Saúde e Segurança na Escola pautam penúltimo dia da I Mostra da Escola de Governo Fiocruz- Brasília

Mariella de Oliveira-Costa 21 de março de 2022


É que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas. 

Mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros.

Mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”.

 

O verso de Cora Coralina foi compartilhado na última sexta-feira (18/3) com os participantes da I Mostra da Escola de Governo Fiocruz – Brasília, durante atividades on-line com foco no Programa Saúde e Segurança na Escola. De manhã e à tarde, pelo YouTube da Fiocruz Brasília, foi possível ter contato com os responsáveis pelo programa, professores e alunos participantes.

 

O programa forma professores de escolas públicas para prevenção do abuso de álcool e outras drogas no contexto da promoção da saúde em território educativo e conta com a participação de gestores das escolas e das secretarias de saúde e educação, educadores, orientadores educacionais, e equipes de segurança pública, além de auxiliares de ensino em uma rede de parcerias para desenvolver a promoção da saúde na prática. A mais recente edição do curso, em sua sétima turma, foi realizada de agosto de 2019 a fevereiro de 2020, e contou com 180 horas de estudos certificadas pela Escola de Governo Fiocruz – Brasília como Curso de Aperfeiçoamento, com oferta de dez mil vagas, sendo 8 mil em educação a distância e 2 mil presencial, para professores de todo o país.

 

Territórios com alta vulnerabilidade social foram identificados para maior investimento na divulgação e sensibilização dos professores para a adesão ao Programa. Houve participação de professores de todos os estados brasileiros, que acessaram os quatro módulos que formam o curso e culminam em um projeto de prevenção na instituição de ensino onde os professores atuam, com temas que vão de conceitos e informações sobre álcool e outras drogas, fatores de risco e de proteção, escola em rede de saúde e segurança, entre outros.

 

O estudante de biologia da Universidade de Brasília (UnB), Pablo Natan Souza Machado, foi aluno do curso Saúde e Segurança na Escola quando estudava no Centro de Ensino Médio de Sobradinho, há 30 quilômetros do centro da capital da república, e relatou que a formação representou uma quebra de padrões, com atividades estruturadas de maneira muito rica para que os jovens compreendessem sua responsabilidade individual. “A Fiocruz saiu do centro de Brasília para a periferia, para nos ouvir aqui no ginásio da nossa escola, trabalhando as estatísticas do DF sobre violência, uso de drogas, pra gente que vivencia a realidade de ofertas de vícios na porta da escola”, disse. Ele comentou os diferentes frutos a partir do projeto de intervenção ao longo do curso, como a inserção de debates semanais nas aulas de filosofia e sociologia e também relatos de diminuição de uso de cigarro por familiares dos jovens a partir das conversas deles com a família. Outro projeto citado foi o ‘Ginásio Amarelo’, com atividades durante o recreio focadas na prevenção do suicídio e rodas de conversa em que houve até denúncia de violência sexual na escola. “A educação é o caminho pelo qual se informa para prevenir o uso de drogas”, testemunhou.

 

O relato do estudante coincide com alguns dos resultados de pesquisa conduzida pelo professor James Moura Júnior, que investigou por meio de entrevistas semi-estruturadas e grupos focais a opinião de gestores, professores, estudantes e jovens educadores sobre o Programa Saúde na Escola. Foram selecionados indivíduos de cidades com maiores índices de criminalidade de todas as regiões brasileiras, de grande e de pequeno porte, com pelo menos uma escola com alta vulnerabilidade social, e das escolas públicas que ofertaram o curso Saúde e Segurança na Escola nas duas últimas edições. Também foram selecionadas escolas não participantes do programa e com índice de vulnerabilidade idêntico à escola participante, como forma de comparar as percepções e representações sociais sobre o programa. Ele observou que o apoio da gestão escolar tem impacto na efetividade de participação e na implementação de ações e projetos pautados na prevenção do uso abusivo de álcool e outras drogas. O interesse e predisposição dos professores em atuar de forma sistêmica com ações de prevenção ao uso e abuso de drogas também tem impacto na apropriação dos conteúdos, assim como a divulgação do curso tem impacto na adesão. “Um curso desenvolvido pela Fiocruz, UnB e Ministério da Justiça e a compreensão do curso como aperfeiçoamento profissional aumenta a vontade de participar”, afirmou.

 

A pesquisa também trouxe como resultado que os professores que aderiram ao curso tem maior segurança frente ao trabalho de prevenção ao uso de drogas. Os que não fizeram o curso tem foco maior em ações reativas ao invés de prevenção e abordagem preconceituosa e insegura frente à temática das drogas, por exemplo. O docente, que é professor da Universidade Federal do Ceará e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afrobrasileira, recomendou que, para próximas edições, se identifiquem de forma mais ampla as temáticas que serão trabalhadas no curso e o público alvo prioritário, bem como se se fortaleça a participação de gestores no curso com incentivos das secretarias de educação estaduais e municipais. Ele sugeriu também que se fortaleçam as estratégias de divulgação do curso junto às escolas e que seja estimulada a realização de projetos para além dos muros da escola, com trabalho em rede no entorno escolar. Os pesquisadores coletaram mais de 94 horas de gravações e os interessados em analisar os dados podem fazer contato com o pesquisador.

 

Parceria interinstitucional

O curso Saúde e Segurança na Escola é resultado do projeto Prevenção do Uso de Álcool e outras Drogas no Território Educacional, executado pela parceria entre a Fiocruz Brasília, Universidade de Brasília e as Secretarias de Políticas sobre Drogas e de Segurança Pública do Ministério da Justiça.

 

A diretora da Escola de Governo Fiocruz – Brasília e coordenadora geral do projeto de Prevenção ao Uso de Álcool e outras Drogas, Luciana Sepúlveda e o coordenador do Núcleo de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas da Fiocruz Brasília, André Guerrero fizeram uma retrospectiva sobre o curso Saúde e Segurança na Escola. Guerrero destacou o papel que os professores e alunos líderes tem na formação de seus colegas, já que a  metodologia do curso é a educação entre pares.  “Procuramos as lacunas de conhecimento a partir do diálogo com os participantes de nove municípios e do Distrito Federal, no curso semipresencial. Sabemos que não é só um curso que vai manter essas pessoas seguras, longe das drogas, mas é necessário um conjunto de políticas públicas para que esse momento de formação seja perene na vida dessas pessoas”, disse. Para Sepúlveda, todo curso constrói uma comunidade, como uma família, e conseguir realizar encontro entre ex-alunos, potencializa e fortalece o educador, o estudante e suas redes locais.

 

A professora Eliane Maria Fleury Seidl, do Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas (Prodequi/UnB) falou sobre práticas preventivas que promovem proteção para o território educativo a partir do curso Saúde e Segurança na Escola. “A escola precisa estar protegida para proteger”, disse.

 

Segundo ela, a partir da 5ª edição do curso, foi criado um caderno de atividades para os participantes, com atividades que devem ser feitas a partir do olhar deles para a sua escola, seus alunos e seu entorno, e auxiliam na construção de um projeto factível e conectado com a realidade de cada escola, com aprendizado inserido no projeto político-pedagógico de cada escola. Ela comentou que, na última edição, das 940 escolas com professores participantes do programa, 478 tiveram pelo menos um deles certificado.

 

Já a  professora da UnB,  Maria Fátima Olivier Sudbrack, lembrou a construção coletiva do curso e as construções metodológicas para a promoção de saúde e segurança no território educacional. Ela citou uma série de instituições parceiras para a realização do projeto e defendeu que há uma questão estrutural a ser debatida. “Como frear os apelos para o consumo, sucesso e vício? Os jovens reproduzem sua cultura, então que valores estamos perpetuando para a procura da felicidade desses meninos? A mídia transmite informações enganosas, há falta de controle na compra e venda de drogas lícitas como o cigarro e as bebidas alcoólicas, e a violência como lógica da cultura vigente”, refletiu.

 

Como psicóloga clínica, alertou que alguém que comete violência demonstra um fracasso de seu entorno. É preciso então formar professores que tenham uma postura acolhedora que reconheça o outro como alguém que tem demandas e precisa ser ouvido e não só encaminhado para outro profissional tentando se livrar do problema.

 

O representante da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Gustavo Camilo, ressaltou que essa formação a partir de árvores de problemas e soluções desenvolvidas pelos participantes do curso auxilia que os professores do curso entendam o contexto em que esses alunos estão inseridos e possam fortalecer sua atuação.

 

Tem método!

A segunda parte do encontro de egressos do curso Saúde e Segurança na Escola compreendeu detalhes da metodologia de implementação do curso Saúde e Segurança na Escola.

 

A professora da UnB, Maria Fátima Olivier Sudbrack, apresentou as bases teóricas da proposta de Escola em Rede. O foco do método é articular a sensibilização, mobilização e participação, articulando o saber acadêmico ao saber popular e político para viabilizar um projeto comum. Se transformam crises em contextos criativos de novas possibilidades. Ao longo do curso, se busca promover atividades que geram contextos protetivos nas famílias, grupos juvenis e comunidades, construam redes profissionais de socialização das experiências e de solidariedade, trabalham o sentimento de impotência e de medo, impregnados nas famílias, nas equipes e nas instituições, gerando novas competências e desenvolvendo a coesão grupal como suporte nas equipes a partir de um objetivo comum: abrir novas frentes e novas esperanças. A aposta é no protagonismo dos educadores a partir da formação continuada, e formação de uma rede que vincula as pessoas e desconstrói o medo que paralisa.

 

A importância da longitudinalidade foi apresentada pela psicóloga Márcia Totugui que ressaltou que um dos objetivos do curso foi desconstruir ações isoladas, e apresentar uma perspectiva sistêmica e customizada conforme cada escola e seu entorno, ela sugeriu também que acessem os relatos dos participantes do curso e descritas na Comunidade de Aprendizagem 7, da I Mostra da Escola de Governo Fiocruz – Brasília. “Escolas que eram rurais e isoladas, conseguiram se conectar e formar uma rede com outras instituições”, informou.

 

A psicóloga Elaine Fernandes Mesquita, apresentou o projeto de Formação Intersetorial para Educadores e Trabalhadores da Rede Pública sobre prevenção do uso de drogas, na Gerência de Saúde Mental de Goiânia. O público deste curso eram trabalhadores da rede de cuidado aos usuários de drogas, em especial os educadores das secretarias municipal e estadual de Educação, profissionais da Secretaria Municipal de Saúde da capital goiana, guarda municipal, batalhão escolar e secretaria de assistência social da cidade. O curso subsidiou os educadores para atuar na mobilização da rede social interna e externa e no fortalecimento dos fatores de proteção do contexto escolar, abordou conteúdos articulados aos eixos metodológicos apresentados no curso para elaboração de um Projeto Intersetorial de Prevenção do Uso de Drogas, com enfoque na educação para a saúde e orientou a implementação de um projeto intersetorial de prevenção do uso de drogas na escola, valorizando sua integração ao projeto político pedagógico.

 

Da Fiocruz Brasília, Alexandro Pinto apresentou a avaliação qualitativa da intersetorialidade em territórios educativos, para compreender o que promove ou dificulta essa intersetorialidade, bem como suas experiências práticas para prevenção do uso de álcool e outras drogas nos territórios educativos. Foram entrevistados gestores de ações intersetoriais reconhecidas por articuladores sociais da modalidade presencial do curso. Entre os resultados observados estão a necessidade de uma agência líder, que organize e mobilize os membros da comunidade. O desequilíbrio de poder e recursos entre as organizações, a concentração dos recursos no líder da ação e a falta de apoio entre os setores como barreiras à intersetorialidade.

 

Clique aqui para acessar a gravação da primeira parte desta atividade. 

 

A segunda parte está disponível neste link

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