Múltiplas vozes debatem os desafios da atenção à saúde no campo

Fernanda Marques 22 de março de 2022


Agente comunitária de saúde, residentes, preceptora, extensionista rural, agricultora e gestoras estiveram reunidas na última sexta-feira (18/3) durante o “Fórum técnico-científico sobre promoção e vigilância em saúde, ambiente e trabalho no contexto da pandemia da Covid-19 em territórios rurais da Região Norte do DF”. A atividade, promovida pela Residência Multiprofissional em Saúde da Família com ênfase em Saúde da População do Campo, integrou a programação da I Mostra da Escola de Governo Fiocruz-Brasília. Diferentes perspectivas sobre a atenção à saúde no campo foram compartilhadas pelas participantes. O Fórum teve início com uma intervenção artística protagonizada por um grupo de residentes.

 

Ana Cassia de Oliveira Félix, agente comunitária de saúde na UBS 17, do Jardim Morumbi, em Planaltina (DF) destacou a atuação dos residentes desde o início da pandemia da Covid-19, que ajudaram a implementar os protocolos sanitários conforme a logística da área rural. Ela comentou, por exemplo, que foram realizadas ações dentro da comunidade, com carro e caixa de som, para divulgar informações e dialogar com os moradores. Ana Cassia ressaltou também a participação dos residentes na campanha de vacinação.

 

A assistente social Maria Bezerra, da Emater-DF, falou dos impactos da Covid-19 na vida das famílias agricultoras, com a interrupção das feiras e a redução da renda. Foi estabelecido um programa que assegurava a compra da produção dessas famílias, a partir da qual eram montadas cestas de alimentos, doadas às populações em maior vulnerabilidade. Essa experiência deu origem a outra iniciativa, os Quintais Agromedicinais, oficinas voltadas às mulheres da agricultura familiar, com vistas a fortalecer “a relação de vida e saúde com a terra”, disse.

 

Relação essa que a agricultora Josefa Ataídes, colaboradora das oficinas, conhece muito bem. “Sempre tive uma ligação forte com a terra, uma vida agroecológica, embora eu não conhecesse esta palavra. Com a educação popular, aprendi que o meu saber é importante e que não devo me envergonhar dele. Eu não sabia que eu sabia”, afirmou Josefa, que hoje cultiva plantas medicinais em sistema de agrofloresta e compartilha seus conhecimentos com outras famílias.

 

A enfermeira Glaucia de Azevedo Alves Lima, da UBS 11, de Rajadinha em Planaltina (DF), contou um pouco da sua experiência na Atenção Primária à Saúde (APS) no campo e como preceptora da Residência. “A gente vive a pesquisa-ação, construindo conhecimentos enquanto lidamos com os desafios cotidianos”, descreveu. Entre esses desafios, ela elencou questões de acesso, transporte, equidade e segurança. “A sala de aula e o campo são realidades completamente diferentes”, lembrou a residente Francyslane Vitória da Silva, que também atua na UBS 11. “Tem sido um processo de aprendizagem grande com a comunidade e saber que estamos fazendo a diferença nessa comunidade é muito gratificante para nós, residentes, que chegamos com vontade de mudança”, completou.

 

Enfermeira da Secretaria de Saúde do DF e egressa do Mestrado Profissional em Políticas Públicas em Saúde, Juliana Felix Silveira ressaltou que a lógica dos territórios precisa ser levada em conta na formulação de políticas públicas e advertiu sobre a ausência de levantamentos sobre a saúde da população do campo, apontando para o desafio de leituras adequadas acerca das necessidades e demandas dessa população. “Como a pessoa do campo adoece e percebe esse adoecimento?”, questionou, comentando também alguns resultados de sua dissertação de mestrado, que mostraram que as populações rurais são acometidas por uma variedade maior de problemas de saúde, se comparadas às urbanas. Juliana defendeu ainda incentivos para fixar os profissionais de saúde no campo e o fortalecimento dos processos de formação, como as residências.

 

Ao falar de sua experiência na UBS 12, na Pedra Fundamental de Planaltina (DF), a residente Laurianna Alexandrina Neves de Souza Vieira exemplificou os desafios da saúde no campo. “A gente vê gestante no sétimo mês de gravidez pedalar uma hora para ir fazer o pré-natal”, contou. “Retomamos as visitas domiciliares, mas, sem carro disponível, as longas distâncias são um importante obstáculo”, acrescentou. Apesar das dificuldades, a residente enumerou as ações que têm sido empreendidas, como a distribuição de cestas básicas, a vacinação e as ações de promoção da saúde em diferentes espaços comunitários, como nas escolas públicas. “Se colocar para esses projetos e ações é uma forma de luta”, sinalizou Laurianna, questionando sobre as condições de saúde da população do campo, dos trabalhadores da saúde e dos residentes.

 

A diretora de Atenção Primária da Região de Saúde Norte, Renata Marcês da Silva, lembrou que a implantação da Estratégia Saúde da Família no DF é ainda muito recente, de 2016, e é preciso fortalecê-la, estreitando os vínculos com os territórios. As críticas e questionamentos, segundo ela, são importantes para o aperfeiçoamento permanente dos serviços. “Os conselhos de saúde e o controle social têm um papel central”, sublinhou. 

 

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