidade e acesso à saúde. “A enorme crise sanitária daquela época logo foi esquecida, mesmo diante de tamanho impacto social, em meio à guerra. Hoje, mais de dois anos depois do início da pandemia, há uma nova guerra, na Ucrânia, com implicações terríveis”, refletiu.

 

A Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são temas sobre os quais a Fiocruz tem atividades específicas, não só a partir da sede da instituição, no Rio de Janeiro, mas também na Fiocruz Brasília e em outras unidades. Ao citar esses trabalhos, Nísia ressaltou que a pandemia reforçou barreiras à consecução dos ODS e ampliou as desigualdades estruturais, lacunas, desafios e riscos sistêmicos já existentes. A sobrecarga dos sistemas de saúde, a interrupção de importantes serviços essenciais de saúde e a demanda inédita imposta aos sistemas de proteção social prejudicaram a capacidade de governos locais para atender demandas básicas. A ausência de centenas de milhares de alunos das salas de aula também foi mencionada, assim como a redução dos meios de subsistência e o desemprego, com fechamento de empresas e fábricas.

 

A presidente da Fiocruz também apresentou parte das atividades da instituição em resposta à pandemia, que incluem a transferência de tecnologia da vacina Oxford/Astrazeneca, com entrega de mais de 180 milhões de doses; a criação de um biobanco da Covid-19; a construção de um centro hospitalar no campus do Rio de Janeiro; e um laboratório de referência da OMS para Covid-19 nas Américas. Citou também as ações de informação e comunicação, que tiveram papel estratégico e foram parte constitutiva da resposta à pandemia, com destaque para as publicações do Observatório Covid-19, contendo dados atualizados sobre a situação da pandemia no país. Outro ponto de destaque foi o apoio da instituição às populações vulneráveis. Em recente artigo publicado em periódico do grupo Lancet, com outros autores, ela pontuou como a pandemia ampliou a desigualdade, com impactos negativos no bem-estar físico, socioeconômico e mental das pessoas, alertando para o fato de que o mundo está em um momento que exige colaboração e cooperação.

 

Em outro artigo recente, As ciências na formação do Brasil entre 1822 e 2022: história e reflexões sobre o futuro, a presidente da Fiocruz reitera o papel da ciência e tecnologia na formação do Brasil como nação. Segundo Nísia, são necessários investimentos contínuos em ciência, tecnologia e inovação para promover a equidade no campo científico. Na palestra, não poupou críticas à instabilidade no investimento público em ciência e tecnologia e também à concentração da propriedade intelectual na saúde, aspectos que reforçam a iniquidade. Outro desafio está na reorientação das atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação no campo biomédico para reduzir as desigualdades e democratizar a produção de bens de saúde (por exemplo, vacinas, medicamentos), com reforço dos sistemas de saúde e de proteção social. O fortalecimento da vigilância, a integração de atividades na atenção primária, intermediária e especializada, o reforço da participação social, a comunicação pública, a governança global, o papel do multilateralismo e a abordagem interdisciplinar em saúde, particularmente em situações de emergência, foram outros desafios apresentados pela presidente da Fiocruz.

 

“Apenas com uma perspectiva efetivamente democrática poderemos dar conta dos desafios não só de uma resposta imediata, mas também de uma construção para o futuro. Minha expectativa é que o país possa contribuir, a partir da sociedade e das políticas públicas de Estado, para a visão de uma nova ordem mundial em bases democráticas”, finalizou. 

 

A reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abraão, foi a moderadora da atividade, que contou com 230 inscritos.

 

A gravação do 23º Ciclo de Debates do Núcleo de Estudos sobre Bioética em Diplomacia em Saúde está disponível aqui

 

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